Seleção Kabbalística

O grupo começa a se estabelecer sob dois aspectos. O primeiro é a seleção de pessoas para as quais o grupo não é adequado; e o segundo é a lenta acumulação e síntese do material sendo estudado e praticado. O primeiro processo acontece espontaneamente, e o último, com deliberada consciência. Aqui começamos a observar a alquimia do início do trabalho de um grupo. Como um sábio observou: “Kabbalah atrai ou repele”. Assim, une os que estão sintonizados e expulsa os que não estão.

Um exemplo do processo de rejeição é visto nos que chegam ao grupo para adquirir poderes psíquicos, porque a Kabbalah tem reputação de se ocupar de tais assuntos. É verdade, mas fazem parte do processo de crescimento interno, e não são uma habilidade especial a ser aprendida. Isso é magia. As pessoas que chegam procurando este tipo de treinamento são, em geral, personalidades inadequadas, buscando compensar suas deficiências adquirindo estranhos talentos, e às vezes aparecem em reuniões de Kabbalah esperando ganhar algum entendimento sobre como obter poderes psíquicos. Logo descobrirão que não irão aprender nada sobre o culto como eles o compreendem, e partem para procurar um compromisso mais próximo ao seu desejo.

Outro tipo de pessoa que rapidamente se retira de um grupo moderno é o erudito. Acha as reuniões decepcionantes, porque de modo algum estão de acordo com a imagem tradicional do que é a Kabbalah. A maioria, senão todos os membros, não lê hebraico; nenhum texto original é estudado, e, assim, sendo, não existe a referência de nenhuma autoridade. A falta de conexão óbvia com a Tradição é inaceitável, embora muito do que é discutido e executado seja pura Kabbalah. Tais pessoas acham que não têm outra opção, a não ser partir e buscar um professor reconhecido e aprovado. Muitas vezes terminam em uma instituição acadêmica, ou em um dos yeshivot ortodoxos que ensinam a forma medieval da Kabbalah. Há, ainda, um outro tipo de pessoa que parte, o tipo sonhador, que vagueia de grupo em grupo. É muitas vezes bastante inteligente e sempre obtém êxito no começo. Na verdade, quase sempre conduz os estudantes, recorrendo às sua experiências anteriores, impressionando os que não sabem a diferença entre informação e conhecimento. A separação começa a se manifestar quando a pessoa esgota o seu material e repete o que já disse. Lentamente todos compreendem que há pouca substância por trás do que está sendo mostrado, e a pessoa percebe isso, à medida que a integridade do grupo aumenta. O processo requer absoluta honestidade por parte de todos, de modo que se torne aparente caso alguém exagera uma observação ou distorce uma afirmação. Este fenômeno é o primeiro sinal de que o grupo está saindo do estágio da “lua-de-mel”, e é muitas vezes neste ponto que os que não deveriam estar ali começam a se sentir desconfortáveis e partem; muitas vezes criticando o grupo por uma variedade de razões, e desaprovando o tutor, justificando assim sua partida. Os espertalhões seguem então adiante, como sempre fizeram, exatamento no momento em que poderiam derrubar suas próprias barreiras internas. Um tipo peculiar é o eterno estudante, que prefere ser sempre o brilhante prodígio, recusando-se a se tornar adulto por receio de peder as luzes da ribalta para os capazes de superá-lo. Antes que isso aconteça, ele parte. A Kabbalah não é para aqueles que não tem coragem de mudar.

Um exemplo bem diferente dos motivos pelos quais as pessoas partem é o doente psicológico. Nem sempre são logo identificáveis, pois, muitas vezes, são pessoas de alta sensibilidade que estão, de fato, procurando uma solução para seus problemas. Contudo, em vez de procurar uma análise, ou entrar em acordo com as dificuldades causadoras de seus problemas, buscam evitar a realidade atingindo a espiritualidade. Embora seja uma abordagem bastante legítima, não será válida se a pessoa não for capaz de se defrontar com o que não deseja saber. Nada pode ser feito por qualquer um que esteja propenso a permanecer surdo e cego no plano psicológico. Na verdade, até descobrirem não serem basicamente honestos, tudo o que absorvem será distorcido, de modo a virarem certas idéia esotéricas pelo avesso para apoiar suas neuroses. A mulher que escolhe o celibato como uma forma de espiritualidade está, muitas vezes, evitando sua própria sexualidade ou a intimidade com homens, enquanto o homem que busca apenas a perfeição está, em geral, fugindo de sua própria sobra psicológica. Ambos, e muitos outros, se repugnam com a própria humanidade, e com a dos outros. A espiritualidade destituída da dimensão humana pode ser tão desequilibrada quanto o demoníaco, que despreza os outros e busca apenas a auto-satisfação. Se existir um pouco de honestidade em tais pessoas, então permanecerão. Do contrário logo partirão, porque não são capazes de encarar o crescente isolamento de sua egocentricidade, enquanto o resto do grupo deixa de responder aos jogos que eles querem que todos joguem.

Existem muitos outros tipos de pessoas que caem fora de um grupo quando a fase da “lua-de-mel” ultrapassa seu apogeu. Estes tipos vão desde o preguiçoso até o entediado quando passa a novidade; da pessoa que carece de suficiente experiência interior para utilizar o grupo, até os que possuem-na em demasia, e necessitam um nível mais alto de instrução. É raro mas acontece, e neste caso um tutor recomenderá ao estudante que se dirija a outro grupo, ou que contate seu próprio professor. Tal caso pode acontecer quando a pessoa veio de um outro país e busca uma conexão esotérica, e o grupo é o único caminho que surgiu. Aqui está uma circunstância onde a discriminação e a discrição do tutor são mais necessárias, porque ele não deveria enviar aos superiores da Tradição um candidato não-qualificado. É quando tem início o lado positivo da seleção.

Até este ponto, quase todos os que desejam podem entrar no grupo. A razão disto é que o grupo está em Malkhut, isto é, no nível da rua. Assim é chamado em algumas Tradições, como uma “escola preparatória”, que admite pessoas de todos os níveis sem muita avaliação. No início isto é necessário, não só para atrair membros, porque mais da metade logo partirá, mas também para encorajar os que realmente procuram contato com uma escola esotérica, mas que, até então, não têm acesso direto. Após o grupo ter atravessado sua fase geral de inscrição, pode se tornar mais seletivo. Isso é feito fechando-se suas portas e determinando que a admissão de novos membros seja só por convite. Assim, embora novas pessoas possam ainda entrar para o grupo, serão visitantes especiais, ou membros em perspectiva. Essa seleção aumenta a intensidade do trabalho e eleva a qualidade do grupo

A partir daí, o modo pelo qual as pessoas chegarão às reuniões do grupo será através da recomendação de algum membro, ou da determinação de outro grupo ao tutor. O critério principal para admissão é o grau de seriedade e dedicação aos assuntos espirituais e ao autodesenvolvimento. Assim, apesar de entrar menos pessoas, o nível do grupo se eleva. Enquanto a nova fase continua, as reuniões se tornam mais sóbreis, embora nunca devessem perder o senso de humor. O aprofundamento, crescendo à medida que os elementos inadequados diminuem, intensifica o processo de integração do grupo, agora começando a emergir. Aos poucos, os relacionamentos individuais e sociais começam a tecer uma textura sutil, formando a base de um veículo coletivo próprio para carregar todos e para conter tudo aquilo que desce do Cèu. Este “cálice”, como tem sido chamado, é também a “Câmara Superior”, que corresponde à tríade da alma na Árvore do grupo. Neste estágio não passa de uma forma frágil, mas existe. Às vezes, visitantes não-envolvidos, mas perceptivos, sentem isso, embora, em geral, só o tutor e os estudantes mais sensíveis percebam sua crescente presença.

A formação do veículo interior é mais que uma identidade de grupo, muito embora este nível esteja presente. Sua qualidade é tal como uma bela sala de estar em que todos os seus membros do grupo podem vir a qualquer hora, durante uma reunião, quando estiverem sozinhos, ou lá fora, no mundo. Esta possibilidade de acesso é ampliada pelo exercício habitual de lembrar do rosto de cada membro do grupo às 10 horas, 12 horas, e 15 horas. Através disso, uma imagem cada vez mais nítida é formada, não apenas na psique de cada membro, mas também na mente coletiva do grupo, à medida que sua estrutura e dinâmica começam a se estabelecer na Árvore arquetípica de todos os grupos. Este modelo preexiste, e só precisa ser conscientemente ativado. O processo é como um feto, uma vez concebido se desenvolve de acordo com as leis da criação, da formação e da materialidade, sendo o nível mais inferior, o da reunião propriamente dita.

O processo de seleção e síntese do grupo é absolutamente vital, pois embora a teoria e a prática possam ser executadas com diligência a cada semana, se não houver uma integração dentro da consciência comum, a substância obtida simplesmente se escoará, o que é um outro motivo para o grupo ser fechado ao público. Não significa se tornar exclusivo, seria um corte, mas que um relacionamento judicioso seja formado entre os mundos superior e inferior, pois enquanto a potencialidade do grupo aumenta, os que se opõem ao Trabalho surgirão de todas as direções para testar, destruir e até mesmo para se apossar do que está se transformando em um ponto de acesso entre os mundos. Neste estágio, entramos no plano do sobrenatural, onde outros elementos, além dos humanos, se interessam pelo que está acontecendo. Contudo, antes de examinarmos esta dimensão, vamos resumir o que se passou até agora, a fim de tornar claro o estudo e o esquema. Primeiro, um indivíduo que tenha atingido um certo nível da Kabbalah é designado para assumir o grupo. Este grupo é composto de pessoas encaminhadas até o tutor, ou guiadas pela Providência à reunião preliminar. Segue-se, então, a fase de excitação e de confusão, com a perda gradual dos que não desejam, ou não podem, trilhar o Caminho. Agora temos um grupo inicial de pessoas seriamente dedicadas ao trabalho, que através de esforços e considerável Graça chegaram a um estágio onde emerge uma distinta entidade comunal. Este delicado veículo, mantido por trabalho sólido e pelo Ensinamento, se torna um foco não só de conhecimento e de amor, mas também de energia, e essa mesma energia pode ser utilizada para objetivos bons ou maus. É quando, pela primeira vez, as pessoas travam contato direto com o Mal.