Seguindo o Bom Pastor

Os discípulos de Jesus em qualquer tempo e lugar não são seguidores de um clero, de um código de leis morais, de um sistema (teo)lógico e que nos revele a "verdade", de um livro sagrado, nem de uma religião. Eles seguem somente a Cristo. E por quê? Porque eles pertencem a Ele:

Em João 6: 37 pode-se ler: Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora.

De fato, em João 10:1-21, explicando a sua missão aos religiosos e a relação dele com o judaísmo, (o curral), Jesus apresenta-se como "o bom pastor" e como "a porta".

Este bom pastor toma algumas atitudes em relação ao "curral" (a religião ): cumpre todas as ordenanças da religião (entra pela porta), não para "ficar" nela, mas para conduzir suas ovelhas para fora pela porta que, agora, é ele mesmo.

Os discípulos de Jesus preferem seguir o Bom Pastor porque Ele os torna como "ovelhas" e não "lobos" vorazes ou cães raivosos:

"Então pegaram em pedras para atirarem nele..." (Jo 8:59). E:

"Ao verem-no, os principais sacerdotes e os seus guardas gritaram: Crucifica-o! Crucifica-o!" (Jo 19:6a).E ainda: "Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava." (Gal. 1:13)

Na caminhada com o Bom Pastor não há espaço para lobos e sanguinários. Nele só cabem "ovelhas". Todavia, há uma diferença básica entre a porta que leva ao "curral" e a que tira as ovelhas de lá. Essa diferença consiste no fato de que o que se encontra quando se entra pela primeira porta, é o oposto do que se acha, quando se sai pela segunda porta.

Ora, Jesus diz: "Eu sou a Porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá, e achará pastagem" (v.9).

Através dele somente, as ovelhas podem encontrar quatro surpreendentes e vitais dádivas:

  1. Salvação: "será salvo"
  2. Liberdade: "entrará e sairá"
  3. Satisfação plena: "achará pastagem"
  4. Vida abundante: "eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância" (v.10)

Nada disso pode ser encontrado "lá dentro", pelo fato mesmo de que se assim fosse, a vinda do "bom pastor" teria sido completamente desnecessária, o que o tornaria mais "tolo" do que propriamente "bom". O pastor já prometera não "lançar fora" as ovelhas que ganhara, prova de que no "curral" não fica; antes, vai adiante delas como um libertador de "ovelhas", que vê no curral não um abrigo ou local de proteção e segurança, mas uma prisão. São as pastagens o "lugar" das ovelhas.

Enquanto caminham as ovelhas, pode-se notar que o pastor vai adiante delas (v.4) e o faz para encontrar outras ovelhas que lhe pertencem, embora estejam em outros "currais" (v.16). Jesus também apresenta algumas características daqueles que são suas "ovelhas":

1. elas "ouvem a sua voz". Não importa se estão despertas e atentas, ou se, pelo contrário, estão sonolentas ou cansadas, o fato é que elas ouvem o Bom Pastor as chamar;

2. "elas o seguem". Nada no curral pode impedi-las, elas são chamadas para fora. Não para um novo curral, não para um passeio rápido, mas para segui-lo!

2. "elas reconhecem a sua voz" como uma voz que deve ser ouvida, acima de todas as outras. Em João 9:33, o cego é capaz de admitir: "Se este homem não fosse de Deus nada teria feito". Já os religiosos judeus disseram: "somos discípulos de Moisés". E ainda: "Ele tem demônio e enlouqueceu; por que o ouvis?" (Jo 10:20).

Há uma diferença abissal entre ser discípulo de Jesus e discípulo ou seguidor de qualquer outro pastor, inclusive daqueles que não têm a mesma atitude para com as ovelhas: "O mercenário, que não é pastor..." (cf. Jo 10; 12). Essa diferença consiste basicamente no fato de que as ovelhas não lhe pertencem (12b). Por outro lado, ainda que um falso pastor qualquer, ou mesmo "o lobo", provoque a saída das ovelhas do curral, isto não significa que as ovelhas foram libertas, ou seja, que encontraram as dádivas da vida fora do curral:

"Se alguém confessasse ser Jesus o Cristo, fosse expulso da sinagoga".(Jo 9:22) E: "então, o lobo as arrebata e dispersa". (Jo 10:12c).

Neste sentido, nem toda saída do curral da religião significa libertação pelo encontro com o Bom Pastor. É necessário reconhecer a autoridade daquele que é maior que o templo (Mt 12:6), como fez o cego: "Creio, Senhor!" E diz o evangelista que ele o adorou![1] (Jo 9:38). O cego sabia o que era mais importante, embora não passasse de um pobre ignorante! (cf. Jo 7:49).

Aqui, vemos claramente que se pode "pertencer ao Bom Pastor", ser ovelha, mesmo sem estar ligado e religado às amarras do curral:"Tu és nascido todo em pecado e nos ensinas a nós?" , disseram os fariseus ao cego, pois este não pertencia ao curral. De fato, o único digno de ser adorado, ouvido e seguido é Jesus, o Bom Pastor, de quem seus inimigos falam mal e reprovam sua conduta:

"Esse homem [Jesus] não é de Deus, porque não guarda o sábado" (Jo 9:16), diziam os fariseus com ar de quem dava a última palavra, segundo a ortodoxia vigente. Mas por trás de todo "raciocínio correto", de toda "objetividade" pretensamente desinteressada e por trás de toda "conclusão necessária" pode haver muita cegueira e muito pecado, passíveis do juízo de Deus:

"Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos".

Alguns dentre os fariseus que estavam perto dele perguntaram-lhe: Acaso, também nós somos cegos?

Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado algum; mas porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado" (Jo 9:39-41).

Os fariseus eram apenas um entre vários grupos que não seguiam o Bom Pastor, pois não conseguiam vê-lo fora do curral. Eles acreditavam que a vida eterna estava nas páginas sagradas, mas não viram a Jesus, o Bom Pastor que liberta e salva, ali diante deles. Eles estavam ocupados demais, influenciados demais com as ligas e amarras do curral para que pudessem compreender que o lugar ideal e real das ovelhas é com o Bom Pastor, e que Ele não se encontra no "curral" pois, lá entrou para não ficar e para não deixar quem o desejasse seguir, pois só estes, com espírito de ovelha e não de lobo, podem entender que já eram Dele, antes mesmo que Ele as tirasse de lá.

O erro maior dos Fariseus não era o de não ser tão fariseus quanto poderiam ser, ou seja, ser fariseu por dentro e por fora, ser "100% Fariseu". Também não era o de interpretar errado aquilo que deveria ser lido segundo os "princípios hermenêuticos" inacessíveis aos pecadores ignorantes. Isto só os deixava mais confusos e blasfemos na hora de acusar Jesus! Pelo contrário, era o de "estar sempre certo", de calcular, medir e sempre concluir de modo inflexível, pela punição, pela negação da liberdade e da vida do outro, do não-ajustado, do louco, do pecador.

Entretanto, o que os fariseus não compreendiam e não aceitavam ou não queriam aceitar era que, justamente Jesus de Nazaré, o Filho do carpinteiro José, o elemento mais desestabilizador, mais caótico, mais perturbador[2] mais subversivo e mais revolucionário, fosse o Messias esperado, principalmente à luz do que dizia e fazia e que não parecia estar conforme os ditames da religião judaica.

De qualquer modo, este "fator insignificante" era o Filho do Homem e possuía em si uma outra ordem (O Reino de Deus) muito superior a quaisquer ordenamentos e instituições humanas (os "currais" da cultura) e que não poderia sequer ser anunciado sem causar alvoroço e sem promover grandes e imprevisíveis transformações radicais por onde quer que passasse. Primeiro no coração dos homens, depois no centro da história.

A questão era, pois, que do acerto dos seus pontos de vista teológicos e exegéticos, eles não podiam enxergar Aquele que é MAIOR que o templo, que o sábado, que as Escrituras e que a religião. Jesus agia e pensava com amor, o qual possuía uma lógica "louca" que só pode ser compreendida a posteriori, pela experiência de fé e não pelo adestramento doutrinário na religião, seja ela qual for (Cf.gal. 1:13-17,23);

Por essa razão, seus discípulos são aqueles que O ouvem, não para acusá-lo, mas para aprender a pensar e agir como Ele, O seguem não porque "fugiram"mas por que não há mais um curral que os possa conte-los; O reconhecem não para confronta-lo, mas para adorá-lo, no "aqui e agora" da existência de cada um e da vida comunitária e sem as performances da religião[3]. Só assim poderá haver um só rebanho e um só Pastor!

Um cristo que teria de ficar preso num "curral" físico, geográfico, institucional cuja utilidade era apenas a de simbolizar Aquele que tabernaculou entre nós, não é e não pode ser o Bom Pastor, libertador de suas ovelhas, Jesus Cristo. Da mesma forma, ovelhas que, uma vez libertas e salvas, preferem sedentarizar-se em "currais" em meio às amplas pastagens que têm à disposição, jamais experimentaram a vida abundante que o Bom Pastor já lhes deu. Assim sendo, mostram que trocaram o amor como único limite à liberdade, pelo medo paralisante quepereniza a tirania dos mau-humorados fariseus.

No Caminho, Adir02.03.06

Notas



[1]Nem toda verdadeira adoração ocorre necessariamente dentro de um templo, cumprindo-se a liturgia. Ela pode ocorrer em qualquer lugar. O cego adorou a Cristo ali mesmo onde estava. E isto não foi por acaso. McNair explica que: "Deuteronômio 12:11 fala de um lugar onde havia de ser localizado o culto de Jeová, e todo o Israel havia de chegar para esse lugar santo. O N.T. fala de uma Pessoa, e de discípulos congregados em seu nome – as ovelhas em torno do Bom Pastor".

[2] És tu ó perturbador de Israel? Esta foi a pergunta que o rei Acabe fez ao profeta Elias e, de certo modo, estava correto em fazê-la, já que havia uma incompatibilidade essencial entre o poder político e religioso daqueles dias e oDeus Todo-Poderoso a quem o profeta servia.

[3] De acordo com Jesus (João 4: 19-30) o lugar da verdadeira adoração não é aqui e nem ali. Pois se trata de um tempo (kairós)de Graça que já chegou, pelo qual o verdadeiro adorador se acha na presença do Pai e o adora. Ao dizê-lo, Jesus desautoriza qualquer tipo de "guerra santa" por solos sagrados ou qualquer obrigação em relação a ritos como condição sine qua non para que o Pai aceite o culto de seus filhos.