PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais Curso de Ciências Econômicas - Noite

Formação Econômica do Brasil 

 

Érika Aparecida Cabral de Sales

Fabrícia Antunes Bezerra

Paula Caroline Soares Rodrigues

 

SAZONALIDADE E TRABALHO TEMPORÁRIO NA EMPRESA CAFEEIRA (OESTE PAULISTA, 1890-1915).

 

 Belo Horizonte 2017 

 

Resenha de artigo apresentada à disciplina Formação Econômica do Brasil do 5º período do Curso de Ciências Econômicas Noite do Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

 

1 INTRODUÇÃO

O trabalho apresenta uma resenha crítica ao artigo "Sazonalidade e trabalho temporário na empresa cafeeira (Oeste Paulista, 1890-1915).", escrito por Cláudia Alessandra Tessari, publicado na revista História Econômica & História de empresas em 2011. Tessari em seu artigo mostra que a transição do trabalho escravo para o assalariado envolve diversas transformações, e requer mudanças na estrutura tanto social quanto econômica. Essa transição se deu num período de intensas transformações tanto internas quanto externas. O Brasil se consolidou como exportador de produtos primários. Uma particularidade da atividade econômica na agricultura mostrada pela autora é a sazonalidade na demanda de trabalho. Seu artigo mostra também a relação entre o trabalho temporário e a cafeicultura no Oeste Velho paulista.

Com esse novo panorama econômico, o desafio da lavoura paulista não era mais substituir o escravo pelos trabalhadores assalariados nas áreas produtoras, mas sim resolver a questão da escassez de mão de obra para uma economia que crescia em grande velocidade. "A expansão econômica paulista que se deu concomitante à mudança no regime de trabalho impunha que a questão da mão de obra fosse resolvida logo." (TESSARI, 2010, p.18).

Ainda segundo Tessari, o mercado de trabalho rural possui suas particularidades, não podendo ser analisado da mesma forma que o mercado de trabalho urbano. Na agricultura o trabalho é diferente daquele realizado na fábrica. O trabalho agrícola é sujeito às condições naturais como o clima, ao ciclo de vida de cada planta, e um dos fatores que mais influenciam o trabalho no campo são as estações do ano. Isso faz com que a agricultura possua suas especificidades, variando ao longo do ano e sendo diferente de um ano para outro, sendo assim, a mão de obra necessária para cada etapa da produção oscila, sendo mais intensiva em algumas épocas do ano agrícola. Percebe-se, portanto, que havia uma alta sazonalidade na demanda por mão de obra na agricultura.

Conforme mostrado por Tessari (2011), essa sazonalidade na lavoura cafeeira junto com a característica do trabalhador nacional permitiu que a empresa rural contornasse o problema da rigidez da mão de obra, que caracterizavam trabalho escravo, permitindo uma administração nos modelos capitalistas, flexibilizando fatores de produção e custos com trabalho. Mesmo proporcionando maior flexibilidade, o arranjo colonato e trabalho temporário ainda apresentava limites, uma vez que a mão de obra não era abundante.

 

2 SAZONALIDADE E TRABALHO TEMPORÁRIO NA EMPRESA CAFEEIRA (OESTE PAULISTA, 1890-1915)

Uma das grandes incertezas nas lavouras cafeeiras citadas por Tessari (2011) é o fato da dependência da produção rural as condições naturais, oscilando muito a demanda por mão de obra ao longo do tempo da produção. Nas épocas frias ou secas demanda-se muita mão de obra, enquanto nas estações quentes e chuvosas a demanda por mão de obra era reduzida drasticamente, chegando a momentos de vacância.

Para Silva (1986), o café tornou-se o motor do desenvolvimento capitalista no Brasil, mas a mão de obra era um problema. Com isso, se fez necessário uma imigração massiva, na qual os imigrantes recém-chegados ao Brasil eram empregados nas lavouras de café. Ainda segundo Silva (1986), os trabalhadores não possuíam um pedaço de terra onde poderiam cultivar seus alimentos, a eles era concedido o direito realizar "culturas intercaladas".

Segundo Tessari (2011), era nas estações frias e secas que, em São Paulo, compreendida entre abril a setembro, se concentrava o maior número de atividades tanto diretamente ligadas à produção do café como indiretamente ligadas. No que se refere às atividades ligadas a produção, as estações frias e secas permitiam a plantação, colheita e beneficiamento do café (e da cana de açúcar). Devido à falta de infraestrutura, as atividades como o conserto de estradas e transporte do café (indiretamente ligadas à produção do café), também deveriam ser realizadas no período de seca. Dessa forma a demanda por mão de obra nessas estações era intensa. Ainda segundo Tessari (2011), contrariamente à demanda de trabalho nas lavouras de café, nas estações quentes e chuvosas era o período de trabalho intenso nas lavouras de alimentos. Dessa forma, existe notadamente uma oscilação na intensificação de mão de obra entre as lavouras comerciais e de alimentos.

Outro dado importante é que, quando comparamos os momentos de pico de trabalho nas lavouras comerciais (café e cana-de-açúcar) com os momentos de mais trabalho nas lavouras de alimentos, percebemos que os períodos de maior demanda por trabalho eram intercalares entre si. Os três meses de trabalho vago na lavoura de alimentos (maio, junho e julho) coincidiam justamente com os meses de trabalho intenso na cafeicultura, na lavoura canavieira e nas benfeitorias e nos transportes. (TESSARI, 2011, p.111).

A sazonalidade do trabalho nos cafezais muito se deve ao ciclo das plantas que, segundo Davatz citado por Tessari (2011), sua produtividade varia muito de um ano para outro. Assim, o tempo de trabalho e o tempo de produção são distintos. "O tempo de trabalho é a quantidade de tempo que o trabalhador dedica às tarefas do processo de produção (preparar a terra, plantar, cultivar e colher), enquanto o tempo de produção é a quantidade de tempo necessária para que o produto esteja pronto." (TESSARI, 2011, p. 113).

A inconstância do trabalho no café se dava pelas condições naturais, como as estações do ano, na qual as estações frias e secas eram intensivas em trabalho, ao contrario das quentes e chuvosas. Desse modo, Tessari (2011) afirma que a fazenda possuía outras atividades, além da produção para seu funcionamento pleno, cada uma tendo sua particularidade de tempo e intensidade; assim, era necessário além dos trabalhadores sazonais, certo número de funcionários permanentes nas fazendas.

De acordo com Tessari (2011), a variação na demanda por mão de obra e a dificuldade de calcular o número de trabalhadores necessários para a colheita eram contornados, no Brasil durante a escravidão, utilizando os escravos em serviços para a manutenção das fazendas em atividades domésticas ou em atividades para a subsistência dos mesmos. O sistema escravista trazia a não flexibilidade da mão de obra; assim, a quantidade produzida pelas fazendas era determinada de acordo com a quantidade de escravos disponíveis na época da colheita. Na época em que era necessário maior número de trabalhadores, utilizavam-se trabalhadores temporários.

Já na economia capitalista, como Tessari (2011) afirma citando Gorender, era possível adequar a quantidade de mão de obra de acordo com a capacidade de produção. Isso ocorre devido ao fato dos contratos não exigirem adiantamentos de capital, ao contrário da economia escravista, em que era necessário a inversão de capital na aquisição de escravos. Desse modo, não era possível adequar a aquisição de escravos às necessidades de produção.

Segundo Gorender citado por Tessari (2011), o caráter incerto da agricultura, durante a escravidão faz com que a quantidade de mão de obra disponível continue a mesma, apesar das alterações nas quantidades de trabalho exigidas durante as diferentes fases de produção. Na fase que exigia menor quantidade de trabalho, alguns escravos ficavam ociosos em relação ao trabalho principal na lavoura. Desse modo, os fazendeiros costumavam manter nas fazendas atividades intercalares à economia cafeeira.

Com relação às inovações tecnológicas, Tessari (2011) cita Gorender ao afirmar que o sistema escravista trazia também o desestímulo às inovações tecnológicas, pois essas só seriam atrativas quando poupassem mão de obra na época da colheita. Novais citado por Gremaud (1997) complementa essa afirmação admitindo que, a estrutura escravista limita as transformações devido à própria condição de escravo, onde o mesmo não é capacitado para aprender processos tecnológicos evoluídos. Assim, para o desenvolvimento de uma economia capitalista era necessário superar o problema da inflexibilidade da mão de obra escrava que está interligada ao caráter rígido da agricultura.

Silva (1986) afirma que a possibilidade de expansão da economia cafeeira sobre a base do trabalho escravo era limitada. Além disso, em 1851 com a Lei Euzébio de Queirós que interditou o tráfico de escravos, aumentou-se a importância do trabalho temporário. O trabalho temporário diminuiu a rigidez de mão de obra, por possibilitar a contração de trabalhadores assalariados na época de pico de trabalho nas lavouras.

Após a abolição, Tessari (2011) nos mostra que na época do plantio e da colheita, os fazendeiros de São Paulo utilizavam trabalho permanente e trabalho temporário. O trabalho permanente era realizado pelo sistema de colonato, onde o contrato de trabalho durava o ano todo. Já o trabalho temporário era dividido em contrato de salário e de apanhadores, que realizavam tarefas específicas. O número de colonos contratados era estimado pelas exigências básicas para a manutenção do cafezal; assim, o proprietário assalariava os trabalhadores temporários somente na época de pico das lavouras.

De acordo com Silva (1986), o contrato do colono é de um ano, mas podiam ser rescindido por ambas as partes.

Esse contrato previa o pagamento de um salário base proporcional ao número de pés de café atribuídos ao trabalhador (o trabalhador se engajava de fato com sua família, o número de pés que lhe eram atribuídos podiam variar em função, por exemplo, da idade de seus filhos). A esse salário-base juntava-se uma soma variável (uma espécie de prêmio), em função da colheita obtida. Além disso, o trabalhador comprometia-se a efetuar trabalhos exteriores à plantação (por exemplo: participar nos trabalhos de beneficiamento, ensacamento e carregamento da produção). O preço da jornada de trabalho fora da plantação era fixado no momento do contrato. (SILVA, 1986, p.45).

"O sistema de colonato não era apenas um sistema misto de remuneração, mas era, também, um sistema misto de trabalho, combinando o trabalhador permanente e o trabalhador temporário." (TESSARI, 2011, p. 124). Assim, o regime de colonato, ao empregar famílias, permitia ao proprietário cafeeiro manter em sua fazenda um reservatório de mão de obra para ser empregado na época de pico de trabalho, contornando o problema de incerteza quanto à colheita.

Os governos do Império e da província tiveram papel importante no sistema de colonato, incentivando e subsidiando a vinda de imigrantes para a lavoura. Conforme Lamounier e Lanza (2014), o governo de São Paulo implantou políticas com o objetivo de financiar o pagamento da passagem, construir alojamento e alimentação gratuita, até que os imigrantes fossem destinados ao interior paulista.

O trabalho temporário tem como base o deslocamento de trabalhadores para as fazendas na época de pico de trabalho. Conforme Tessari (2011), esses trabalhadores eram assalariados e seus contratos poderiam ser semanais, quinzenais ou mensais. Eram contratados individualmente ou por meio de empreiteiros, diferenciando, assim, do colono, que era contratado com unidade familiar e residia na fazenda.

A pesquisa em jornais de Piracicaba e Itu mostrou que muitos fazendeiros faziam uso rotineiro dos trabalhadores sazonais residentes próximos à fazenda, uma vez que abundavam anúncios para contratação de serviços em suas propriedades. Esses anúncios propunham os mais variados tipos de ocupação e de ajuste de trabalho, como empreiteiros, camaradas, aradores e especialmente colhedores. (TESSARI, 2011, p. 131).

Para Tessari (2011), os trabalhadores assalariados eram procurados ao longo de todo o ano para realizar diversas ocupações e tarefas, de acordo com as exigências da produção cafeeira. Alguns desses trabalhadores realizavam tarefas mais permanentes, como transporte e trato de animais. Muitas vezes os fazendeiros não os contratavam diretamente, essa responsabilidade era repassada aos empreiteiros, realizando, assim, trabalhos por turma. Havia turmas que realizam tarefas não especializas como poda, estrumação dos arbustos de café, construção de estradas, entre outras, e turmas compostas por trabalhadores especializados, como pedreiros, carpinteiros e marceneiros.

Os apanhadores de café tinham uma característica diferente no seu contrato de trabalho. Segundo Tessari (2011) o contrato de apanhadores durava o período da colheita, assim os contratados não poderiam abandonar a fazenda antes do serviço concluído. O pagamento era realizado de acordo com a quantidade de café colhida pelos apanhadores, que comumente trabalhavam em turmas. A quantidade demandada desses trabalhadores depende da previsão em relação à colheita e do número de colonos nas fazendas.

O trabalhador temporário seja ele assalariado ou apanhador, quando combinado com o colono, era importante na fazenda para suprir a demanda por mão de obra na lavoura cafeeira, possibilitando contornar as indefinições climáticas.

 

3 CONCLUSÃO

 

A partir do artigo de Tessari (2011), assim como pela leitura de textos complementares, podemos afirmar que a economia cafeeira contribuiu para o avanço das novas formas de trabalho que existiram no Brasil após a abolição da escravidão.

A plantação, a manutenção e a colheita do café, dependem muito das condições climáticas, que influenciam a intensidade de contratação dos trabalhadores no campo rural de acordo com a demanda da produção agrícola, fazendo com que a mão de obra na agricultura dependesse destes fatores sazonais.

Como vimos, a plantação, a manutenção e a colheita do café dependem muito das condições climáticas. Esse caráter incerto da agricultura dificultava a contratação de mão de obra, pois a colheita variava muito de ano para ano. Desse modo, o regime de colonato possibilitou aos proprietários das fazendas garantirem uma reserva de mão de obra para serem utilizadas nos momentos de pico de trabalho.

Por garantirem contratos que permitiam ao imigrante melhores condições de trabalho, foi póssível atrair a mão de obra necessária para a expansão da economia cafeeira, possibilitando a formação de um mercado de trabalho no Brasil em um período de escassez de mão de obra. 

REFERÊNCIAS 

LAMOUNIER, Maria Lúcia; LANZA, André Luiz. Café, imigrantes e empresas no nordeste de São Paulo (ribeirão preto, 1890-1930). História Econômica & História de Empresas, São Paulo, v. 17, 2 (2014), p. 567-604.

GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flavio A. M. de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997. Capítulo 1, p. 19-20. 

SILVA, Sergio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. 7a ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. Capítulo 2 e 3. 

TESSARI, Cláudia Alessandra. Sazonalidade e trabalho temporário na empresa cafeeira (Oeste Paulista, 1890-1915). História Econômica & História de Empresas, São Paulo, HUCITEC/ABPHE, v.. XIV, 2 (2011), p. 105-143. 

TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: Sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.