SAUDADES DE UM TEMPO QUE NÃO TEM VOLTA...

(HOMENAGEM AOS MEUS AVÓS)

30/08/2018

Hoje acordei saudosa!

Chorei. Um choro gostoso, de criança que perdeu seu brinquedo favorito.

Saudades de um tempo que não tem volta...

Relembrando velhos tempos em que meus avós estavam tão presentes!

Hoje vivo com uma lembrança gostosa... apenas a avó paterna ainda nos contempla com sua beleza e seu cabelo branco, único! Entretanto, por ironia do destino, hoje já não enxerga mais, convive com o Parkinson e começa a oscilar seus momentos de lucidez. Os demais, são anjos que nos rodeiam e inspiram a viver.

Saudades de um tempo que não tem volta...

Lembrei-me do meu avô materno. Humildade e pureza são palavras que o descrevem. Seu jeitinho de preto-velho, chapéu de palha, enxada na mão, roupas e botas sujas da lavoura. Acordava na madrugada para ir trabalhar (gostava de chegar na fazenda antes mesmo do sol nascer). Inspiração! Trabalho duro sem reclamar. Lembro-me de vê-lo apontar na estrada, voltando depois de mais um dia árduo, sol à pino, mãos calejadas e ele na sua alegria singela, dando carinho aos bichos e aos netos que corriam ao seu encontro. Como esquecer daquele copo de alumínio cheio de amoras lindas que ele guardava só para mim quando sabia que iríamos visita-los (ele sabia o quanto eu amava). Ele gostava de mesa farta! Podia faltar-lhe o pão do dia seguinte, mas aqueles que o visitavam tinham que comer à vontade. Ele retirava tudo que tinha e oferecia com um bom cafezinho. Todos para ele eram bons... a maldade não fazia parte do seu ser. Deixou muitos exemplos. Quando lembro desse velho, me sinto infinitamente pequena.

Saudades de um tempo que não tem volta...

Lembrei-me do meu avô paterno. Quantas lembranças boas, lembranças de roça, sabe! Ele acordava cedo, comia seu pão molhado no leite quente e ia cuidar das criações. Tinha um galinheiro e algumas vaquinhas. Como era gostoso ficar na janela da “casinha velha”, ao lado do fogão à lenha, jogando milho para as galinhas e observando-o. Lembro-me do cheiro forte de curral, do barulhinho do leite batendo no fundo do balde quando ele ordenhava. O bezerrinho que os netos adoravam, com nome de “Estrela”. Era preta com uma estrela branca na testa! Recordo do barulho ensurdecedor da máquina de moer capim e da alegria que ficávamos quando ele dizia que tinha cana. Cana cortadinha, docinha, de roça. Recordo também da expectativa gostosa em vê-lo começar a preparar a sua velha máquina de moer para um delicioso e refrescante caldo-de-cana. Ele adorava colocar os netos no colo... balançava, contava histórias do seu tempo (muitas vezes repetitivas) e cantava cantigas enquanto nos dava carinho. E o amor dele com minha avó...os ciúmes que demonstrava pela sua companheira! Era encantador ver esse amor mesmo após décadas de convivência.

Saudades de um tempo que não tem volta...

Lembrei-me da minha avó materna. Figura caricata do interior. Sempre de lenço na cabeça, saia longa, grudada no seu fogãozinho à lenha, pele judiada pelo sol escaldante. Foi benzedeira, muito procurada na região principalmente para atender crianças. Muito devota, tinha diversos seus santos, terços e sempre montava seu presépio rigorosamente. Fazia questão das novenas e dos congados (que na infância me assustavam um pouco). Todas as noites sentava-se ao lado do fogão à lenha para fazer suas orações (já idosa, dormia mais do que rezava!). Era durona, cabeça dura mesmo. Foi às vezes rude na criação dos filhos, mas como julgar alguém que também deve ter sido calejada pela vida?! Doce no tacho, biscoitos na folha de bananeira, mesa sempre farta. Frango abatido na hora, angú (meu avô não comia sem angú, se não tinha, reclamava), verduras e legumes frescos, macarronada. Conservava carnes na lata e defumava no vapor do fogão à lenha, como manda o figurino. Quantas delícias!

Saudades de um tempo que não tem volta...

Lembrei-me de quando minha avó paterna esbanjava saúde. Sempre elegante, desejava voltar a morar na cidade grande. Era além do seu tempo! Unhas grandes, pintadas, muito vaidosa! Gostava das festas, foi cantora e dançava muito bem. Ao mesmo tempo era simples e também não deixava de lado os costumes do interior. Fazia doces maravilhosamente bem... ah, saudades daquele doce de leite durinho por fora, no ponto por dentro, cortado impecavelmente em losangos e guardados no pote mais bonito que tinha. Sabe aquele leite que meu avô ordenhava? Viravam queijos deliciosos nas mãos dessa avó! Combinação perfeita. Guardava as melhores mangas para mim (em especial a ubá, minha paixão!). E a carne de panela? Meu Deus... nunca comi algo parecido em lugar nenhum! Simples, temperada só com sal, feita no fogão à lenha, escurinha, única. Fora o mingau de maisena, de milho, os bolos... Dormir na casa dessa Vovó também era muito bom. Reuniam os primos, em quartos amplos, conversávamos até tarde da noite, podíamos fazer (quase) tudo, e ao acordar, o sol entrava por entre as cortinas simples, feitas de restos de tecidos e lençóis velhos (esqueci de mencionar: era uma ótima costureira também)!

Saudades de um tempo que não tem volta...

Hoje acordei saudosa... E me perguntei porque os avós não podem ser eternos? Como seria gostoso tê-los por perto e vivenciar tudo novamente com o amadurecimento da idade.

Hoje acordei saudosa... e desejei que meu filho também possa ter um dia lembranças como as que tenho. Que possa ser grato às pequenas coisas.

Hoje acordei saudosa, saudades de um tempo que não tem volta!!!