Eu admirava muito o Carlito. Com seus cinqüenta e poucos anos aquele homem acumulava uma grande experiência em projetos e se debruçava horas e horas na confecção de planilhas e orçamentos. Era um homem de poucas palavras por isso qualquer reunião em que ele estivesse presente era sempre uma oportunidade de aprendizado. Suas colocações sempre coerentes, entrecortadas por reflexivas pausas, eram respeitadas e remetiam-nos aos sábios monges orientais. Assim era o Carlito.

Certo dia, estávamos eu e ele na sala do Menelau, dono da empresa. Ao contrário de Carlito, seu Menelau, como nós o chamávamos, era falante, impulsivo, vaidoso de ter conseguido se tornar um bem sucedido empresário mesmo com poucos estudos. Apesar de rude, sua perspicácia o havia feito acumular muitos recursos.

Mas a empresa não ia bem, e naquela tarde, enquanto assinava vários documentos de rotina, seu Menelau criticava o governo, a alta carga tributária, a crise do petróleo, os Bancos, e tentava justificar o momento difícil que a empresa atravessava. Sentado ao meu lado, Carlito ouvia tudo em silêncio. Até que num dado momento, subitamente pergunta:

-Menelau, que santa é essa? Referia-se à pequena imagem sobre a mesa do empresário.

-É santa Edwiges.

-E o que ela faz? Insistiu Carlito.

-Ela é a protetora dos endividados, respondeu Menelau esforçando-se para demonstrar um semblante de devoção e religiosidade.

Carlito observa atentamente a imagem. Em seguida fita a montanha de duplicatas a pagar sobre a mesa do empresário e lembra-se das loucuras e decisões irresponsáveis de Menelau, razões que levaram a empresa a estar passando por sérias dificuldades.

Carlito retira seus óculos e com a barra da camisa lentamente limpa as grossas lentes. Põe novamente os óculos, suspira, e encarando Menelau declara:

-A fé é foda.

O olhar de peixe morto de Menelau denunciava a sua surpresa. Definitivamente a mesa do empresário não era o lugar mais adequado para a imagem daquela santa.  

A reunião estava terminada.

Grande Carlito.