Saneamento básico escolar: Reconhecimento dos Direitos Humanos da Rapariga

Carmen Isabel Mubai[1]

Resumo:

A proposta deste trabalho é discutir o saneamento básico escolar a luz das contribuições da teoria do reconhecimento desenvolvidas por Axel Honneth na dimensão do reconhecimento do direito. E, para o entendimento do saneamento básico escolar como um direito humano da rapariga em Moçambique, relacionamos a teoria com dados de alguns estudos realizados em Moçambique. Este trabalho fundamenta-se na metodologia qualitativa, com predomínio sobre a revisão bibliográfica e entrevistas exploratórias e esta estruturado em: contexto histórico de saneamento em Moçambique; saneamento como direito humano e relação do saneamento básico escolar como um direito e o reconhecimento na dimensão de direito em Honneth.

Palavras-chave: Saneamento Básico Escolar; Reconhecimento em Honneth; Direitos Humanos da Rapariga; Moçambique

Introdução

De acordo com a UNICEF (2016), as mulheres e raparigas são particularmente afectadas pelo acesso inadequado à água e saneamento. Além de ter um impacto prejudicial na sua saúde, o acesso inadequado à Água, Saneamento e Higiene pelas raparigas ameaça a sua segurança, bem-estar, educação, contribui para a perda de dignidade e para a ameaça de agressão sexual devido à inexistência de casas de banho, tanto em períodos de emergência como de estabilidade.

Dentre várias barreiras para a permanência da rapariga na escola, o saneamento básico tem se revelado como um destes factores. Deste modo, ele pode ser considerado como um “ instrumento para a concretização de diversos direitos fundamentais” (Ribeiro, 2015:239) porque a falta de saneamento básico pode ser considerada como uma das formas de injustiça social pelas condições sanitárias nas quais uma pessoa vive podem expandir ou privar suas liberdades. E o “saneamento básico constitui tanto uma privação em si mesmo como é criador de outras “ (Oliveira, 2014:4).

Este fenómeno não é exclusivamente moçambicano. De acordo com a ROSC (2002), mais da metade das escolas primárias em 60 países em desenvolvimento não têm instalações adequadas de água e dois terços não tem saneamento apropriado, é importante considerar igualmente outros factores determinantes como as normas sociais e o acesso a educação, que influenciam negativamente a expansão e o acesso. Mas no caso de Moçambique, apenas uma estimativa de 40% das escolas rurais têm instalações de Água Saneamento e Higiene (ASH) para alunos e professores (UNICEF, 2014). A este respeito, pensamos nós que criadas as condições de saneamento básico escolar, dá-lhes a possibilidade de escaparem de muitos males. Porque se a escola tem utilidade social é porque esta vem responder a uma necessidade social, e a rapariga paz parte da sociedade. Como revela o Manual dos Padrões e Indicadores de Qualidade para a Escola Primária (2014), um dos indicadores que garantem as condições mínimas no processo de ensino e aprendizagem, é o saneamento básico que consiste em:

Asseguradas as condições básicas de segurança, higiene e saneamento; existência de um jardim; existência de árvores de fruta e de sombra; disponibilidade de água potável; existência de fontanária, água canalizada, poços de água, tanques, cisternas; existência de sanitários e Kit de Primeiros Socorros e pessoal capacitado para aconselhamento em infecções de transmissão sexual, HIV/Sida e violência.

Neste prisma, no presente trabalho procuramos fazer uma leitura do saneamento básico escolar como um direito humano da rapariga a luz das contribuições da teoria de Axel Honneth na dimensão do reconhecimento como um direito.

 

  1. As dimensões do Saneamento Básico em Moçambique                                                                                                                                                                                                       

 

Moçambique um país vasto e com fraca infra-estrutura de transporte, quando o Programa Nacional de Saneamento de Baixo Custo (PNSBC) começou, tinha uma grande carência de profissionais qualificados. Os existentes estavam concentrados na cidade de Maputo, daí que o gabinete principal de gestão e tomada de decisões do PNSBC estivesse também aí localizado, contudo, o governo considerou o saneamento como uma prioridade e encorajou as pessoas a construírem as suas próprias latrinas. Este facto causou um rápido aumento da cobertura mas, na ausência de apoio técnico, a maior parte das pessoas construíram latrinas tradicionais sem condições de saneamento e que corriam o risco de colapso (Programa Nacional de Saneamento em Moçambique, 2002). Mas um outro estudo alerta sobre a falta de avanços no sector de saneamento do país, porque 10 milhões de moçambicanos ainda fazem suas necessidades a céu aberto. E que a maioria das pessoas sem casa de banho está nas zonas rurais, cerca de 9 milhões. (Rádio ONU 2015).

E a principal consequência é a de, as escolas como instituições cruciais para a sobrevivência e o desenvolvimento das crianças, são caracterizadas por níveis inadequados de abastecimento de água potável e saneamento. Apenas uma estimativa de 40% das escolas rurais têm instalações de Água Saneamento e Higiene (ASH) para alunos e professores (UNICEF, 2014).

 

O PARPA (2006) sobre o pilar do capital humano tem como um dos seus objectivos melhorar e aumentar o acesso à água potável e ao saneamento adequado e destaca a importância da existência de um serviço adequado de água e de saneamento nas escolas como um dos pré-requisitos para a educação das raparigas e consequentemente da melhoria da saúde da rapariga, como futuras mães; para o aumento de ingresso e retenção dos alunos/as.

 

 

  1.  Saneamento básico escolar e a teoria de reconhecimento em Honneth

 

 

Mulheres, homens, raparigas e rapazes de forma negativa ou positiva anseiam ser reconhecidas, porque não ser reconhecido implica uma não-existência. Com isso, “ a dependência do indivíduo do reconhecimento constituinte leva a uma espécie de trama trágica e insolúvel” (Jaeggi 2013:132). Por isso, a luta por reconhecimento é sempre também uma luta pelo reconhecimento adequado.

 

Honneth (2003), inspirando-se no conceito de reconhecimento de Hegel, que tinha o reconhecimento como necessidade apenas funcional que não abria espaço para a liberdade mas tendia a dominar, não distinguindo mecanismos sociais reificadores que não reconhecia o outro, Honneth propôs uma concepção normativa de eticidade a partir de diferentes dimensões de reconhecimento.

Segundo Salvadori (2011:189), Honneth salienta três formas três formas de reconhecimento que são as seguintes: “ o amor, o direito e a solidariedade.

Reconhecimento na esfera do amor, que seria a primeira dimensão do reconhecimento, é aquele sentimento de afecto que a criança desenvolve na infância, assim, é papel dos pais o auxilio para com seus filhos no desenvolvimento da autoconfiança, após esta fase inicial da infância, o afecto mútuo aparece através do casamento (Cristianetti,2015:8) correspondendo portanto a auto formação dos indivíduos em sociedade, para a participação autónoma na vida pública mas, a falta de saneamento básico nas escolas que afecta as raparigas e os rapazes mas principalmente as raparigas colocando em causa a integridade física e psíquica, revelam o não reconhecimento da dignidade humana e logo a degradação desta porque expõem as raparigas ao assédio e ao abuso sexual.

O reconhecimento na dimensão do direito, vê todos indivíduos como seres iguais perante a sociedade. Esta se apresenta numa dimensão universalizante, inclusória. Nesta, viver sem direitos individuais significa para o membro individual da sociedade não possuir chance alguma de constituir um auto-respeito visto que possuir direitos individuais significa poder colocar pretensões aceitas, porque eles dotam o sujeito individual com a possibilidade de urna actividade legítima, com base na qual ele pode constatar que goza do respeito de todos os demais. Logo, a “ negação dos direitos tem como remédio o reconhecimento destes mesmos direitos a todos os cidadãos “(Schulz, 2010:14). Porque são a chave para a solução do problema que é colocada ao individuo.

 

E quanto ao reconhecimento na dimensão da solidariedade remete à aceitação recíproca das qualidades individuais, julgadas a partir dos valores existentes na comunidade. Por meio dessa esfera, gera-se a auto estima, ou seja, uma confiança nas realizações pessoais e na posse de capacidades reconhecidas pelos membros da comunidade. A negação do reconhecimento do direito ao saneamento básico escolar como um direito humano da rapariga, abrem espaço para a negação desta desenvolver as suas habilidades individuais porque lhe foi negada a escolarização. A solidariedade fornece o sentido gregário é um instrumento de sobrevivência e de desenvolvimento da humanidade vista como um todo.

 

 

  1. Relação do saneamento básico escolar como um direito humano e o reconhecimento na dimensão de direito em Honnet

 

A Resolução nº 64/292, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, revela o saneamento básico como um direito jurídico internacional, direito humano das raparigas, que é violado na maior parte pelas escolas primárias e secundárias em Moçambique quando lhes é negado a permanência na escola quando não melhoram o bem-estar sanitário das raparigas. Condições necessárias para tornar possível a liberdade das raparigas quando esta se torna autónoma, porque a escola é quem oferece os ingredientes necessários para que a rapariga combata o desemprego, a exclusão social, casamentos prematuros, assédio sexual.

Em Moçambique 80% das escolas primárias não tem latrinas nem lavatórios e dados de 30 países africanos indicam que as raparigas quando menstruadas, recusam-se a ir a uma escola que não tenha uma latrina só para elas (Maia, 2008 apud Bagdol et all, 2015). A falta de acesso à água e saneamento seguro infringe também os direitos da criança à educação e protecção. Os mais de dois terços das escolas primárias  quenão têm instalações de água e de saneamento, uma situação que afecta de forma negativa a presença, em particular das raparigas. (ROSC, 2014)

 

Na escola a rapariga tem a possibilidade de desenvolve capacidades, que passam a mediar sua relação com outros sujeitos. Desenvolve também mediações, tais como a consciência, a linguagem, o intercâmbio, o conhecimento, mediações estas em nível da reprodução do ser social.

Quando a escola reconhece e protege os direitos humanos e legais da rapariga ao de saneamento básico, a escola estará a promover melhores condições de bem estar sanitários dro das escolas que trará um “impacto na redução do abandono escolar, aumento da taxa de assiduidade e consequentemente o progresso académico” Bagdol et all (2015) um “factor decisivo para a erradicação da pobreza. Um marco importante para que ao longo do processo do desenvolvimento económico e social do país se focalize na maior equidade no acesso aos recursos, na participação económica e no acesso aos benefícios do desenvolvimento e na participação nos órgãos de tomada de decisão.

O não reconhecimento deste direito viola o art. 3º do seu nº 1 e 2 do Protocolo à carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, relativo ao Direito das Mulheres, força a rapariga a abandonar a escola que era suposto ser um “ fonte de emancipação para o rendimento próprio, o trabalho fora de casa, os seus direitos, a sua literacia, e a participação instruída nas decisões familiares” Sen (2010:50), retira a individualidade e a possibilidade de serem sujeitos participantes nos processos políticos, económicos, porque a violação deste direito automaticamente viola todos os outros direitos das raparigas que asseguram que ela seja um sujeito. Diante desta situação podemos perceber que estamos diante da negação dos direitos humanos da rapariga, porque lhe são negados os direitos mais básicos que desencadeiam a negação de muitos outros direitos gerando a exclusão social.

Se a escola tem utilidade social é porque esta vem responder a uma necessidade social, e a rapariga paz parte da sociedade.

 

Considerações finais

 

Depois de várias leituras relacionadas a rapariga na escola, tem que as raparigas irão ainda precisar percorrer um logo caminho até que os seus direitos mais básicos sejam reconhecidos para que esta possa ter sucesso escolar visto que a falta de saneamento básico escolar tem um impacto directo no abandono escolar da rapariga, e consequentemente no aproveitamento escolar das mesmas.

A falta de saneamento básico é uma das formas de injustiça social, por isso, a negação de reconhecimento deste direito abre espaço para a negação de muitos outros direitos.

Deste modo o saneamento básico escolar é de grande importância como um direito fundamental que possibilita o reconhecimento de muitos outros direitos bloqueados pela negação do saneamento básico escolar. Pois, se um dos entraves para que a rapariga permaneça e obtenha bons resultados na escola tem haver com as condições básicas sanitárias, o remédio é o reconhecimento destes mesmos direitos.

 

Referências Bibliograficas

 

  1. AXEL, Honnet. Luta por Reconhecimento:a gramatica moral dos conflitos sociais. São Paulo, 2003
  2. CANÁRIO, Rui; Alves, Natália e ROLO, Clara. Escola e exclusão social: para uma análise crítica da política Teip, Lisboa, 2001 EDUCA-Organizações http://repositorio.ul.pt/handle/10451/5763 acessado no dia 19 de Julho de 2017
  3. JAEGGI, Rahel. Reconhecimento e subjugação: da relação entre teorias positivas e negativas da intersubjectividade, Porto Alegre, 2013
  4. RIBEIRO, Wladimir Antonio. O saneamento básico como um direito social. Belo Horizonte, n. 52, 2015. p. 229-251
  5. SCHULZ, Rosangela. As contribuições da Teoria do Reconhecimento no entendimento das lutas sociais de mulheres em condições de extrema pobreza. 2010 www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/download/8207/7163 acessado no dia 21 de Julho de 2017
  6. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, 2010  https://www.fep.up.pt/docentes/joao/material/desenv_liberdade.pdf acessado no dia 19 de Julho de 2017
  7. ROSC. O Direito a Água e ao Saneamento como um Pilar Chave para o Desenvolvimento Humano. 2014 http://www.rosc.org.mz/index.php/component/docman/doc_view/232-policy-brief-agua-e-saneamento- acessado no dia 19 de Julho de 2017
  8. Noticias e Mídia, Rádio ONU Relatório indica que falta de avanços no saneamento em Moçambique http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2015/07/relatorio-indica-que-falta-de-avancos-no-saneamento-em-mocambique/
  9. Noticias e Mídia, Rádio ONU África Subsaariana não atingiu meta sobre acesso à água potável http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2015/07/relatorio-indica-que-falta-de-avancos-no-saneamento-em-mocambique/
  10. PROGRAMA NACIONAL DE SANEAMENTO EM MOÇAMBIQUE: PIONEIROS NO SANEAMENTO SUBURBANO. 2002
  11. Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta. Maputo (2006-2009)
  12. UNICEF-Moçambique. Situação da água, saneamento e higiene em Moçambique. 2016
  13. MANUAL DOS PADRÕES E INDICADORES DE QUALIDADE PARA A ESCOLA PRIMÁRIA. Maputo, 2014

 

[1] Mestranda em Sociologia do Desenvolvimento 2017