Saindo do coma

Ele já completara três anos de coma. Fora vítima de uma violenta batida na cabeça, fruto de um atropelamento, num momento de grande descuido. Mas, nesse dia, ele estava com sorte. Finalmente, depois de tanto tempo, ele resolveu voltar ao mundo atual. Depois de três anos e muito tratamento hospitalar, ele voltava a ver a luz do dia.

Com a voz fraca e a vista estranhando tanta luz, a primeira coisa que percebe é uma mulher à sua frente, entregue a um largo sorriso e um tão musical “bom dia”.

― Mas... Onde estou? E quem é você?

― Eu sou sua esposa. E você está no hospital em que ficou de coma. Mas, agora, graças a Deus, você acordou e está de volta.

― Mas... Explique-me. O que aconteceu comigo? Por que estou aqui?

― Você sofreu um terrível acidente. Mas não se preocupe. Já houve o julgamento e o responsável por esse sofrimento está preso. O mais importante é que você voltou a falar comigo.

― Mas eu não consigo me lembrar de quem eu sou.

― Ora, você se chama Nélson e é uma pessoa maravilhosa. Todos amam você.

― Todos... Quem?

― Todos, ora. Seus amigos, seus familiares, seus colegas de trabalho...

― Onde eu trabalho?

― Em uma grande firma, líder no mercado. Empresa moderna, com ISO 14000, missão social, prêmio nacional e tudo.

― E como eu sou no trabalho?

― Maravilhoso. Você é o funcionário que mais se destaca. Todos gostam de você. O seu patrão não cansa de elogiá-lo. Funcionário padrão.

― E o que eu faço lá?

― Você tem cargo fixo. Mas a verdade é que você não se prende a umas poucas tarefas. Com sua criatividade e força de vontade, você vive ajudando os colegas em suas tarefas. Você e muito versátil. Aprende novas tarefas rapidamente. É uma formiguinha. Mas, por isso mesmo, você ganha um bom salário, merecidamente.

― E onde moro? E os nossos vizinhos?

― Eles são ótimos. Estão com saudade de você. Eles são muito prestativos e não se conformam de vê-lo tanto tempo ausente.

― E minha família? Quem é?

― Bem, eu sou sua esposa como disse. Além disso, temos dois filhos. Um lindo casal.

― E como eles são?

― Ah, você nem imagina. São lindos como você. São saudáveis, estudiosos e muito obedientes. Eles são o orgulho da família.

― E o que eu faço para me divertir?

― Joga bola com os amigos, é claro! Você é o melhor jogador disparado! Seus amigos brigam para tê-lo em seus times e até chegam a apostar quantos gols você fará a cada jogo. Você é o capitão do time. Todos o respeitam.

― E o que mais faço?

― Ah, você também gosta de outros esportes. É bom em vôlei e basquete, em que é especialista em cestas de três pontos. Joga tênis de mesa como ninguém e ainda se destaca em xadrez vencendo alguns torneios de vez em quando.

― Impressionante. Que mais eu sei fazer?

― Cantar e tocar instrumentos, querido. Toca diversos instrumentos, de pandeiro a sax. Quando canta é afinadíssimo. Você já teve uma banda quando mais jovem. Você era o vocalista e o compositor. Gravaram alguns CD’s e até se apresentaram na TV.

― E o que mais sei fazer?

― Dançar, é claro. É um tremendo pé-de-valsa. Dança de samba a tango. Sapateia que é uma beleza.

― E o que mais eu faço?

― Nas horas vagas, você curte pintar natureza morta, além de paisagens urbanas. Também é comum vê-lo desenhando, pois você é bom nisso desde criança. Já fez até as caricaturas do Michael Jackson. Antes e depois das plásticas.

― Qual foi momento mais triste de minha vida, além deste?

― Bem, querido, você nunca me contou nada que o tenha feito sofrer em sua vida.

― Jura? Nenhuma desilusão amorosa? Um desemprego momentâneo? Uma decepção?

― Nada, amor. Você sempre foi um homem feliz. E agora, voltaremos a curtir nossas vidas, pois você voltou. Seremos uma família feliz como sempre.

― Que bom. Agora, você pode me dar uma licencinha, que eu quero falar a sós com o doutor? Ele está aí, não é?

― Claro, meu amor. Eu o chamo pra você.

Chegando o doutor, ele pergunta:

― Doutor, qual é o meu nome completo?

― Bem, no seu prontuário diz que você se chama Ovalino Diocrécio da Silva Pestana, que é o nome que consta na sua identidade, encontrada em sua carteira.

― Então, por favor, dê um jeito de se livrar dessa maluca aí fora porque ela pensa que sou seu marido!