SABERES DOCENTES NA CONTEMPORANEIDADE

                                       Ludmilla Paniago Nogueira 

                                      Neide Figueiredo de Souza

Compreendemos que é no decorrer da carreira docente que se adquirem as experiências necessárias para o desenvolvimento e a qualificação do trabalho pedagógico. No entanto, conforme expõe Galvão (2002), nem sempre os conhecimentos adquiridos na formação são utilizados na prática pedagógica. Os conhecimentos, os conteúdos e as informações obtidas na graduação não condizem com o exercício da docência no contexto da atuação profissional. De acordo com Lacerda (2011, p. 01),

 

Nos dias atuais a educação passa por profundas transformações, tendo em vista as mudanças constantes que vêm ocorrendo no mundo. As novas tecnologias evoluem num ritmo cada vez mais acelerado, e o mundo científico também avança constantemente, com novas descobertas e estudos, apontando diferentes competências para atuar na sociedade e no campo educacional. [...] os novos desafios vêm, instigando os profissionais da educação a buscarem novo saberes, conhecimentos, metodologias e estratégias de ensino. As mudanças no contexto escolar e social requerem profissionais atualizados e competentes, que estejam preparados para atuar com diferentes problemas.

 

Thuller (2001, p. 01) ao problematizar as competências dos/as professores/as aponta dois grandes desafios: “[...] reinventar sua escola como local de trabalho e reinventar a si mesmos como pessoas e membros de uma profissão, questionando suas práticas pedagógicas e a organização do trabalho dentro da instituição”. A autora chama a atenção para a importância do desenvolvimento de uma nova identidade. Uma identidade que é fundada num conjunto de posturas e competências profissionais sintonizadas com os tempos contemporâneos.

É possível afirmar que os saberes anteriores e posteriores a prática pedagógica, vinculados à identidade profissional do/a professor/a, contribuem para reconstruir os conhecimentos docentes à contemporaneidade. Trata-se de construir e reconstruir os saberes docentes em face às constantes mudanças ocorridas na sociedade, o requere do/a professor/a sintonia com o mundo em transformação.

Acerca da identidade profissional do docente e sua relação com a construção e reconstrução de saberes docentes, Lira (2016, p. 42) destaca que,

 

Por conta das mudanças rápidas e constantes do ser humano, a partir da globalização e da rapidez da informação, a identidade profissional do professor encontra-se em constante transformação, pois se constrói a partir de uma ressignificação social da profissão e das várias revisões das tradições. Cada professor, na sua realidade docente, também se constrói enquanto ator e autor de sua atividade cotidiana: na sua maneira de postar-se diante do mundo, da história como um todo; em suas representações; em seus saberes; em suas esperanças e alegrias; em suas angústias e anseios e no sentido que atribui a sua própria vida, como profissional da educação. Por isso mesmo deverá estar sempre se perguntando sobre os motivos que o levaram a ser professor, e se realmente vale a pena lançar-se nesse mar de incógnitas e de incertezas que é o futuro da educação no mundo e, sobretudo, no Brasil.

 

Os desafios sugeridos por Lira requerem que o/a professor/a se mostre como um sujeito que busca atualizar-se profissionalmente, não só nas suas necessidades de saberes, mas, principalmente, na realidade em transformação. Até porque, na concepção do autor, a escola é o espaço de atuação profissional e requer que o/a professor/a, com suas práticas pedagógicas, conduza seus/suas alunos/as a dialogar com outras culturas, com outras concepções de mundo, com novos contextos sociais. Significa que o/a professor/a pode criar condições que favoreçam a aprendizagem do/a aluno/a nesses novos contextos.

Thurler (2001) afirma que é necessário, por parte dos próprios/as professores/as, a construção de competências indispensáveis para orientar a progressão dos/as alunos/as. Thurler (2001, p. 19-21) elenca seis competências fundamentais para a construção da identidade docente na contemporaneidade:

1. Cooperar dentro de uma equipe, reinventar as práticas pedagógicas e a organização do trabalho dentro de sua escola, questionando constantemente métodos e procedimentos impostos por autoridades e formadores;

2. Traduzir os objetivos de final de período/série/ciclo em dispositivos de aprendizagem. Aqui, escola como um todo - gestores/as, professores/as, funcionários/as, estudantes e comunidade escolar - devem ter uma visão comum dos objetivos, e a partir deles, decidir as condutas didáticas e as ferramentas pedagógicas empregadas, de forma a permitir que alunos/as atinjam os objetivos visados;

3. Observar e gerir a progressão dos/das alunos/as, isto é, manter o equilíbrio necessário entre abordagens coletivas e condutas individualizadas;

4. Desenvolver uma organização de trabalho ágil e flexível. Cabe aos/às professores/as e equipe gestora conceber, fazer evoluir e combinar entre si uma gama de funcionamentos e de modalidades organizacionais mais ágeis e flexíveis, em função das necessidades e dos ritmos mais diversos de seus/suas alunos/as;

5. Dosar os desafios em função das competências. Manter o equilíbrio entre as aspirações e o sentimento de domínio;

6. Envolver-se em uma exploração cooperativa.

As competências para o exercício da docência na contemporaneidade ganham espaços em muitos estudos e documentos que norteiam a educação brasileira, como a BNCC (2017, p. 09), que define competência como a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”.

Perrenoud (1999, p. 07), define competência como “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. Para Perrenoud (1999, p. 10):

 

A construção de competências, pois, é inseparável da formação de esquemas de mobilização dos conhecimentos com discernimento, em tempo real, ao serviço de uma ação eficaz. Ora, os esquemas de mobilização de diversos recursos cognitivos em uma situação de ação complexa desenvolvem-se e estabilizam-se ao sabor da prática. No ser humano, com efeito, os esquemas não podem ser programados por uma intervenção externa. Não existe, a não ser nas novelas de ficção cientifica, nenhum “transplante de esquemas”. O sujeito não pode tão pouco construí-los por simples interiorização de um conhecimento procedimental. Os esquemas constroem-se ao sabor de um treinamento, experiências renovadas, ao mesmo tempo redundantes e estruturantes, treinamento esse tanto mais eficaz quando associado a uma postura reflexiva.

 

Segundo Perrenoud (1999), outras competências essenciais são ao/a docente do século XXI, e estas devem ser discutidas durante a formação continuada de professores. O autor as denomina de dez competências para ensinar: organizar e animar as situações de aprendizagem; saber gerir o progresso das aprendizagens; conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; evolver os alunos nas suas aprendizagens e em seu trabalho; trabalhar em equipe (está na BNCC); participar da gestão da escola; saber se comunicar com os pais de modo a informá-los e a engajá-los na construção do saber; servir-se de novas tecnologias (ainda mais agora com a pandemia); capacidade de enfrentar os deveres e dilemas éticos de sua profissão; saber gerir sua própria formação continuada e ser um agente desse sistema de desenvolvimento

REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

LACERDA, Caroline Côrtes.  Problemas de aprendizagem no contexto escolar: dúvidas ou desafios? 2011. Portal da Psicopedagogia.  Disponível em: Acesso em: 23 out. 2020.

PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos sociais em mudança: prática reflexiva e participação crítica. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 12, p. 5-21, set./dez. 1999.

THURLER, Mônica Gather. Quais as competências para operar em ciclos de aprendizagem plurianuais?. Revista Pedagógica, ANO V, n. 17, Maio/jul. 2001, p. 17-21.