Sabedoria ortodoxia e verdade num mundo cada vez mais pragmático.

Por Maciel Fillvoch | 25/08/2020 | Religião

A construção interminável da sociedade através de seus múltiplos agentes inseridos faz com que instrumentos se tornem transformáveis, como a sociedade o é. Nesse sentido o ortodoxo que tem o intuito de funcionar como baliza que aponta a direção reguladora, para um fim ideologicamente proposto, perde seu papel de detentor de verdade. A verdade ou o objetivo saem de cena visto que o imediatismo requer respostas à experiência presente, que pragmaticamente quer a sensação do propósito e satisfação. Manter a teologia dentro do seu parâmetro como a verdade que não muda e da revelação de um Deus imutável é um desafio, haja vista que o pragmatismo presente nas outras relações, se transfere para relação do cristão para com Deus e o seu próximo, como irmão na fé. Nesse sentido o culto cristão sofre influências, se amoldando a tendências da inquietude apressada, onde tudo precisa ser minunciosamente delimitado para a funcionalidade imediata. Essa forma distorcida de se sentir o tempo influência na expressão dos dois grandes mandamentos. Como amar a Deus autor da minha existência, se o tempo eterno e divino que usufruo é deturpado pela experiência imediatista que novamente se recicla? Como meditar contemplativamente se a meditação que por si mesma busca intensamente o além do que se vê, é regulado ou amoldado dentro um contexto de efervescências súbitas? O meditar por si só busca a fonte donde provêm e esta a existência plena perfeita e eterna, e à medida que se avança nessa direção, mais essa percepção onde esta a paz,  envolve, absorvendo e querendo me fazer parte dela. Não é o contrario que deve ocorrer. Quando alteramos o foco da verdade como essência eterna e perfeita, retiramos dela seu papel como mantenedora das ações, comportamentos e da vida social em si. O grande erro do materialismo histórico é reduzir as relações sociais a meras relações de adaptabilidade da matéria. É a adaptação pragmática sem a essência donde esta o amor e propósito duradouros. Quando a Bíblia fala do esfriamento do amor esta abarcada esse reducionismo que utiliza e interpreta o ser humano como mero elemento material que explora e é explorado, na concepção desta ideologia. O amor é muito mais que um dizer com intuito finito. Ele é eterno e carrega consigo a essência do propósito do além do que se vê. Na mesma carta que Paulo fala que o amor jamais passa ele diz que se a esperança do cristão se limita apenas a essa vida ele é o mais infeliz dentre os homens. A ressureição de Cristo é a expressão concreta desse amor que adentrou nossa realidade embriagada pela ansiedade fútil e não preenchida. Essa ressureição de Jesus precisa ser abraçada pela fé e como experiência também nossa, deveria trazer a eternidade para o nosso hoje de modo houvesse uma ruptura clara e cristalina. É interessante que ainda nessa carta, o versículo: se alguém esta em Cristo nova criatura é, as coisas velhas se passaram eis que tudo se fez novo, conclui o raciocínio que expus acima. Pelo fato de que a apropriação pela fé do sacrifício e tudo o que a ele concerne, traz a novidade proporcional ao entendimento que experimentamos.  Não apena nessa carta, mas também aos Romanos ele diz: se fomos plantados com ele na semelhança da sua morte o seremos na sua ressureição. Qual ressureição? A futura no dia do juízo final? A ressureição de Cristo é um fato consumado e é dessa que ele faz referencia. Embora continuemos no mundo não pertencendo ao mundo, adentramos numa realidade eterna. Seguindo essa linha de raciocínio chegamos à Colossenses, onde Paulo afirma que em Cristo estamos assentados nas regiões celestiais e que devemos buscar a coisas onde Cristo esta assentado. Então, é a eternidade que deve nortear o propósito e direção.

                Embora o transcendente seja tratado pejorativamente pelo secularismo como abstrato ou um metafisico ideológico, proposto por Hegel e criticado por Marx, onde ele é invertido na dialética, onde a razão pura é substituída pela matéria em metamorfose, se faz da matéria e não o espirito, para onde tudo converge. Em razão disso, o invisível é substituído pelo que se vê, e ao contrario disso, a Palavra afirma que os cristãos andam por fé e não por vistas. Quando se afirma que o comunismo é incompatível com o cristianismo, não se dizendo a priori, sobre a agenda esquerda, sobre aborto, sobre homossexualismo, legalização das drogas, etc. Apenas se faz referencia a raiz donde provêm certezas, formas de se ver o mundo. Então, é incompatível um cristão sincero ver a realidade tendo como fundamento o visível. Por mais que o discurso neocomunista seja de justiça social, o meio, o método utilizado para esse fim é com as armas do materialismo na sua essência. Por mais que as criticas sobre o cristianismo sejam acidas por não conseguir resolver tais questões, aqueles que propõem resolvê-los com seus métodos, fazem pior do que aqueles que são alvos da sua critica. Um defensor de ideologia que tem como fundamento o materialismo e o evolucionismo, onde a evolução das espécies determina que o mais apto e forte permaneça, o que seria ser mais apto e forte? O que seria considerado justo ético moral, nas armas utilizadas pra se tornar apto, forte?

                Uma critica feito ao cristianismo é que como agente metafisico ele é subjetivo, retirando o aspecto empírico e pessoal no processo revolucionário, retirando a responsabilidade individual e livre, e colocando a nas mãos de um Deus determinista. As desigualdades e injustiças são vistas como consequência de uma permissividade atribuída ao espirito cristão da tolerância. Que visa apenas preocupação quanto ao futuro pós-morte. A esperança e o conforto do amanhã retiram o interesse pelo agora, tendo como pressuposto a soberania de um Deus que tem tudo sob seu controle. Uma soberania divina que gera a inércia que é um empecilho ao espirito revolucionário.  Embora a esperança cristã se direcione ao eterno, a Bíblia não incentiva a apatia ou o desinteresse do cristão pelas questões sociais e pessoais. No entanto, o mesmo Jesus que desconsiderou estruturas religiosas vigentes da  sua época, creio eu, não utilizara estruturas religiosas para que a sua vontade seja feita. O relacionamento pessoal é direto e objetivo com Cristo. Uma estrutura não pode ser o meio, o elo, entre o cristão e objeto da sua adoração. Quando isso acontece, a estrutura que personifica a religião descaracterizara aquilo que deveria ser o verdadeiro cristianismo, onde as criticas recaem sobre o cristianismo, como se aquela estrutura com suas práticas fosse o cristianismo. O cristianismo como religião a principio é uma relação pessoal que se direciona para o próximo. A vida do cristianismo não esta numa instituição, ela esta individualmente dentro de cada cristão, é a expressão em conjunto, com intuito de expressar o comum de forma livre e espontânea. Essa forma livre e espontânea de expressão não busca meios de poder e domínio temporal. Maior é aquele que serve. Mais bem aventurado é aquele que dá do que aquele que recebe. É uma essência paradoxal a um sistema humano. Quando a ênfase se dá em demasia a estrutura, ela se confunde com o objeto, que na teoria é o fim do seu papel como meio.

                A sabedoria cristã procede do alto, do Pai das luzes em quem não há sombra ou variação de mudança. Por mais que se alegue ser a verdade cristã abstrata, e sua magnitude e plenitude serem compressíveis limitadamente pelo observador, é o que torna a verdade democrática, onde possiblidades de questionamentos frutos da subjetividade convivem. Subjetividade que palpa o imensurável em busca do todo. O transcendente por mais que tenha na opinião de alguns o aspecto abstrato, é justamente esse que permite a democracia e tolerância. A natureza da liberdade cristã consiste na busca de um transcendente que atrai numa convergência livre não padronizada. Ela atrai na mesma essência e transforma pela possibilidade de uma contemplação nunca final.