Os graves problemas que hoje em dia afetam a sociedade são de conhecimento geral e já fazem parte do folclore cotidiano, mas o motivo que me leva a escrever esse comunicado talvez seja uma novidade.

Durante muito tempo houve uma separação na sociedade em duas classes distinta: uma, favorecida, com acesso à educação, à saúde e a outros bens sociais, a outra, pobre e mal educada, inundada em fome, miséria, doenças, delitos, drogas, etc. A classe mais evoluída tinha vida própria, sem um envolvimento profundo com a outra, justamente evitando que os males dessa contaminassem sua vida.

Essa atitude, conseqüência de uma concepção errada, foi talvez a maior causa da expansão dos males para toda a sociedade, de forma que hoje ninguém mais tem sossego. Todos, em qualquer lugar e em qualquer momento estão sujeitos aos problemas que outrora eram só das camadas carentes: Dengue, aids, assalto, arrastão, estupro, assassinato, seqüestro, chacina. etc.

Na verdade, a sociedade é como um organismo vivo, onde não existe separação entre órgãos doentes e sadios. Quando existe uma doença em alguma parte do corpo, as células, em conjunto, unem-se para acabar com a doença e restabelecer a saúde. O mesmo deveria ocorrer na sociedade. Para garantir a ordem e o progresso, as pessoas de boa condição, detentoras de conhecimento e educação, deveriam ser os agentes de recuperação e reabilitação das partes doentes da sociedade. Caso contrário os males da sociedade haveriam de avançar em todas as partes, assim como uma infecção generalizada.

Longe de haver uma integração entre todas as camadas sociais − trabalhadores, desempregados, ricos, pobres, sociedade civil e poder público − para combater a crise, assim como fariam as células de um organismo doente, as pessoas partiram para se desculpar e considerar as autoridades e os governos culpados por tudo o que está errado. É como se dizer, por exemplo, se a cidade está suja, que a culpa é da prefeitura e não daqueles que jogaram o lixo. Uma faixa mais esclarecida apontou os corruptos como responsáveis pela miséria que domina o país, esquecendo que os corruptos também pertencem à parte doente do corpo da sociedade, que deveria ser eliminada através de uma defesa conjunta de todos os seus membros.

Ao mesmo tempo, existem pessoas e instituições que se dedicam aos trabalhos sociais e à caridade. Esses atos, por mais meritórios que sejam, não apresentam resultados práticos na escala dos problemas. Tais esforços servem, apenas, para uma situação emergencial, em espaços limitados e tempos curtos, e não podem substituir as ações que eliminem as raízes dos problemas. Por exemplo, para solucionar o problema da seca é necessária perfuração de poços e construção de barragens, entre outras medidas, e não simplesmente levar água em carros pipa para os flagelados.

É necessário sem que ninguém espere por ninguém, que cada um, de acordo com sua especialidade e poder aquisitivo, crie os meios para capacitar e reabilitar os indivíduos incapazes e necessitados para que eles mesmos possam assumir os próprios afazeres. Por exemplo, adotar uma família marginalizada para dar-lhe assistência constante, prover suas necessidades básicas, acompanhar a educação dos filhos orientá-la sobre os princípios básicos de higiene, saúde e alimentação e ensinar algum oficio. Assim, gradualmente, capacitar essa família a se integrar à sociedade. A classe média e alta tem toda a potencialidade para realizar essa obra, a mais grandiosa entre todas as outras. A energia deve sair da crença em uma família humana única eos recursos, de uma revisão de todos os nossos hábitos.

O consumismo, por exemplo, é um dos males da sociedade materialista, assimilada pela maioria das pessoas. O dinheiro desperdiçado numa festinha de aniversário ou cervejas nas rodas de amigos são recursos que podem ser gastos de forma mais inteligente, transformando­-se em alimento na mesa de centenas de famílias ou em roupa e material escolar para crianças que não freqüentam escola devido à falta dos mesmos. Exemplos parecidos se repetem todos os dias − ­gastos com alimentos fantasiosos que custam caro e não têm valor nutritivo; acúmulo de objetos, equipamentos e utilitários, a maioria inútil ou desnecessária, adquiridos com impulsos de consumismo; dispêndio com as festas como Carnaval e São João e suas respectivas fantasias, etc.

O descaso da classe favorecida na utilização dos bens e serviços de uso geral é outro agravante da miséria dos desfavorecidos. Quem paga as mordomias das empresas, tanto privadas quanto públicas, as viagens e os gastos exagerados dos seus diretores e funcionários, bem como as despesas de decorações luxuosas dos escritórios, aparentemente são as próprias empresas. Mas, na verdade, essas despesas são repassadas para o custo final do produto ou serviço que elas oferecem à sociedade, com isso aumentando o custo de vida. Por outras palavras, o custo do desperdício é rateado entre todos, tornando a vida cada vez mais insuportável para quem menos ganha. Outros exemplos desse comportamento: as regalias incalculáveis das autoridades; as obras desnecessárias dos governos, gastos exorbitantes das campanhas eleitorais, financiados pelos empresários; as altíssimas despesas das corridas de carro, etc. Tais recursos se fossem redirecionados para as necessidades básicas − saúde, educação e habitação − do povo, minimizariam muitos sofrimentos.

Como vimos, acabar com a miséria deve partir de uma ação coletiva, em que todos têm algo a assumir, seja na vida individual ou na atividade profissional que cada um exerce. O primeiro passo é uma mudança de postura − procurar a parcela de solução que se encontra a nosso alcance e em seguida colocar-na em ação a favor do bem estar da coletividade. A iniciativa dessa ação não depende apenas de dinheiro; é preciso ter a firme convicção de que "todos os seres humanos foram criados para levar avante uma civilização em constante evolução".* e que "as virtudes dignas da condição humana são a honestidade, a indulgência, a misericórdia, a compaixão, a bondade e o amor para com todos os povos".*

Certamente Deus abençoará essas atitudes e, ainda mais, iluminará o caminho para a construção de uma família humana unida, em que todos se dediquem ao bem estar dos outros.

"Ó povo! Não vos ocupeis com vossos próprios interesses; que vossos pensamentos se fixem naquilo que possa reabilitar o destino da humanidade*." Bahá'u'lláh

*Escrituras Bahá'ís