RUMO À CIDADE GRANDE

Saí de casa, em busca dos sonhos que não sonhei, deixando para trás parte de minha vida, em que eu me contentava com o quase nada que possuía. Eu era feliz com o que tinha e não desejava mais nada e não desejando, nada me faltava.
O sonhar acordada e o planejar o amanhã não faziam parte de minha vida. Era sempre um dia atrás do outro. Tudo sempre igual. A mesmice de sempre que eu não percebia. Afinal, todas as pessoas que faziam parte de minha vida viviam assim...
Conversas na porta de casa até certa hora da noite. Diz que diz. Falar da vida alheia. Maria que fugiu com o marido da Joana... Receitas de doce ou salgado. Brincadeiras na rua. Roupa para passar, roupa para lavar. Crianças nascendo, gente morrendo. E assim o tempo passava como em qualquer lugar.
Um dia, apareceu alguém na cidade, que conversou muito comigo e mostrou que havia um mundo melhor e que eu não conhecia. Falou, falou, falou e convincente que era, eu o ouvi e dei o passo decisivo rumo à cidade grande. Esse alguém me ensinou que a vida era feita de sonhos e realidades e que eu podia sonhar e tornar meu sonho real.
Saí na calada da noite sem dizer adeus a ninguém. A noite encobre o que o outro imagina estar errado, embora seja o certo para quem o faz. Esse meu agir provocou em mim reações adversas, mas eu queria continuar a viver minha vida longe dali. Minha família e as amizades ficaram para trás. Certo ou errado, eu escolhi vir para esse mundo tão diferente, que eu não sabia existir.
A janela do ônibus me mostrava quanta coisa ia ficando para trás. Quanto tempo vivido, que eu jamais resgataria ao voltar, porque tudo também estaria diferente. Nada mais estaria em seu lugar. Crianças nascendo, gente morrendo.
À minha frente se descortinava o já e o ainda não. Dualidade inquietante.
A chegada à cidade grande deixou-me extasiada. Prédios altos, barulho, muita, muita gente, carros de montão, como eu nunca tinha visto. Em mim um misto de medo e felicidade. Era o já, que a mim se descortinava, enquanto o ainda não, me fazia conter a ansiedade e colocar os pés no chão. Vim ser mais uma na multidão.
Depois de passar pela casa de muitos parentes e conhecidos fui morar em minha casa, que era a parte de cima de um beliche e uma parte de um guarda roupas. E só. Ali eu vivi por muito tempo, sonhando que um dia teria o que alguém me falou e eu acreditei. Mas, com a descoberta dos sonhos, conheci a angustia de não conseguir atingi-los.
Se minha adaptação foi fácil ou difícil não vem ao caso. Mas entre acertos e erros fui construindo minha nova vida.
E a vivi e a vivo. Plenamente.

Heloisa/2010