Era uma rua que começava num grande terreno baldio e terminava na Igreja N.Sra. das Graças, onde o Padre Ernesto rezava suas missas e fazia uns sermões um tanto fora dos padrões pela sua liberalidade.  Eu morava entre a Rua dos Meninos e o terreno que na realidade já era um matagal, mas era entre a Rua Marlene e a dos Meninos, que fazíamos as nossas peladas nas tardes ensolaradas de verão. Nas esquinas moravam a Dona Aparecida e da outra uma família de portugueses, pais do Abílio e de sua irmã. Do lado direito morava a Dona Nega, era esse o apelido pelo qual todos a conheciam. Lembro-me que almocei na casa dela uma vez e comi, pela primeira vez, banana frita. Achei uma iguaria. Seu marido, também muito simpático, era o seu Aldo que uma vez me levou ao pronto socorro quando fui atropelado por um caminhão. Não foi nada demais, mas ele tomou-me ao colo e sem maiores delongas fui parar no PS. Na casa seguinte morava Dona Natalina, casada com o seu Antônio que tinha especial prazer em ficar no portão apreciando o movimento. Eram os pais do Dinho e do Totonho que eu conhecia das brincadeiras de rua. Lembro-me que um dia estava jogando bola na rua em frente à casa da dona Natalina e ela me chamou perguntando se eu sabia trocar bujão de gás. É claro que eu sabia, apesar dos dez anos de idade, pois em casa eu fazia essas coisas. Feito o serviço observei que eles não tinham televisão e sugeri que ela deveria comprar no crediário como fez minha mãe. Que moleque atrevido eu era! Ela apenas sorriu.

A vizinha do lado da Dona Natalina, a Maria Hungareza, que na realidade  era uma polonesa muito séria, mas de bom coração. Minha mãe me contou que ela era parente do Papa João Paulo II, isto depois que eu já era casado e morava em outro lugar. A filha dela era a Irene, uma moça muito loura e branquela, mas era também simpática, apesar de reservada. Um casal de patrícios dela morava na rua dos Meninos e tinham um filho que sempre pensei que fossem parentes da dona Maria. O Roberto, cujo nome verdadeiro era Bogdan Varzocha se tornou meu colega no Barão do Rio Branco, um colégio particular na Vila Gerty.  Com o Dinho, o Osvaldo Torino, eu e o Roberto nos tornamos companheiros na adolescência, frequentando os bailinhos e a quermesse na paróquia. Através do Dinho, conheci seus primos, o Luiz e Marcos Castellani, que moravam na Rua Manoel Augusto Ferreirinha.

Em frente à casa do Dinho morava o simpático Silveira e sua família. Naqueles tempos era muito raro passar um carro por lá. Aliás, me lembro de um carro bem antigo que era do namorado da irmã do Dinho, a Maria José. Ele e o irmão gostavam de bater bola em frente da casa nos finais de semana. Eu aproveitava para participar da brincadeira, pois meu pai furou a minha bola por causa de briga com a turma.   O Silveira teve uma morte trágica. Foi suicídio e nunca se soube por quê. Às vezes conversava com o filho dele, mas nunca tive coragem de perguntar, mesmo tendo grande curiosidade. Na rua morava também uma senhora alemã, dona Ana que tinha uma filha professora, a Dona Rasma, que deu aulas para minha irmã mais velha no Luiz Capra. Ela tinha um filho que tinha problemas mentais, o Frederico, um rapaz enorme, mas com a cabeça de uma criança. Um pouco mais a frente morava um senhor negro cujo nome parecia ser Luiz. Era o único negro naqueles arrabaldes. Às vezes, o encontrava pela manhã no armazém da esquina quando eu ia pegar o pão e o leite. Ele pedia um copo de vinho e saia para o trabalho. Achava estranho alguém beber vinho logo cedo, mas cada um com seus costumes. Morava também naquele trecho da Juruá, um estrangeiro, que corria atrás das crianças quando elas invadiam o seu quintal para apanhar amoras. Nós ríamos muito com o seu jeito de falar. Na esquina em frente da casa do Abílio, na Rua Marlene, morava a Dona Mafalda e seu Osvaldo. Ele tinha problemas com bebida alcóolica e muito comum vê-lo embriagado tropeçando na própria sombra.

Quase em frente a nossa casa morava o seu Afonso Piffer, dona Luzia e os filhos Argemiro, Auro e Anita. Seu Afonso cortava as minhas madeixas nos fins de semana e gostava de conversar enquanto fazia o seu trabalho. Com o Argemiro fui a primeira vez ao Pacaembu assistir um jogo do Corinthians x Santos, quando eu vi o Pelé jogar ao vivo pela primeira vez. A Anita era a moça mais elegante do bairro. O pai do seu Afonso, seu Antônio Piffer era um velhinho simpático que morava com eles e vivia lá em casa brincando com a gente  fazendo as suas charadas.  Ele gostava de um cafezinho que minha mãe sempre oferecia para ele. Quando não tinha, eu era encarregado de fazer o café do Nono. Enfim, tenho saudades daqueles tempos, quando as crianças podiam brincar nas ruas sem medo do trânsito ou de outros problemas.

Com o tempo mudei de turma e nunca mais nos vimos. O Roberto se envolveu com uma turma do bairro que eu não me identificava. Quanto ao Dinho, fiquei magoado com uma indelicadeza que ele cometeu comigo quando seu primo se casou com minha vizinha de frente, a Isaura, cuja família era muito próxima da minha.  Encontrei com ele alguns anos depois, já casado, na Mercedes Benz, onde também trabalhei por pouco tempo.  Foi um contato formal e até frio. Confesso que não superei a mágoa.