Duraram toda a minha infância e adolescência, lá pelos idos de 1960 – 1970. Anuais, semestrais, mensais e semanais. Eram como acordar, tomar banho, e escovar os dentes. Aconteciam tais quais, as chuvas das duas horas em Belém.

Ao iniciar um novo ano, meu pai levava eu e meu irmão para tirar uma foto 3 x 4, às vezes no lambe-lambe da calçada da então Alfândega, na av. Castilhos França, Comércio, Belém, Pará ou num foto, o Foto Menezes, situado em frente a Praça da República, onde mais tarde seria construída a sede do Banco da Amazônia, BASA. Lá íamos nós – eu e meu irmão – banhados, roupas e sapatos novos e cabelos cortados – cortar cabelos era também uma outra rotina, esta mensal – para tirar as fotografias.

Também no início de cada ano tomávamos o famoso purgante. Óleo de Rícino. Era o método para prevenir e combater as ocorrências dos vermes ou lombrigas. Nesses dias as brincadeiras eram quase todas interrompidas e um pinico guardava nossas camas para as eventuais ocorrências…

Antes de começar nossas aulas regulares, também todos os inícios de anos e no início do segundo semestre, íamos ao consultório odontológico do papai para fazer a manutenção de nossos dentes. Era um tormento pra mim, mas ia. Lembro que certa vez ele não aguentou o meu nervosismo na hora da aplicação da anestesia e pediu socorro para o colega do consultório que concluiu o procedimento.

Os cortes de cabelos eram mensais. Não tínhamos escolha nem opção. O corte era quase raso. Permanecia apenas uma meia lua de cabelos peteados na testa e no couro cabeludo. Recentemente se apelidou este corte de “Cascão” depois que um famoso jogador de futebol brasileiro apareceu com ele. Só na adolescência tivemos a liberdade de escolher, quando passamos a frequentar o Seu Arthur, um barbeiro muito legal que morava perto de casa, na trav. Monte Alegre. Ficamos amigos. Conversávamos bastante durante os cortes. Os temas tratados era sobre ET’S e fenômenos de OVNI, que eram meus temas preferidos. Chegamos a trocar livros sobre o assunto.

Uma outra rotina anual, esta compulsória, era fazer a coleta de sangue para os testes de malária e febre amarela. A visita do famoso fura-dedo movimentava todo o quarteirão da rua onde morávamos. Ao avistarmos a bandeirinha colocada na frente da casa, às vezes acompanhada por uma lamparina acessa, quase um quarteirão antes, ao final da tarde, era o sinal que ia ter fura dedo! Não tinha para onde correr! E nada de pirulito pra aliviar o tormento ou brindar o feito!

Uma rotina semanal que ansiava já no meio dela, eram os passeios dominicais ao Bosque Rodrigues Alves e ao Museu Goeldi. Ver as onças, os jacarés, os macacos, as araras e papagaios, os peixes-bois, as tartarugas e tracajás, as ariranhas, os peixes poraquês, enfim, toda uma fauna nos enchia os olhos e a curiosidade. Além, dos passeios de charretes e de barquinhos, que pareciam nunca terminar, em um espaço quase infinito imaginado dentro de nossas cabeças. Escalar o castelo sombrio até o seu teto e de lá avistar as imensas árvores da floresta ao redor era uma aventura desafiadora. Sem esquecer das fotografias pousadas tiradas montados nos cavalinhos de pau, ou postados em pé aos seus lados, posicionados logo na entrada e no início do passeio dominical. Quantas lições aprendi aí.

Uma rotina semanal religiosa era assistir a missa das 07 horas do domingo na paróquia Nossa Senhora da Conceição, localizada alguns quarteirões de casa, na Rua Cesário Alvim. Quase todos os domingos formavam-se verdadeiras procissões de vizinhos, que começava a dois ou três quarteirões de casa. A gente aguardava a passagem de algum colega na frente de casa e nos juntava ao cortejo. O sino da igreja despertava a gente mais cedo e rapidamente nos aprontávamos.

Algumas vezes íamos passear nas Praças da República e Batista Campos quando as bandas do Corpo de Bombeiros e outras tocavam marchas e muitas músicas nos coretos. Nos deleitávamos à sombra das generosas árvores ao redor.

Uma outra rotina, esta anual, muito esperada por nós, era uma visita ao Arraial de Nazaré, durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, quase sempre acompanhados pelos nossos saudosos avós Clarice e Carlos que não perdiam um ano sequer, dele participar. Era uma festa! Andar no Carrossel de Cavalinhos; brincar nas “pescarias” ou eventualmente assistir os teatros de assombrações instalados no Largo de Nazaré eram algumas ações que fazíamos com muito gosto e alegria. Ganhar os brinquedos de rodinhas téc-téc, as cobrinhas de meriti ou os estranhos balões a gás que ficavam sempre no alto, eram os maiores desejos nossos. Só não saboreávamos os “algodões” coloridos, pois, por recomendação de meu pai eram “só açúcar”! E eram mesmo!

Eram estas algumas rotinas que hoje recordo, de um tempo em que Belém calma, tranquila, sossegada. A chamada sociedade de consumo estava apenas dando seus primeiros passos entre nós…