Crônica

                                               ROSA  , A   PAPAGAIA    

                                                                   Edevaldo Leal

                         O papagaio perguntava:

                          –  Já tem café ,já tem café ?

                         Minha mãe, como se dialogasse com ele , pedia-lhe que esperasse. Alguns minutos   depois , levava-lhe café com leite e pão numa tigela de plástico.

                        Não era papagaio. Era papagaia. E, quando veio, foi tão bem recebida que  parecia mais um membro da família do que uma ave trazida do mato. Morávamos na vila de Porto Grande  e encomendamos a avezinha a um dos muitos caçadores que se aventuravam nas matas  do outro lado da vila. Nossa casa tinha um quintal grande, arborizado.  Minha mãe encarregou meu pai de fazer a casinha  do animal debaixo do pé de um abacateiro  plantado em frente à cozinha. Assim, dizia minha mãe, ele não vai sentir muito a falta da natureza e logo se acostuma com a gente.

                       Informado pelo caçador de que o papagaio era   fêmea, eu tratei logo de arranjar um nome para ela: Rosa. E alguma papagaia tem outro nome ?

                     Rosa aprendeu a falar aos poucos – e disso se encarregou minha mãe. Eu ainda  lembro do difícil e delicado  processo de aprendizagem: não mais do que alguns minutos por dia, para palavras curtas, no início. A cada dia, uma nova palavra. E  assim Rosa aprendeu frases completas, sempre repetidas,  vezes    sem conta. Um teste de paciência para  minha  mãe , na repetição diária de palavras e frases, que  lhe exigiram alguns meses de perseverança,  para fazer-se ouvir o milagre da voz animal. Completava-se ,ali, o que o  poeta francês Clément  Marot disse, certa vez: “ Para quem sabe esperar, tudo vem a  tempo”. E o que minha mãe mais soube fazer, a vida inteira, foi esperar.

               Autodidata, Rosa aprendeu, de ouvido,outras palavras e outras frases, para alegria de todos.  Tantas  palavras  e frases  aprendeu, que dava a impressão de  conversar com a gente. Até  hoje ,   adulto sessentão, sinto saudade da Rosa, de nossas aparentes conversas em diálogos de silêncio, de nossa amizade desinteressada, de nosso respeitoso convívio e desse sentimento de ternura que ela me ensinou a ter pelos animais de todas as espécies.  Viram ?  Rosa  também foi capaz de ensinar.

                  Na minha inocência de criança do interior, ao ver Rosa falar, eu pensava que, de alguma forma, em algum lugar, em alguma época, os papagaios já haviam sido gente, mas, por alguma razão, o criador os transformou  em aves sem retirar-lhes a capacidade de falar.

                Nomes proibidos, cabeludos, impróprios para menores de 18 anos, Rosa nunca aprendeu. Era, o que se   pode dizer, uma papagaia de família, comportada.

                 – Dá o pé, Rosa?!  – Bastava  apontar o dedo e esticar o braço, e ela, como quem atravessa com cuidado uma ponte frágil, ia alojar-se no  ombro acolhedor.

                – Currupaco,  currupaco, eu não sou macaco

                – Corococó,corococó, essa é a cantiga do galo.

                 Independente e livre, Rosa tinha vontade própria:

               – Tereza, Tereza, eu quero ir pra mesa  –  Pedido prontamente atendido por minha mãe.

                Hoje eu fiquei muito triste, Rosa, e senti  uma repentina saudade de ti – saudade da tua ternura, dos teus silêncios, do Hino Nacional que aprendeste a cantar e do teu humor, que muitas vezes me fez rir. Agora, já no final desta crônica, ainda posso ouvir, vagamente, tua voz, distante:  “ já tem café, já tem café ?”. E sou despertado por minha mulher me dizendo que o café está à mesa.

                                        22 de fevereiro de 2013.