Um amigo, engenheiro especializado em transportes, tem um velho e bom Verona 1990 que usa para cumprir com a sua missão de ensinar engenharia em locais bem distantes como São Carlos, Ribeirão Preto e São Bernardo do Campo, residindo em Rio Claro. Creso Peixoto é um herói que só existiria na ficção se não fosse um caso verdadeiro.

Na faculdade os amigos o gozam o tempo todo, pois como pode um professor de engenharia, viajar num carro de quase trinta anos, com uma tecnologia para lá de superada? Uns o acusam de “pão-durismo” outros de usuário ou de Tio Patinhas. Mas ele não se importa com as brincadeiras e continua fazendo as revisões periódicas no veículo e o mantém rodando até quando o carango resistir.

Minuciosamente, vez por outra, coloca na ponta do lápis o custo de um carro novo, depreciação, seguro, IPVA e outras encrencas, concluindo sempre que não vale a pena, pelo menos economicamente trocar de carro. Pelo que já conversamos ele não está preocupado nem um pouquinho com status ou o conforto de dirigir um carro zero quilômetro. Depois de um certo tempo, são todos iguais, diz ele.

O mais interessante é que o Creso foi piloto civil e reservista da Aeronáutica e pode causar estranheza ver alguém com esse perfil, não estar interessado em um carro mais possante e com todos os aparatos da moderna tecnologia, como computador de bordo, GPS e outras parafernálias.  É um caso para ser estudado pelos especialistas em marketing de consumo.

Talvez o velho Verona seja mesmo um caso afetivo, uma paixão incontornável. Um velho amor não se troca por nada. Um carro novo não teria as mesmas histórias, as velhas lembranças, como a filha que viu crescer levando-a aos passeios e viagens. Seria como uma casa nova, sem açúcar e sem afeto, sem aquelas marcas de umidade num cantinho ou um desenho que a filha fez na parede e não teve coragem de apagar, mesmo tendo danificado a pintura recente.

A família parece apoiá-lo plenamente e não se sentiria confortável num carro novo, com um cheiro diferente, sem aquele estofamento com aquele conforto familiar, repleto de afeto e lembranças.  A esposa, deduzo, já desistiu de dar atenção às amigas que comentam: “Ainda não trocaram de carro?”

A filha, estudante de Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mais preocupada com as mudanças culturais do país e também com os problemas sociais, não deve saber nem qual é a marca do carro do pai, que faz questão de levá-la de volta para a Universidade quando ela vem para São Carlos passar férias ou feriado

Se alguém tinha alguma esperança de que ele abandonaria o velho possante depois de quase trinta anos de malhação, pode esquecer. A recente notoriedade alcançada com uma reportagem no Fantástico, reforçou a sua disposição de dirigir o velho Verona mais uns vinte anos, quando talvez aposentado das lidas do ensino, possa doá-lo ao museu de sua cidade.