Rita

Em 1968, o Sítio São Diogo,Município de Sousa, assistia ao drama de Rita, uma mulher que estava muito doente de tuberculose, o que deixava todos com bastante medo da doença, que era contagiosa. No início da doença, muitas pessoas faziam quarto a essa infeliz mulher, porém, quando elas tomaram conhecimento do perigo, afastaram-se, ficando apenas Jorge, um vizinho muito generoso, que não abriu mão de ajudá-la. Embora não fosse enfermeiro, ele possuia conhecimentos a respeito da área de saúde, e sabia aplicar injeção.

Rita estava muito magra, fraca e com os cabelos bem poucos, por causa da queda deles, devido a tuberculose. Ela tinha quarenta anos. Antes de pegar esta infecção contagiosa, Rita era até bonita, foi na época em que casou com Neco, um homem ríspido que sempre lhe bateu. Ela tinha quatro filhas, que estavam sofrendo bastante com a doença da mãe. Depois que Rita adoenceu, elas passaram a assumir todo o serviço da casa. Lavavam, passavam, costuravam e cozinhavam. Eram umas pobres moças sofridas, bonitas, mas sem vaidades.

Rita, quando não estava no quarto, estava sentada sobre seu fogão a lenha. É que sentia muito frio e gostava de receber o calor do fogo. Ela sabia que a tuberculose era uma doença fatal, porém,  estava disposta a lutar contra aquele mal. A pobre criatura, tinha medo de morrer e ter que deixar as filhas, por isso, queria se curar. Rita era muito pobre, seus remédios eram comprados por Jorge, que tinha condições financeiras e muita compaixão da vizinha. Jorge tinha vinte e nove anos, era casado e dono de propriedades rurais.

Todos os dias, ele ia vê-la e aplicar suas injeções. Sempre com muita precaução, o bom homem usava máscaras e luvas.

Um dia, ele disse para Rita que ela deveria ir se tratar na capital, João Pessoa, já que em Sousa, não havia o tratamento adequado, que a mesma precisava. A moribunda ficou pensativa, depois disse que não tinha dinheiro para isso.

_A ambulância que irá lhe levar, eu providenciarei com Zé Gadelha, e quanto ao hospital, não se preocupe, porque é público.

_Pricisu falá cum Neco. Num sei si eli dexa.

_Ele tem que ir com você, e apoiar-lhe. Hoje mesmo, vou falar com Zé Gadelha, e você fale com Neco.

Tá. Disse a enfraquecida.

Zé Gadelha era Deputado Federal, um homem muito caridoso e querido pelos sousenses mais humildes, a quem sempre ajudava. Naquele dia, ele tinha chegado de Brasília. Jorge foi até sua residência e pediu para falar com ele. O vizinho de Rita contou ao deputado toda a história da doente e pediu a ambulância.

_A ambulância está em suas mãos, pode levar a mulher quando achar que deve. Disse Zé Gadelha, que ainda mandou uma boa quantia de dinheiro para a moribunda.

_Muito obrigado Deputado, eu sabia que o senhor iria ajudá-la.

Jorge saiu feliz da casa do deputado. Jorge gostava de ajudar o próximo. Quando chegou no sítio, foi direto ter com Rita. E encontrou ela sentada próxima à fornalha do fogão.

_Rita, consegui a ambulância, está tudo certo  para você viajar.

_Neco num vai cum eu, eli dissi qui num tem cura pra eu.

_Eu vou com você, não se preocupe!

_Mais ocê num podi dexá sua famía.

_Serão poucos dias, e eu posso deixar você lá, e vim aqui, resolver meus negócios e depois voltar para ficar com você.

_Só Deus e Nossa Siora podi lhi recumpensá, pru tudu qui tá fazeno pru uma infiliz Cuma eu.

_Zé Gadelha mandou-lhe esse dinheiro, compre roupas para a viagem! Disse Jorge.

_Só vô tentá  pru casa dais minina. Disse a doente soluçando.

Rita estava confiante nesta viagem, só sofria mais naquele momento, porque não recebia o apoio do marido, que era muito insensível e não a amava. As meninas tinham o coração sangrando, porque iriam se afastar da mãe. Elas tinham medo de nunca mais vê-la e por isso, não queriam que a mãe viajasse.

_Fias, eu vô e vortarei curada, pricisu qui ocês seja forti e cuntinui cuidanu da casa, e de seu pai, inquantu eu tivé fora.

_Queru ir cum a sinhora. Disse uma delas.

_Jogi dissi qui ocês num pode viajá cum eu, lá ocês só ia sofrê e num tem lugá pra tanta geiti.

Rita e as meninas abraçaram-se  chorando. Nesse instante, Neco chegou da roça e as ignorou.

No dia seguinte, Jorge foi buscar a tuberculosa, para a viagem. Ela tinha passado à noite muito mal, e estava bem fraca, quase morrendo. Eles iriam de carro até Sousa, e lá pegariam a ambulância.

­_Adeus fias! Disse a mulher tristemente.

Jorge tentou disfarçar sua comoção. As meninas choravam desesperadamente. Neco já estava na roça, não ficou para ver a saída da mulher, pois era contra sua viagem, e como protesto, ele não se despediu dela. Naquele momento, toda a vizinhança saía nas suas portas, para ver a tuberculosa, todos acenavam e choravam. Era uma cena comovente.

Rita chegou na capital muito mal, e mesmo com o atendimento que recebeu, e os inúmeros remédios que tomou, seu quadro permaneceu delicado. Ela não tinha melhora.

Quinze dias depois, Jorge recebeu uma carta de sua mulher, chamando-lhe com urgência. Um de seus filhos tinha adoencido, então ele teve que deixar a doente sozinha. No entanto, pediu a todos os médicos e enfermeiros que cuidassem dela, que ele voltaria em breve. Chegando no São Diogo, Jorge procurou Neco e pediu que o mesmo fosse ficar com a mulher, que estava sozinha. Neco, muito ignorante, disse que não iria, pois não mandou a esposa viajar.

_Que espécie de marido e ser humano é você? Não tem vergonha de negar socorro à própria mulher? Se não é capaz de fazer por ela, faça ao menos por suas filhas.

_Eu já dissi qui num vô.

Jorge não pôde deixar o seu filho, e não conseguiu voltar a joão Pessoa, dessa forma, Rita ficou abandonada.Os médicos “esqueceram” as recomendações de seu acompanhante, e sendo Rita pobre e sem ter alguém que falasse por ela, eles descuidaram da paciente.

Rita morreu, depois de dois meses de luta e de muito sofrimento. Os médicos colocaram o aviso de sua morte no rádio. Naquela época, Sousa não possuia nenhuma estação de rádio, e este aviso foi ouvido em uma rádio de Cajazeiras, uma cidade próxima a Sousa. Uns conhecidos de Jorge, ouviram e avisaram ao mesmo.

O amigo de Rita viajou até à capital, e os médicos aconselharam enterrá-la em João Pessoa mesmo, pois a doença era muito contagiosa.

E assim, ficou a pobre Rita, para sempre em uma terra desconhecida para ela.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento