RESUMO

Neste estudo realiza-se uma reflexão do que se denominou de Revoluções sociais do nosso tempo, a partir do posicionamento sociológico de Anthony Giddens, o qual relativiza as questões relacionadas às posições políticas de direita e esquerda, que em certo momento da história se colocaram em posições antagônicas, com ampla repercussão, a ponto de, sob tais ideologias, o mundo ter sido divido em dois blocos, cuja divisão se constituiu como a gênese do fenômeno político e econômico denominado guerra fria. No entendimento de Giddens, nenhuma dessas posições ideológicas logrou cumprir o que prometeu para as populações de Estados-nações que as adotaram como sistema de governo e como fundamento para as relações de produção, como por exemplo, a elevação dos níveis de desenvolvimento econômico e social e a superação dos níveis de desigualdade entre as nações dos respectivos blocos hegemônicos, cada uma à sua maneira. Além disso, aborda-se questões relacionadas ao fenômeno da globalização propiciado pelo desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação, cujo fenômeno, por suas dimensões, alcança todos os povos do mundo inteiro, mas, por ter-se colocado a serviço do sistema de produção capitalista orientado pelo modelo neoliberal, também não tem contribuído para a melhoria dos índices de desenvolvimento humano, especialmente das nações mais pobres. Assim, no entendimento de Giddens, a solução seria a adoção de uma política de vida, em que há valorização do humano e a possibilidade de superação das desigualdades e do medo criado artificialmente pelo saber especialista que domina o mundo da técnica.

Palavras-chave: Revolução. Revoluções sociais. Direita. Esquerda. Globalização. Pensamento de Giddens.

1 Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Fernando Pessoa de Porto – Portugal. 2 Profa. Dra. Carla Barros do Departamento de Pós-graduação em Universidade Fernando Pessoa de Porto - Portugal.

1 INTRODUÇÃO

Faz-se uma tentativa de desenvolver reflexões a partir do pensamento de Giddens, especificamente no que concerne à discussão central do seu texto sobre a relativização dos movimentos de direita e esquerda não exatamente por questões ideológicas indefinidas, mas por grandes desafios que o mundo globalizado impôs e impõe ao mundo moderno, gerando novas revoluções, novas demandas, e tipificando problemas antes individualizados em fenômeno sociológicos.

O objetivo maior do estudo é conhecer o que pensa Giddens sobre a instabilidade que caracterizou e caracteriza a modernidade, o que ele pensa sobre a dicotomia direita- esquerda, bem como trata do fenômeno da globalização, o qual foi viabilizado a partir do fenômeno que se reconhece como desenvolvimento tecnológico que redundou na Revolução da Informação. Além disso, se deseja verificar que soluções ele aponta para a superação dos possíveis malefícios provocados por uma economia e por relações políticas globalizadas que de fato possam contribuir para a viabilização do desenvolvimento social com eqüidade. Tudo isso junto, naturalmente, é suficiente para justificar a escolha desta unidade bibliográfica como objeto de estudo, cuja estrutura segue quase em sua totalidade a estrutura do texto de Giddens, uma vez que o estudo se configura ou pretende se configurar como uma análise crítica do texto As Revoluções Sociais do Nosso Tempo, de Antony Giddens, e como se sabe, uma análise deve pretender a compreensão da totalidade a partir das partes constituintes do texto objeto da pesquisa, cuja compreensão pode ter sido prejudicada pela exigüidade do espaço, pela superficialidade da abordagem e pela falta de experiência ainda visível da equipe em face da pesquisa científica.

2 AS REVOLUÇÕES SOCIAIS DO NOSSO TEMPO


Giddens, ao contrário do que em momento inicial se poderia supor, ao abordar as questões relacionadas às Revoluções sociais do nosso tempo (1995), não o faz à luz de um enfoque político-ideológico de direita ou de esquerda, e muito menos a partir de uma reflexão dialética em que consideraria os dois termos ou as duas perspectivas em situação meramente dicotômica, pelo simples fato de que para ele “[…] direita e esquerda não possuem mais o mesmo significado que já tiveram […]” (GIDDENS, 1995, p. 93), a saber, as relações, tanto
entre os indivíduos, quanto entre as comunidades humanas sofreram profundas alterações, inclusive no que se refere às questões que envolvem o desenvolvimento social.
Houve um tempo que não está historicamente distante, em que se acreditava em pelo menos dois modelos de produção capazes de propiciar o desenvolvimento social: de um lado, o modelo de produção capitalista e de outro, o modelo de produção socialista, os quais foram concebidos em distinta oposição e que se costumou definir politicamente como direita e esquerda. Ou seja, o capitalismo esteve associado ou vinculado a uma posição política mais conservadora reconhecida como de direita e o socialismo a uma posição política supostamente mais avançada reconhecida como de esquerda. No entanto, a despeito da oposição que os termos comportam claramente entre si, há pelo menos um ponto de convergência entre ambos. O desenvolvimento social será sempre buscado a partir da utilização dos recursos naturais.
O modelo de produção capitalista, na atualidade quase hegemônico, em tese criado para promover a satisfação das necessidades humanas, tem contra si o fato de possuir uma vocação para a acumulação de riquezas, e como se sabe riquezas acumuladas não se prestam à satisfação das necessidades de todos, pois só cumprem este papel as riquezas distribuídas. No afã, pois de acumular tais riquezas, o sistema em vez de satisfazer, terminou por criar novas necessidades humanas, as quais para serem satisfeitas demandam sempre mais recursos naturais. Significa que o capitalismo não promoveu o desenvolvimento social generalizado, mas apenas progressos localizados.
Por seu torno, o modelo de produção socialista igualmente proposto e adotado por grande parte do mundo como saída para a promoção do desenvolvimento humano com eqüidade, também não logrou seu intento, pois muitas vezes não foi eficiente sequer para suprir as necessidades básicas de todas as pessoas e isso não pode ser caracterizado como desenvolvimento, pois um desenvolvimento social humanamente aceitável há de levar em consideração não apenas a satisfação de necessidades básicas objetivas, mas também de necessidades de ordem subjetiva, como por exemplo, a liberdade e a justiça e isto nenhum dos modelos conseguiu.
É possível concluir que as barreiras entre direita e esquerda estão sendo superadas, mas isto não ocorre pelo diálogo entre as duas posições, mas pela supremacia do modelo capitalista que se apresenta com uma face mais atenuada e aparentemente menos selvagem, a partir de um novo modelo caracterizado pelo liberalismo ou mais propriamente pelo neoliberalismo, supostamente menos centralizador, com Estados menos interventivos, mas que obedece apenas a uma única lei, a lei do mercado. Tal modelo possui grandes aspirações: sua propagação em escala global. Este intento parece estar sendo alcançado e isto pode ser verificado em países, para recorrer a exemplo mais próximo, como o Brasil em que o governo é proveniente da esquerda, mas o modelo da economia é neoliberal.
No entanto, a despeito de Giddens (1995) iniciar seu texto com uma alusão à direita e à esquerda, não o faz para discorrer sobre os fundamentos históricos e político-ideológicos dessas posições antagônicas, mas apenas para introduzir o tema que realmente lhe interessa: as alterações sofridas pelo desenvolvimento social moderno. A propósito disso ele afirma:
Vivemos hoje em um mundo de incerteza artificial, onde o risco difere muito dos períodos anteriores no desenvolvimento das instituições modernas. Isso, em parte, é uma questão de abrangência. Agora alguns são riscos de “grande conseqüência” – os perigos que representam afetam potencialmente a todos, ou a um grande número de pessoas, sobre a face do planeta […] (GIDDENS, 1995, p. 93).
Se nos primórdios da história da espécie humana os riscos eram provenientes das relações do homem com a natureza, portanto se caracterizavam como riscos naturais, para o autor, agora eles são riscos importantes criados artificialmente a partir de uma tentativa de promoção do desenvolvimento social concebido a partir do Humanismo, o qual propiciou a intervenção do homem tanto em sua própria história para compreendê-la e até alterar seus rumos, visto que não há determinismo histórico, quanto na natureza para colocá-la a seu serviço. Isto comportou e comporta riscos de graves conseqüências, os quais, no dizer de Giddens, são riscos de origem social. Ou seja, os graves risco a que a humanidade está exposta na atualidade são fruto de sua ação no mundo, cujo fim foi e é a promoção do desenvolvimento social.
Tais riscos no entendimento de Giddens (1995) estão relacionados ao aquecimento global, ao desgaste da camada de ozônio, à poluição das águas, do ar e da terra, à desertificação de áreas agricultáveis, à erosão e infertilidade do solo, tudo isso causado pelo crescimento descontrolado da população, pelo uso desordenado dos recursos naturais para a satisfação das necessidades dessa enorme população humana e pelo que ele denomina de “tecno-epidemias”, que são doenças surgidas a partir de influências tecnológicas, como as provenientes da poluição do ambiente natural e dos alimentos.
O que Giddens quer salientar é que o desenvolvimento da forma como tem sido buscado, independente da orientação político-ideológica de seus promotores, comporta risco para as comunidades humanas, bem como para os indivíduos, embora ele reconheça que em algumas áreas tecnologicamente desenvolvidas há mais segurança que em outras. A título de exemplo enfatiza: “Em algumas áreas das atividades humanas, é claro, os níveis de segurança
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são maiores do que costumavam ser. Dessa forma, viagens que só poderiam ser empreendidas pelos mais intrépidos exploradores, diante de inúmeros perigos, podem ser feitas hoje por qualquer um (que possa pagar), com conforto e segurança” (GIDDENS, 1995, p. 94).
É claro que o progresso tecnológico, inegavelmente, propiciou muitas comodidades e mesmo maior segurança em inúmeros setores da atividade humana, mas cujo acesso a tais tecnologias nem sempre está ao alcance de todos, pois nem todos podem pagar pelo conforto e pela segurança que elas podem proporcionar. Mas mesmo que todos pudessem pagar pelos benefícios propiciados pela técnica e pela ciência, isso não excluiria a possibilidade da existência de problemas, uma vez que nem sempre se sabe ou se pode calcular de forma eficaz os riscos que os novos inventos tecnológicos comportam.
O problema maior em relação a isso é a incerteza que permeia o ainda pouco conhecido. Um grande exemplo se encontra no setor da produção de alimentos. Ainda não se sabe adequadamente que possíveis impactos os fertilizantes e herbicidas utilizados para o cultivo de alimentos vegetais podem causar no organismo humano, da mesma forma que não se sabe que impactos têm ou terão os medicamentos e hormônios sintéticos utilizados pela pecuária no trato dos animais que serão ingeridos pelo homem na forma de alimentos.
Decorre daí, que só se pode crer na eficiência da técnica e da ciência, o que no mínimo seria ir de encontro à razão de que tanto se ufana o Ocidente. Passar-se-ia a aceitar o desenvolvimento da ciência e da técnica não pelo que elas comportam de racional, mas pelo que comportam enquanto um sistema de crenças, cuja segurança estaria apenas na esperança de nada acontecer de ruim, porque até agora nada aconteceu de pior. E mais se acontecer o ruim ou pior, o desenvolvimento tecnológico e científico encontrará saídas, encontrará soluções. Giddens (1995) sabe que tudo isso, toda essa incerteza fez da modernidade e mesmo dos tempos atuais que alguns compreendem como sendo pós-modernos, um verdadeiro mar de dúvidas, portanto, um mar de insegurança e com uma agravante: esta insegurança foi artificialmente criada, e criada em nome do desenvolvimento social.
A propósito das dúvidas e incertezas que caracterizam a modernidade Baudelaire em seu artigo “The painter of modern life (1863)”3, citado por Harvey (2006, p. 21) afirma que “’A modernidade “é o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável”. E por que isso? Porque a arte não é um retrato ou cópia fiel do real, mas a transfiguração desse real rumo ao ideal.
3 O pintor da vida moderna.
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A modernidade não se configura apenas como uma escola ou movimento artístico, mas abarca todos os aspectos da vida. Então, o mutável, o fugidio e o contingente não se encontram apenas em nível simbólico, mas permeiam todos os aspectos do real e isso não acontece impunemente, pois ela, a modernidade, não pode oferecer bases estáveis para o pensar, o fazer, o existir humano e isto gera angústia, e como se sabe, angústia é enfermidade.
Os tempos modernos, então, se caracterizam acima de tudo por uma ruptura com a medievalidade e com todas as suas certezas, para mergulhar na aventura de um mundo profundamente marcado pelo transitório, pela novidade, pelo crescimento e pelo progresso, que pouco a pouco elidem a delimitação geográfica entre sociedades nacionais, em que se exacerbam as lutas de classe, embora as classes existentes sejam mais permeáveis, pois já não dependem de um determinismo histórico ou mesmo divino, mas apenas de fenômenos sociais como, por exemplo, as desigualdades, mundo marcado pelo surgimento do capitalismo e de seu avesso, o socialismo e do império da razão em substituição ao império da fé, embora a própria ciência, como já se disse acima, se constitua como um sistema de crenças, não uma crença no eterno absoluto, mas apenas no eterno enquanto ele dura. Ou seja, no eterno relativo e transitório.
A ciência moderna não logrou cumprir a promessa de um mundo de venturas criado pela técnica, mas a ciência e a tecnologia por vezes, muitas vezes, alargaram o fosso entre as nações, entre as etnias, entre as classes sociais e as ideologias, de modo que fenômenos como o da globalização viabilizados acima de tudo pela revolução da informação, por exemplo, não conseguiram globalizar as benesses do progresso e em última instância, do desenvolvimento social, mas aprofundaram as desigualdades entre o centro e a periferia, entre o global e o regional, entre o rico e o pobre o qual tende a ser fragmentário, como quer mesmo a modernidade.
Tal situação em que o mundo atual se encontra mergulhado, é rica apenas em incertezas, em instabilidades e em injustiças, pois o fenômeno da globalidade tem-se feito basicamente em nível econômico, cujo nível econômico tem por base o capitalismo, que como se sabe, tem por vocação a acumulação e não a distribuição, o qual aspira a um sistema político liberal e mais recentemente, neoliberal em que o Estado é mínimo não apenas na intervenção entendida como controle, mas mínimo também no que se refere à distribuição dos bens produzidos, da riqueza deles provenientes e na minimização das injustiças sociais. Pode-se afirmar que só são distribuídos eqüitativamente, os refugos e a escória do processo de produção industrial, os quais se caracterizam como lixo e poluentes de toda ordem.
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Embora os riscos não se façam evidentes e próximos da vida cotidiana das pessoas individuais, as ações humanas, todas elas encontram-se eivadas de incertezas, cujas incertezas devem ser trabalhadas a partir da acumulação de conhecimento reflexivo, possivelmente a única possibilidade de no presente, se contribuir para significativas e necessárias mudanças futuras.
Diante de tudo isso Giddens (1995, p. 94) confirma que:
Tendo reconhecido isso, algumas pessoas sugeriram recentemente que os seres humanos deveriam mais uma vez tratar como externo aquilo que buscamos controlar. A perspectiva prometéica que tanto influenciou Marx deveria ser mais ou menos abandonada diante da insuperável complexidade da sociedade e da natureza. Um recuo em relação às ambições do Iluminismo é certamente necessário.
Giddens, como se percebe, já não acredita em soluções miraculosas de quaisquer ordens, mesmo que prometidas por sistemas político-ideológicos ou por correntes de pensamento como o Iluminismo que propagandeou por muito tempo a redenção do humano pelo uso correto das luzes da razão. Antes de cumprir suas promessas, o Iluminismo exacerbou o individualismo e certo nível de egocentrismo. De igual forma, as teorias marxistas não lograram a justiça e o desenvolvimento social a partir da supressão da propriedade privada.
Para Giddens (1995), no entanto, os mundos social e material já não estão organizados de maneira simples, mas de modo reflexivo de sorte que é praticamente impossível ao homem hodierno afastar-se ou abster-se do engajamento reflexivo, mesmo a despeito da consciência que se possa ter dos problemas e paradoxos que ele origina ou possa originar. Não é possível ao homem atual continuar a conviver com os riscos produzidos artificialmente pela técnica na esperança de que a própria técnica encontre soluções em caso de alguma coisa dar errado no futuro. Como não se podem calcular os riscos, quer sejam acidentais, quer sejam provenientes da volitividade, como por exemplo, o uso de substâncias químicas letais, como o urânio e o plutônio utilizadas para fins pacíficos, mas que podem vir a ser usadas para finalidades bélicas, inclusive pelo terrorismo internacional.
2.1 A modernização simples e complexa
Já se disse em momento anterior que a modernidade é marcada acima de tudo pelo que é provisório, pelo que está em constante mudança e mesmo pelo que é volátil. Ou seja, a modernidade pode ser compreendida a partir da “Criação de um mundo de incerteza artificial
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[que] é o resultado do desenvolvimento a longo prazo da ordem industrial” (GIDDENS, 1995, p. 95), cujas características foram suprimidas ou encobertas pelo predomínio da modernização simples, de tal sorte que os progressos científicos e tecnológicos associados a ela são aceitos como evidentes sem maiores questionamentos, dentre outras coisas, porque se justifica o uso da tecnologia, mesmo que danosa ao ambiente natural e humano em nome do emprego, da produção de bens e riquezas que se traduziriam como desenvolvimento social.
Por sua vez, segundo Giddens (2005, p. 95)
A modernização reflexiva reage a diferentes circunstâncias. Ela tem suas origens nas profundas mudanças sociais. […]: o impacto da globalização, as mudanças que ocorrem na vida cotidiana e pessoal e o surgimento de uma sociedade pós-tradicional. Essas influências decorrem da modernidade reflexiva ocidental, mas agora afetam o mundo como um todo – e se revertem para começar a modelar a modernização em seu ponto de origem.
A idéia de modernização a partir da evolução capitalista ou industrial aliada aos progressos científicos e tecnológicos, mas que não se configura como a mera expansão deste no Ocidente, deu origem a verdadeiras revoluções no cotidiano de pessoas que reciprocamente geram também mudanças estruturais na sociedade: “A globalização implica a idéia de uma comunidade mundial, mas não a produz; essa comunidade é marcada igualmente pela globalização de influências ruins e de influências integradoras” (GIDDENS, 1995, p. 96).
Nesta perspectiva faz-se necessário discutir a relação entre mercado e natureza, tendo em vista que a evolução do capitalismo formou-se a partir da noção de mercado. Um grande mercado é uma combinação de vida econômica que inclui mercados para os fatores da produção. Uma vez que esses fatores não se distingam dos elementos das instituições humanas, homem natureza, pode-se ver claramente que a economia de mercado envolve uma sociedade cujas instituições estão subordinadas às exigências dos mecanismos do mercado.
No decorrer da Revolução Industrial se assiste a uma verdadeira separação do trabalho das outras atividades da vida, a partir do momento que ela está sujeita às leis do mercado. Tal fenômeno de tão larga amplitude corresponde ao mesmo que aniquilar todas as formas orgânicas da existência e substituí-la por um tipo de organização atomista e individualista.
Esta realidade foi mais eficiente com a aplicação do princípio da liberdade de contrato. Na prática, isto significava que as organizações não contratuais de parentesco, vizinhança, profissão e credo, teriam que ser aniquiladas, pois elas exigiam a alienação do
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indivíduo e restringiam, portanto sua liberdade. Representar este princípio como o da não interferência, como os liberais econômicos se propunham a fazer, era expressar simplesmente um preconceito arraigado em favor de uma espécie definida de interferência, isto é, a que iria destruir as relações não contratuais entre indivíduos e impedir sua reformulação espontânea.
2.2 A grande transformação: a sociedade globalizada
Giddens (1995, p. 95) associa claramente o fenômeno da globalização à revolução nas comunicações, o que é depreendido de sua afirmação de que “Se alguém quisesse fixar seu ponto de origem específico, ele seria a primeira transmissão de rádio via satélite”. A globalização se tornou viável, além é claro, dos progressos tecnológicos na área das comunicações, através de algumas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que estavam germinando desde os começos do século e que se aceleraram depois da Segunda Guerra Mundial e intensificaram-se ainda mais a partir das reformas iniciadas por Gorbatchev desde 1985. A queda do Muro de Berlim em 1989 simboliza não só a crise dos regimes socialistas do Leste Europeu, mas também a abertura de novas fronteiras para a expansão do capitalismo naqueles países. Reabrem-se as contradições sociais que se haviam mantido controladas durante a vigência da guerra fria.
Agravaram-se as contradições entre as formas jurídico-políticas e ideológicas de organização da sociedade, por um lado, e as manifestações reais e potenciais das forças sociais, por outro. Depois de décadas de industrialização intensiva e extensiva, bem como de urbanização, desenvolvimento educacional, elevação do nível social de amplos setores do povo, as formas jurídicos políticas e ideológicas entraram em descompasso com as manifestações reais e as potencialidades políticas e culturais das forças presentes na sociedade.
No entanto o regime codificado na centralização do Estado do planejamento econômico revelou-se incapaz de responder aos movimentos, às inquietações e as vãs potencialidades das forças sociais. Esta conjuntura abriu espaço para novas expressões do capitalismo marcadas principalmente pelo avanço da revolução tecnológica e internacionalização do capital. O alcance mundial do capitalismo adquire novas características na época iniciada com o término da Segunda Guerra Mundial, quando a emergência de estruturas mundiais de poder, decisão e influência anunciam a redefinição e o declínio do Estado-Nação, gerando assim o fenômeno da globalização, com todas suas possíveis vantagens e desvantagem para o mundo moderno.
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No entanto, a despeito de toda a força demonstrada pelo fenômeno da globalização, se pode afirmar com Giddens (1995, p. 96) que “A globalização não é o mesmo que o desenvolvimento de um “sistema mundial”, e não está simplesmente “aí fora” – tendo a ver com influências de grande alcance. Ela é também um fenômeno “aqui dentro”, diretamente ligado às circunstâncias da vida local”. Ou seja, embora a globalização seja um fenômeno que no dizer de Giddens, esteja aí fora, porque tornou as nações industrializadas crescentemente interligadas por intermédio das relações comerciais globais e dos produtos globais, ela também está aqui dentro, quer dizer, ela permeia todos os espaços sociais e de tal forma, que termina por contribuir para a modificação de hábitos, costumes e mesmo de culturas locais arraigadas, que são por sua ação, desterritorializadas, pois ela possui uma vocação homogeneizadora.
À medida que as mudanças, inclusive financeiras são provocadas por uma revolução no campo tecnológico da comunicação, cria simultaneamente uma linguagem global que vai interferir diretamente nos hábitos, e na cultura local de cada povo e não só das nações industrializadas, mas de praticamente todas as nações, pois como já se afirmou em momento anterior, o fenômeno da globalização não respeita fronteiras geopolíticas e nem pede licença à soberania para se instalar onde for do interesse do capital transnacional ou internacional.
Isto implica em que mesmo as decisões políticas importantes se processam hoje em função do mercado. Decorre daí se poder afirmar que os governos trabalham mais pelo bem estar do mercado que das populações nacionais, uma vez que o mercado termina por se constituir como parâmetro de sucesso ou de insucesso dos governos nacionais, muito mais significante que os índices de qualidade de vida das populações.
O processo de globalização dos mercados, como já se disse, tem influência em todo o mundo, independente do nível de desenvolvimento das nações, e seus impactos são sempre menos positivos paras as nações menos desenvolvidas do que para as desenvolvidas, embora também estas não estejam imunes aos seus efeitos negativos, pois qualquer abalo que sofrem economias emergentes, a prática tem demonstrado, terminam por afetar inclusive economias consideradas sólidas.
No que se refere especificamente à América Latina, no dizer de Coraggio (2000, p. 20) o acelerado processo de globalização
[…] significa o esgotamento de uma etapa do desenvolvimento econômico caracterizada, entre outras coisas, por: a) uma industrialização autocentrada em nível nacional, mas dependente em seus padrões de consumo e tecnológicos e de
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financiamento; b) uma modernização associada a uma urbanização demasiadamente acelerada com respeito à capacidade dinâmica da indústria para prover empregos produtivos; c) um desenvolvimento de sistemas de segurança social dos quais dependia a produção da força de trabalho, sobretudo da população urbana, e d) uma forte presença do Estado interventor na sociedade, regulando ou substituindo a atividade privada.
Claro que este posicionamento de Coraggio refere-se à realidade do ano 2000, e de lá para cá, como se sabe muita coisa já mudou, embora não o suficiente para invalidar seu ponto de vista. No que se refere ao caso especificamente brasileiro, o item d não é mais aplicável, pois há bastante tempo se adotou uma política lastreada no modelo neoliberal de intervenção mínima do Estado no sistema produtivo.
Da mesma forma que o fenômeno da globalização provoca transformações na economia, as rápidas transformações por que passa a sociedade moderna e globalizada levaram à emergência de uma pluralidade de novos sujeitos políticos, de novos espaços sociais no cotidiano da vida coletiva, a partir do desenvolvimento de novas práticas sociais, de novas falas e representações sociais, e mesmo de um movimento de retorno aos costumes tradicionalmente praticados, uma vez que a própria força da globalização por vezes volta-se contra ela mesma e desperta em muitos povos ou grupos sociais, “uma busca de recuperação de tradições perdidas e uma ênfase na identidade cultural local – vista em uma renovação das etnicidades e nacionalismos locais” (GIDDENS, 1995, p. 96), então, a complexificação das relações sociais, daí resultante tornou o cotidiano no centro da reprodução das relações de dominação, e da luta contra esta, politizando o “social” e provocando o descentramento do “político”.
Assim, perderia sentido a idéia de instituições políticas como instâncias claramente definidas em seus limites e atribuições, pois o poder político não estaria mais condensado em um determinado ponto da sociedade, mas encontrar-se-ia em constante construção e em todas as instâncias sociais, de sorte que ele, o poder está em toda parte, no âmago das relações sociais, mas como realidade fugidia e sempre apenas insinuada, pois mesmo as instituições representativas das nações, não raro vêem o poder que supostamente têm diluir-se antes as conveniências do mercado e das relações globalizados.
O processo global da sociedade é um processo causal, que possui suas próprias normatividades, mas não é jamais objetivamente dirigido para a realização de finalidades. Mesmo quando alguns homens ou grupo de homens conseguem realizar suas finalidades, os resultados produzem, via de regra, algo que é inteiramente diverso daquilo que se havia pretendido. Portanto não se pode pensar a globalização com uma simples continuidade da
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expansão do capitalismo, pois, pelo menos para Giddens (1995, p. 96) a revolução tecnológica da comunicação eleva a sociedade global para além das questões meramente de mercado. “A comunicação global instantânea penetra o tecido da experiência cotidiana e começa a reestruturá-lo – embora ela, por sua vez, também seja reestruturada, em um processo contínuo”.
O mundo anteriormente dividido em dois grandes blocos econômicos e político-ideológicos, como já foi demonstrado, perdeu estes referenciais paradigmáticos. Mesmo a divisão geopolítica, Ocidente-Oriente não ficou imune às influências da globalização, mas ao contrário, tornou-se um mundo só, embora ainda guarde muitas diferenças em seus traços culturais mais marcantes. No dizer de Ianni (1997, p. 69), “Está em curso um novo ciclo do processo de ocidentalização do mundo. Uma ocidentalização que é simultaneamente social, econômica, política e cultural […]”. No entanto, este modelo novo aparentemente unificador, carece da definição de um modelo econômico solidário, e da clareza de uma sociedade onde as pessoas possam viver e ser felizes, pois os determinantes estruturais ficaram cada vez mais vulneráveis a toda e qualquer forma de dominação relativizando cada vez mais a concepção de direita e esquerda.
A despeito disso, é de se compreender que o que se reconhece como estilhaçamento da política, pode não ser exatamente isso, mas a ampliação do campo da política. Ao contrário de “novos sujeitos”, que substituam os velhos sujeitos – como, por exemplo, o proletariado ou a oligarquia – o que se tem são sujeitos políticos renovados pluridimensionalmente, por conta exatamente da complexidade das relações que se dão agora em escala mundial. Neste caso, o que se tem são espaços políticos esquecidos na cotidianidade e que necessitam ser conectados à totalidade concreta para que possam ser apreendidos, pois pensar o cotidiano isoladamente sem qualquer sentido histórico, pode implicar em que o homem pode ser atropelado pela subjetividade reificada dos sujeitos sociais imersos na cotidianidade do mundo do capital, o qual não vê o humano como humano, mas como potencial consumidor de produtos e serviços, dos quais nem sempre tem real necessidade, mas cuja necessidade é criada em função não só da viabilidade, mas da expansão insaciável do mercado.
2.3 O cotidiano
A vida cotidiana tem um caráter heterogêneo, pois nela há a inserção de todas as formas de atividade humana. A conduta humana específica da cotidianidade é a conduta
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imediata, porque a relação que se estabelece entre o pensamento e a ação se constitui como uma relação direta, indispensável aos automatismos e ao espontaneísmo necessários à reprodução cotidiana do indivíduo. Cada pessoa participa da vida cotidiana, envolvendo-se nela integralmente com o conjunto de suas forças e atenções. “O indivíduo responde as demandas cotidianas considerando o conjunto dos fenômenos que compõem cada situação vivenciada e não as relações que os vinculam e lhes dão sentido” (PAULO NETO.; FALCÃO, 1987, p. 66).
Então, cotidiano é um dos níveis constitutivos da história: aquele em que a reprodução social se realiza pela própria reprodução dos indivíduos.
A reprodução de cada indivíduo termina por implicar na reprodução indireta da sociedade. Enquanto espaço-tempo de constituição, produção e reprodução do ser social a vida cotidiana é ineliminável. Em cada sociedade, a cotidianidade tem uma estrutura distinta, o que afetará diferenciadamente o âmbito, o ritmo, as regularidades e os comportamentos dos diversos sujeitos coletivos na vida cotidiana (PAULO NETO.; FALCÃO, 1987, p. 65).
O indivíduo imerso no cotidiano está submetido a uma dinâmica especial, que exige respostas funcionais às situações vivenciadas. Ele se move no cotidiano pela manipulação das variáveis que estão ao seu alcance e não exatamente a partir de um conhecimento dos elementos que constituem uma determinada situação, nem tampouco da lógica de sua estruturação. Assim, a cotidianidade é o mundo da manipulação e da instrumentalidade porque a
atitude primordial e imediata do homem, em face da realidade, não é a de um abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina realidade especulativa, põem a de um ser que age objetiva e praticamente, de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais.Portanto, […] apresenta-se como campo em que exercita a sua atividade prático sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade.No trato prático utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo “em situação” cria suas próprias representações da coisas e elabora então um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade (KOSIK,1976, p. 9-10).
Assim, o cotidiano numa sociedade globalizada onde cada vez mais precocemente o cidadão tem que tomar decisões de toda ordem, a lei do consumo gera necessidades de beleza, sucesso, o que implica em uma gama de doenças psicossociais que não encontra suas
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raízes no domínio corporal de cada indivíduo, mas configura-se num ato sociológico por ser a concretização da deteriorização que os seres humanos estabeleceram em sua busca incansável pelo desenvolvimento, o que engloba a busca pela satisfação de necessidades de toda ordem, quer seja física, quer seja psíquica, e nisso resulta os efeitos combinados de globalização e de reflexividade social.
Tudo isso converge para que o indivíduo perca sua identidade e se sinta alienado no tecido social. Mesmo o corpo, o maior marco de referência do eu, da individualidade, da alteridade, pode ser alterado (desde que se possa pagar) para adequar-se a exigências de ordem social e até mercadológica, o que só vem comprovar a insatisfação do ser humano com tudo o que se lhe apresenta da forma que é. Sabe-se que o ser humano, para utilizar uma linguagem psicanalítica freudiana, é movido pelo desejo, o qual busca incessantemente satisfação. Mas no momento mesmo em que há repleção, surge um novo desejo, portanto, uma nova necessidade, inclusive em relação ao próprio corpo. Assim,
A identidade de uma pessoa necessita, em grande parte, ser descoberta, construída, sustentada ativamente. Da mesma forma que o self, o corpo não é mais aceito como “sina”, como bagagem física que vem junto com o self. Cada vez mais temos que decidir não só quem somos, e como agimos, mas como parecemos para o mundo exterior. O crescimento de distúrbios alimentares é um índice negativo do avanço desses desenvolvimentos no âmbito da vida cotidiana (GIDDENS, 1995, p. 97).
O que se depreende da citação acima, é que o ser humano, atualmente, vive menos para si mesmo e mais para o mundo externo, portanto, para o mundo social, e em decorrência disso vive em constante esforço para encontrar pontos de ancoragem para a própria identidade, uma vez que a identidade que ostenta pode ter sido artificialmente construída, de modo que há a necessidade de se redescobrir sempre quem de fato é. Tudo isso junto, naturalmente, provoca, por decorrência um permanente estado de stress resultante de numa tentativa do indivíduo em se sentir incluído social e economicamente, o que é sempre complicado, pois “[…] os mecanismos de exclusão são normalmente sociais e psicológicos. Em outras palavras, eles não dizem respeito apenas à sujeição às formas de poder advindas do controle técnico de sistemas baseados em conhecimento, mas também atacam a integridade do self” […]” (GIDDENS, 1995, p. 106).
2.4 Da política de vida
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O fenômeno da globalização refere-se às relações políticas e econômicas decorrentes da mundialização do sistema de produção capitalista defendido e praticado pela direita, com todas as vantagens e desvantagens provenientes desse sistema, que como se sabe, valoriza mais o capital que a vida, como já ficou amplamente demonstrado. Por outro lado, “A perspectiva política de esquerda – e, em reação, portanto contrária à da direita – esteve sempre centrada em uma idéia de emancipação” (GIDDENS, 1995, p. 106).
Se a esquerda prima pela emancipação do indivíduo, naturalmente esta emancipação implica liberdade, portanto, implica na defesa de um desenvolvimento social pautado na liberdade de fazer, se não o necessário, pelo menos o possível de forma séria, o que é bem diferente de esperar o necessário e o possível de pessoas e instituições eqüidistantes da realidade, das necessidades e dos desejos de cada uma das pessoas componentes do tecido social. Isto naturalmente, por si só, justificaria o desejo e a necessidade de emancipação política, que se ainda não se configura como realidade aqui e agora, se constitui em um ideal a ser perseguido e pelo qual vale a pena lutar, porque, como diz Giddens (2005, p. 106), “A política de vida é uma política de identidade e uma política de escolha”.
A compreensão de uma política de vida implica na compreensão e na justificação das lutas travadas por todas as pessoas para determinar a forma como desejam ou devem viver no mundo, pois um mundo, embora em princípio seja natural, sofre a ação do homem que se insurge contra todo e qualquer determinismo, mesmo que este seja de ordem natural, de forma a poder adequá-lo às suas necessidades e a seus desejos, e pelo menos aparentemente, uma política de vida seria mais valorizada pela esquerda que pela direita, embora isso nem sempre tenha se mostrado na prática, pois em muitos e diversos momentos da história política recente se testemunhou líderes que se pronunciavam pela esquerda, em flagrante desrespeito à autonomia e à liberdade, exatamente em função da manteneção de uma ordem contrária à direita. De qualquer forma, será sempre melhor defender uma política de vida que uma política meramente de mercado.
Importa saber que uma política realmente de vida, deverá colocar-se para além da direita e da esquerda, sem que isto queira significar uma política centrista liberal ou neoliberal, porque a vida está para além das perspectivas ideológicas de quaisquer colorações ou direcionamentos. Tanto é que, no dizer de Giddens (1995, p. 107),
A política de vida não é, ou não é só, uma política do pessoal; os fatores envolvidos tornaram-se genéricos em relação a muitos aspectos da vida social, inclusive alguns de grande envergadura. As questões ecológicas e feministas são de grande
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importância nas lutas de política de vida, mas certamente não as esgotam. Em vez disso, pensar em termos de política de vida ajuda a explicar porque essas questões atingiram essa proeminência.
A política de vida, portanto, se configura como reação não apenas importante, mas necessária, principalmente em um mundo como o atual em que o homem encontra-se totalmente desterritorializado, uma vez em que faz parte de um mundo que já não conta com o suporte dos valores das tradições e em que a própria natureza deixou de ser natural, de sorte que o homem de hoje sente-se estrangeiro na sociedade à qual pertence e desambientado no espaço físico do solo que lhe viu nascer. Claro que não se deseja aqui a promoção de um saudosismo ufanista, mas apenas salientar que o homem necessita de referencial para se sentir fazendo parte de uma organização social e de um território que reconheça como berço de sua identidade e lhe confira a segurança necessária à fruição da vida.
Assim como uma política de vida deve se preocupar com o indivíduo, também deve ter preocupação como o coletivo, e isso implica interveniência em todos os âmbitos da vida individual e social e não apenas no campo econômico, pois é na con/viência, na vida em coletividade que o ser humano se individualiza por suas características pessoais e é reconhecido pelas outras pessoas, não apenas como um número, como um objeto, mas como rosto que se apresenta ao outro em toda a dimensão de sua alteridade. É no âmbito social, portanto, no convívio, que o indivíduo é reconhecido e valorizado pelos outros que lhe são semelhantes, mas não iguais. Isso não implica apenas a responsabilidade com os humanos da atual geração, mas acarreta responsabilidade ética com todos os humanos das futuras gerações, pois cada ser humano é responsável pela viabilidade da própria espécie em um mundo só possível, a partir da concepção e adoção de uma política de vida.
2.5 Mudança social e confiança ativa
Toda mudança, pela própria natureza de novidade que comporta é traumática. Será sempre difícil ao ser humano abandonar uma posição tradicional para se lançar rumo ao novo e ao incerto. No entanto, mudanças são necessárias à própria dinâmica da vida, pois todo organismo evolui ou pelo menos deve evoluir sob pena de não alcançar seu pleno desenvolvimento e o desenvolvimento sempre implicará em mudança de um estado para outro, de um estágio para outro. Essa dinâmica caracteriza não apenas a vida dos indivíduos particulares, mas também a vida das sociedades, as quais só sobrevivem em concordância com uma ordem social estabelecida, mas que sofre mudanças e transformações, a ponto de
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uma ordem social se tornar destradicionalizada, o que requer um processo readaptativo por parte dos indivíduos que a compõem.
Para que as mudanças sociais se processem de forma menos traumática, é necessário que os indivíduos tenham confiança uns nos outros e também nas instituições, pois
Quando o passado perdeu sua influência, ou tornou-se uma “razão” entre outras para que uma pessoa faça o que faz, os hábitos preexistentes são apenas um guia limitado para a ação, ao passo que o futuro, aberto a diversos “cenários”, torna-se de vivo interesse. O que está em discussão aqui, no contexto da incerteza artificial, é a questão de geração de confiança ativa – confiança nos outros ou em instituições (inclusive as políticas), que deve ser ativamente produzida e negociada (GIDDENS, 1995, p. 109).
Decorre daí, que uma política ativa deve considerar sempre uma concepção de política gerativa da vida e de seus interesses, o que significa, no mínimo, as condições necessárias a uma sobrevivência digna, entendida como aquela em que a pessoa tenha a possibilidade de agir com autonomia e liberdade e disponha dos recursos necessários à consecução dos legítimos desejos inerentes a cada ser humano para poder se realizar como pessoa humana, e isto está para além das idéias ortodoxas das políticas de direita e de esquerda, posições políticas em que a conquista e manutenção do poder vem antes do que o bem comum.
Por que uma política de vida se faz absolutamente necessária? Porque atualmente vive-se constantes crises provenientes de incertezas criadas artificialmente a partir de um ambiente global de risco em que predomina a pobreza que gera violências de toda ordem e vilipendia o ser humano e o torna menos humano ou mesmo desumano; porque os recursos naturais estão sendo exauridos em nome do desenvolvimento que jamais se materializa para a maior parte da população mundial; porque há enorme concentração de renda e de riquezas nas mãos de poucas pessoas; porque muitas nações continuam vocacionadas para um certo imperialismo e para viabilizá-lo lançam mão de grande arsenal bélico de extermínio em massa, inclusive armas biológicas, dentre muitos outros porquês.
A situação de risco é tal que já nem se reconhece as verdadeiras causas de tais riscos, e um exemplo, é que já nem se pode simplesmente responsabilizar o capitalismo por toda esta situação, como demonstra Giddens (1995, p. 114):
As causas da pobreza são complexas, e a tendência geral de mudança é difícil de ser interpretada. Os dias em que se podia simplesmente culpar a disseminação do capitalismo pelas desigualdades globais certamente já passaram, embora restem poucas dúvidas de que os mercados capitalistas com freqüência têm um efeito polarizador sobre as distribuições de riqueza e renda.
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A situação de medo em que vive o mundo era mais facilmente explicável durante a guerra fria em que a violência entre blocos políticos ideológicos antagônicos se encontrava diuturnamente potencializada. Hoje a violência global não está apenas em estado de potência, mas plenamente atualizada a partir da ação de grupos extremistas ou de nações que se arrogam o direito de intervenção militar em outras nações para supostamente manter a paz. Por seu turno, a situação de pobreza que gera violência, inclusive no âmbito do lar em que homens maltratam mulheres, era mais fácil de explicar, pois se podia creditar a concentração de riquezas ao capitalismo e a falta de democracia ao comunismo. Hoje os vilões são outros, outros ainda pouco conhecidos ou mesmo desconhecidos.
Para a superação da pobreza, da miséria e do eterno estado de violência, a prática já demonstrou que nem o capitalismo nem o socialismo se mostraram eficientes. É possível, como diria Giddens (1995), que a minimização do problema se encontre na idéia marxista de uma época de pós-escasseez que pelo menos em parte se configura como um realismo utópico, mas que pelo menos se colocaria como paradigma no campo ideal e estaria em concordância com uma política de vida. No campo prático, a sociedade atual tenta encontrar saídas e uma delas se encontra na chamada economia solidária desencadeada nos últimos tempos pelo que se reconhece como o terceiro setor da economia que não depende diretamente de políticas de Estado mas de iniciativas de setores sociais, cuja economia, dentre muitas outras vantagens, tende a utilizar os recursos naturais de forma menos predatória, pois o que ela deseja não é a acumulação de riquezas, mas o bem-estar social.
No âmbito macro, para seguir Giddens (1995), se a humanidade quiser sobreviver aos perigos inerentes à violência, há de encontrar caminhos para o poder negociado em detrimento do uso da força que é prática corrente e as guerras em andamento estão aí para atestar, cujo modelo pode não ser ainda o ideal, mas pelo menos, é o que mais se aproxima de uma concepção de democracia, que com todos os seus possíveis defeitos é o sistema de convivência mais aproximado de uma política de valorização da vida e do conceito de liberdade, liberdade a que todos aspiram, poucos vivem e ninguém define adequadamente. Para se alcançar e manter este estado que se aproxima de um convívio ideal, há a necessidade de eterna vigilância não só por parte dos Estados-Nação, mas também das organizações da sociedade civil e mesmo de cada pessoal individual, uma vez que o mal pode ser viabilizado por um só, mas o bem só pode ser viabilizado por todos os interessados no bem de todos.
 

3 CONCLUSÃO
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A modernidade representa em primeiro lugar uma ruptura com as crenças e certezas cristalizadas por cerca de mil anos de medievalidade, de forma que por conta desta ruptura com este período de estabilidade ela constrói suas bases sofre o efêmero, o fragmentário e o incerto. Noutras palavras, a modernidade sabia perfeitamente de onde vinha, mas não sabia para onde ia. O próprio Renascimento, como o nome indica, não é um movimento de progressão, mas de regressão. É como se o mundo estivesse com saudades de um mundo que tinha por base o logos grego, e mesmo a “razão” naturalista presidida pelos deuses míticos.
O Iluminismo, cuja promessa se configurava como a redenção do homem moderno através da utilização das luzes da razão, mais desuniu que uniu os homens, pois incentivou a concorrência que redundou em um individualismo exacerbado, de modo que sua promessa não foi integralmente cumprida, pois o desenvolvimento da ciência e da tecnologia que se prestaria à promoção do bem foi amplamente utilizado para a promoção do mal.
A Revolução Industrial que em primeiro momento parecia contribuir para o progresso e mesmo para o desenvolvimento social, não se mostrou eficiente, pois se prestou mesmo foi à exploração do trabalhador pelos detentores do capital, a cuja exploração, mais tarde se contrapôs o socialismo, cujo discurso era sedutor, mas iniciou sua ação pela violência e pela prática ditatorial. Estes dois fenômenos reconhecidos como direita e esquerda, ocupando posições antagônicas e mesmo maniqueístas, contrapuseram dois blocos sócio-econômicos, cujo evento recebeu a denominação de guerra fria, cujo fim se iniciaria simbolicamente pela derrubada do muro de Berlim.
No entanto, o que se verificou não foi a paz entre as nações, mas o predomínio do capitalismo com aspirações hegemônicas, o que redundou no fenômeno da globalização da economia e das relações sociais, a partir do que se costumou denominar de Revolução da Informação. As conseqüências da globalização são visíveis e sentidas em todos os locais e em todos os níveis sociais e econômicos, uma vez que a globalização não respeita nem as fronteiras geopolíticas nem a soberania das nações e beneficia sempre os mais ricos que os mais pobres, de sorte que ela socializou mais a miséria e a violência que a riqueza e a paz, e tudo isso à custa dos recursos naturais, inclusive dos não-renováveis que se constituem como bem de todos, mas que com tal forma de uso só beneficiam a alguns.
No momento atual, rico em riscos artificiais, a dicotomia direita versus esquerda está superada e é isto mesmo que o próprio Giddens (1995) demonstra na unidade bibliográfica estudada, mas isso além de não trazer a paz e a justiça sociais esperadas e necessárias, deixou um vazio, uma incerteza de como conduzir os destinos da humanidade de forma mais democrática e mais justa. É neste ponto que o autor aponta para uma saída que comporta uma ética da responsabilidade e porque não dizer, do cuidado, que se caracteriza
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como uma política de vida, uma política de valorização da vida não apenas do ser humano, mas de toda a vida do planeta.
Naturalmente que uma política de vida assim concebida, para sua viabilização necessitaria de todo o empenho dos governos e também do empenho diuturno de todas as organizações sociais e mesmo do esforço continuado de cada pessoa individualmente. Sua existência e vigência devem provir de uma ordem socialmente construída e não imposta por quem quer que seja, única forma de se garantir a democracia entendida como autonomia e como liberdade. É possível que tal ordem comece a ser construída a partir do que hoje se reconhece como Economia solidária concebida por um terceiro setor que não almeje a acumulação de riquezas, mas a satisfação das necessidades individuais e coletivas, única forma de ser viver com alguma dignidade.
ABSTRACT
In this study performs a reflection of what is called the social revolutions of our time, from the sociological position of Anthony Giddens, which relativizes the issues related to the political positions of right and left, which at one time in history stood in antagonistic positions with wide coverage to the point that, under such ideologies, the world was divided into two blocks, whose division was formed as the genesis of political and economic phenomenon called cold war. In the opinion of Giddens, none of these ideological positions succeeded in fulfilling what was promised to the people of member nations that have adopted the system of government and as a foundation for the relations of production, such as high levels of economic and social development and overcome the levels of inequality among the nations of their hegemonic blocs, each in its own way. In addition, we discuss issues related to the phenomenon of globalization brought about by the development of communication technologies and information, a phenomenon which, by its dimensions, reaches all peoples of the world, but, having been placed in the service system capitalist production driven by the neoliberal model, has also contributed to the improvement of human development indices, especially of the poorest nations. Thus, as understood by Giddens, the solution would be to adopt a policy of life, where there is appreciation of the human and the possibility of overcoming inequalities and fear created artificially by an expert to know that dominates the world of technology. Keywords: Revolution. Social revolutions. Right. Left. Globalization. Thinking of Giddens.
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