Nas redes sociais há indivíduos que vendem sua imagem através de confessionários e vitrines eletrônicas, eliminando a fronteira entre público e o privado. Eles tentam satisfazer os padrões efêmeros idealizados pelo mercado. Aqueles que zelam pela invisibilidade, os discretos e os tímidos geralmente recebem rejeições. Há empresas que selecionam os clientes valiosos e rejeitam os clientes indesejados através de softwares que manuseiam e compartilham bancos de dados sobre perfis de consumidores. Noutra senda, certos governos enunciam novos sistemas de imigrações através da seleção de candidatos que o mercado pontua como mais atraente, ou seja, aqueles com mais dinheiro e habilidades desejáveis. O que esses casos têm em comum? Todos são casos de aliciamento ou estimulação forçada com o propósito de se promover o ser humano como uma coisa, em suma, uma mercadoria desejável.    

As pessoas são ao mesmo tempo mercadorias, promotoras de mercadoria, o marketing e seus vendedores. O mercado testa as pessoas com prêmios sociais, exigindo delas sempre uma remodelação de si próprias como mercadorias para atender as vontades passageiras do consumo. Prioriza-se o ter. Quem tem mais, tem mais valor perante a sociedade consumerista. O ser é indissociável do ter. Ser sem ter não há valor.

A sociedade capitalista é movida por encontros e transações interminavelmente repetidos entre o capital, o trabalho, a mercadoria e o consumo. Esses encontros exigem processos de desregulamentação e privatização. Os processos estão em constante inovação. Ao Estado, cabe estimular esses processos com o dinheiro público.     

As pessoas que buscam trabalho devem ser nutridas, saudáveis, plantonistas, flexíveis, generalistas, sempre dispostas a atender aos padrões exigidos pelo mercado. Ao lado disso, devem estar preparadas para serem descartadas quando não se adequam ou nem servem mais aos padrões idiossincráticos e passageiros. O empregado ideal é a pessoa sem vínculos emocionais, pronta para assumir qualquer tarefa, preparada para se ajustar, reajustar as suas próprias inclinações, abraçando novas prioridades e abandonando as anteriores.

Precisa-se de emprego para poder consumir, vender sua imagem, cultuar o ter, se valorar, obter status e prestígio na sociedade de consumo. Na sociedade de consumidores, ninguém se torna sujeito sem antes de se tornar uma mercadoria. 

A tarefa dos consumidores e o motivo de se engajarem nas atividades incessantes de consumo é sair da invisibilidade, destacando-se da massa e captando o olhar dos outros que querem consumir o seu estilo de vida, sua mão-de-obra ou até mesmo o seu corpo sexualmente.  Tornar-se uma mercadoria adequada é a matéria que são feitos os sonhos e os contos de fadas pós-modernos.

O fetichismo da mercadoria, consistente na equivalência do trabalho ao status de mercadoria, é uma ilusão. A capacidade de trabalho não pode ser vendida em separado dos seus portadores. Quem compra o trabalho não pode levar o portador para a casa, não é proprietário do trabalhador, não está livre para usar e abusar. Cada contrato de trabalho é uma refutação do fetichismo da mercadoria.

Se foi esse o objetivo do fetichismo da mercadoria ocultar a substância humana atrás do trabalho, o fetichismo da subjetividade busca ocultar a essência humana, buscando comodificar o individuo na sociedade de consumidores. No fetichismo da subjetividade busca-se comprar e vender os símbolos da identidade humana sob a aparência de produto final. Eu compro, logo sou. O fetichismo da subjetividade nas relações de consumo, assim como o fetichismo da mercadoria nas relações de trabalho, é uma ilusão. O ser humano não pode ser objetificado, pois lhe é intrínseco certas virtuosidades, como a amizade, a devoção, a solidariedade e o amor.

A sociedade de consumo representa o tipo de sociedade que se promove, encoraja ou reforça um estilo de vida ou uma estratégia existencial consumerista. A sociedade de consumo rejeita qualquer cultura alternativa que a contraponha. 

Na sociedade de consumo todo mundo é e deve ser consumidor por vocação. Trata-se de um dever humano universal que não admite exceções. Se os consumidores não corresponderem aos apelos do mercado, eles tendem se sentir abaixo dos padrões ideais, inadequados e deficientes. Os produtores considerar-lhe-ão como consumidores falhos, que não necessitam de assistência, podendo haver exclusão ou discriminação.

A finalidade precípua do consumo na sociedade em questão não é atender vontades, desejos ou necessidades, mas sim a comodificação ou recomodificação do consumidor: elevá-los ao standard de mercadorias vendáveis. Fazer-se a si mesmo uma mercadoria vendável é um desafio a ser enfrentado.

A concepção de que o ser humano é uma obra incompleta vem da antiguidade. A sociedade de consumo promete completar o ser humano com o “ter ideal” se este se enquadrar nos padrões. Quem não se enquadra nos perfis desejáveis, arca individualmente com essa frustração “prometética”. A responsabilidade do desempenho é exclusivamente do indivíduo. Ele deve se esforçar, ter o mérito, para ter o “ter ideal”. Se ele alcança o “ter ideal”, logo é respeitado, desejado, assediado e louvado. O conto de fadas se completa. O ser humano passa a ser uma obra terminada, uma mercadoria bem lapidada e acabada, mesmo que temporariamente.

Nessa conjuntura, a cristalização do irresistível engendrada na sociedade de consumo condiciona os indivíduos a buscarem o status do que é “ser considerado irresistível. ” Como consequência, eles passam por restrições, falta de liberdade para a autonomia e para o autodomínio individual. 

As leis do mercado se aplicam de forma equitativa às coisas escolhidas e seus selecionadores. Só as mercadorias podem entrar nos templos de consumo, seja como produtos, seja como clientes. Nesses templos os adoradores e os adorados são mercadorias. Para adentrar nessa sociedade, homens e mulheres devem atender aos padrões de elegibilidade definidos pelo mercado.

Nesse templo, ocorre a competição entre as mercadorias, quem possui o valor de mercado mais favorável, será ao final mais adorado.

Na sociedade de consumidores o soberano não é um rei, rainha, ditador, representante eleito democraticamente ou a lei nascida do parlamento, mas sim o mercado de bens de consumo. É no local de encontro entre vendedores e compradores, que se realiza a separação entre os condenados e os salvos, incluídos e excluídos, em síntese, é lá que se aparta as mercadorias adequadas das defeituosas ou viciadas.

Os políticos e o próprio Estado, a propósito, se curvam diante da soberania do mercado de consumo. Quem inclui ou exclui os sujeitos da sociedade não é somente o Estado, mas também compete ao poder impessoal do mercado. O Estado enfraquecido cede suas prerrogativas e o seu poder de agir na direção dos mercados. A política ainda permanece com o Estado, mas a sua liberdade de manobra e o poder de apitar as regras do jogo tende a diminuir. A soberania estatal nessa esteira sofre erosão. O legislativo e o executivo são cooptados e operacionalizados frequentemente pelas forças do mercado.

Todas as civilizações no decorrer da história foram sustentadas por um processo de repressão, doutrinação e coerção. Entretanto, nem todos aceitavam essa dominação e em decorrência disso havia guerras e revoltas. Com a descoberta dos métodos de manipulação de comportamentos, posteriormente praticados pela sociedade moderna de consumidores, não houve mais dissidências e resistências significativas. Em vez do sacrifício pela pátria, pelo amor às tradições, a bola da vez passa a ser festivais prazerosos, datas comemorativas, saldões, copas do mundo, carnavais ou partidas de críquete. O patriotismo vira patriotenimento de uma folia eminentemente festiva e ávida pelo consumo.     

Na sociedade líquido-moderna de consumidores não há mais grupos com líderes, hierarquia e estruturas de poder. O que há de fato são enxames que se reúnem, dispersam, se juntam novamente, guiados por relevâncias diferentes e constantemente mutáveis. Os enxames são um conjunto de pessoas agregadas (mercadorias), unidas por uma solidariedade mecânica, manifestada na reprodução de comportamentos semelhantes e se movendo em direção similar. 

Os vínculos que se estabelecem nessas relações de consumo, durante a formação contínua dos enxames, geralmente são superficiais, não duradouros, unidos por ocasião, frágeis, leves e com pouca influência.

A participação ativa nesse mercado de consumo é a principal virtude que se espera dos membros da sociedade de consumo. Não importa se a pobreza aumentou junto com as desigualdades sociais. O que importa é o crescimento do PIB. Se o PIB decresce, quem vai tirar o país da recessão são as pessoas com a conta bancária no azul, dignas de crédito, quem os bancos ouvem, sorriem, gostam de dizer sim. Em suma, são os desejáveis. Quanto ao pobre, pobre do pobre! Ele tem de ser estimulado a gastar o pouco dinheiro que lhe resta com objetos de consumo sem sentido, e não com as necessidades básicas, pois precisa evitar a total humilhação social.

REFERÊNCIA:

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Zahar, 2008.