RESTITUIÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE ICMS EXPORTAÇÃO[1]

Mariana Pereira Nina[2]

Fabiano Ferreira Lopes[3]

 

1 SINOPSE DO CASO

Em agosto de 2002, a empresa Silva & Silva Comércio Ltda., nome fantasia SS Comércio, que atua sob a atividade econômica comércio varejista de mercadorias em geral, com sede em São Luís, Estado do Maranhão, foi autuada por inadimplência no pagamento do ICMS devido de diversos meses referentes aos exercícios financeiros de 1999 a 2000.

A então Gerencia Estadual da Receita Estadual do Estado do Maranhão – GERE, atual Secretaria de Fazenda do Estado do Maranhão – SEFAZ-MA, intimou a SS Comércio, em 06 de fevereiro de 2002, por meio de carta, para que liquidasse os referidos créditos tributários em 72 (setenta e duas) horas, sob pena de inscrição na Dívida Ativa e suspensão no cadastro de contribuintes.

Desta forma, a alta administração da empresa, após consultar seu contador, resolve por utilizar o expediente de compra de créditos tributários de ICMS exportação, nos termos decreto Nº 16.501 de 19 de outubro de 1998 para liquidar os créditos tributários ora exigidos por meio do instituto da compensação.

Sendo assim, tempestivamente, o contador protocolou pedido de compensação que, nos termos da lei, foi devidamente deferido, acarretando a extinção dos referidos créditos tributários.

Ocorre que, após análise dos fatos, os advogados da empresa entenderamser cabível a redução da multa paga em 60% (sessenta por cento), por estar enquadrada nos termos do art. 907, I do Decreto 14.744/95 de 29 de setembro de 1995 - Regulamento do ICMS de 1995, RICMS/1995 – que assim determina quando os valores são compensados em menos de 30 (trinta) dias.

Neste sentido, a alta administração, após a explanação dos advogados da empresa, buscou a análise dos pontos levantados pelo advogado intenta descobrir a viabilidade ou não do ajuizamento de Ação de Repetição de Indébito Tributário.

 

2        IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Questões Relevantes

A priori, cabe ressaltar os pontos relevantes que necessitam de uma rápida abordagem antes do parecer final. Assim, temos no caso versante a intenção de repetição de indébito com relação a multa computada pela inadimplência.

Assim, partindo dos conceitos tributários específicos, temos que como a obrigação em questão, era a do pagamento do ICMS, classificamos a mesma como obrigação principal, de dar - dinheiro. Ocorre que, se temos a obrigação principal do serviço prestado como no caso, e a obrigação acessória de apresentar notas, comprovantes de adimplemento, a partir do descumprimento desta última, ela que antes era acessória, converte-se em multa, “tornando-se” uma principal[4].

Ou seja, a partir do momento em que existiu a inadimplência da obrigação acessória, ela atua como um fato gerador de uma obrigação principal, fornecendo a penalidade pecuniária como solução[5].

Portanto, encontra-se devidamente legitimada a possibilidade de penalidade pecuniária no caso, tendo em vista que a inadimplência que fez com que incidisse a multa.

Pela existência de AI, Auto de Infração, caracteriza-se a multa como multa por infração tributária (e não tributo), fazendo a aplicação do principio da capacidade contributiva e as aplicações das restrições constitucionais na sua imposição.

Portanto, compreendendo o acima disposto, encontra-se legitimada a imposição de multa.

Temos, disposto no Capítulo II (das penalidades), Seção I (das multas) no RICMS/95 do Estado do Maranhão, em seu art. 903:

Art. 903. O descumprimento das obrigações principal e acessória previstas na legislação tributária, apurado mediante procedimento fiscal cabível, sem prejuízo do pagamento do valor do imposto, quando devido, sujeitará o infrator às seguintes multas (art. 40 da Lei 6.866/96)

Assim, partindo da hermenêutica com a qual baseamos nosso Direito, obtemos a compreensão de que o descumprimento das obrigações tributárias, independente de sua natureza, devidamente fiscalizadas – como no caso, pela SEFAZ/MA elaborando uma notificação para a quitação – dará ensejo ao pagamento de multa, como supracitado, por infração, sem prejuízo do pagamento do tributo.

Nesse momento é que os advogados da empresa ao observarem o art. 907 do mesmo dispositivo encontraram os casos específicos que reduzem as penalidades desde que cumpridos alguns requesitos, conforme, in verbis: “Art. 907. As multas oriundas de Termo de Verificação ou Auto de Infração terão o seu valor reduzido:
I - de 60% (sessenta por cento), quando o crédito tributário exigido for pago no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data da intimação.”
.

Neste sentido, visto que os valores cobrados foram compensados dentro do prazo de trinta dias previsto no regulamento do ICMS do Estado do Maranhão, intenta-se a restituição de 60% dessa multa que já foi devidamente paga, com o instituto da compensação utilizado, porque esta se enquadraria no abatimento ofertado pelo RICMS/95 que procura incentivar o pagamento do crédito dentro de 30 dias.

2.2 Da compensação como meio de extinção de crédito Tributário

Após o entendimento pontuado acima a respeito do que levou à penalidade pecuniária e ao questionamento principal do caso versante, passa-se a breve compreensão do instituto da compensação tributária, para que seja analisada a satisfação ou não do crédito.

Temos no art. 155 da Constituição Federal brasileira, a disposição sobre o ICMS, instituindo sua possibilidade de figurar no polo de uma compensação:

Art. 155(.....)

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo o mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal .

O Código Tributário Nacional nos traz em seu art. 156 as diversas hipóteses de extinção do crédito tributário (com o pagamento, transação, remissão, prescrição e a decadência, conversão de depósito em renda, pagamento antecipado, consignação em pagamento, decisão administrativa irreformável, decisão judicial passado em julgado e dação em pagamento em Bens imóveis) estando dentre elas, e unicamente importante para o caso, a compensação (disciplinada especificamente no art. 170 do CTN).

Vale ressaltar que, uma vez efetuada a compensação ocorre não somente a extinção do crédito tributário – como o artigo nos leva a induzir – mas também da obrigação tributária.

Podemos definir a denominada compensação enquanto um “encontro de dívidas”[6] aonde existem duas relações opostas, quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma com a outra. É extinta a relação de débito do fisco, o seu objeto e o próprio direito subjetivo do credor. Em contrapartida, desaparece o dever jurídico no caso do sujeito passivo e o direito subjetivo - de haver as prestações -, no caso o sujeito ativo[7].

Como já analisado no art. 155 da CF já transcrito acima, o direito ao bom emprego do crédito é decorrente da chamada não-cumulatividade que tem como garantia a Constituição Federal. As únicas exigências para utilização desses créditos são com relação à veracidade dos documentos e a observação das normas referentes à qualquer tipo de registro, seja da nota fiscal ou outro documento sempre obedecendo aos prazos e condições previstos na lei.

Assim, após as devidas observâncias formais e legais, a compensação é legitimada mediante a entrega de uma declaração que trará toda e qualquer informação relativas aos créditos utilizados e seus respectivos  débitos que formaram a relação que dará origem à compensação. Efetuado tal procedimento até a Secretaria da Receita Federal, extinguirá o crédito tributário.

 

2.3 Da Repetição de Indébito: cabimento ou não?

 

A ação de repetição de indébito, de caráter tributário tem a base de toda e qualquer ação nesse sentido, impedir o enriquecimento sem causa restituindo pagamentos indevidos.

Ela se encontra prevista no Código Tributário Nacional, podendo ser relacionada à matéria de sua referência no Código de Processo Civil.

A respeito da supracitada compensação, temos que ela não interferirá no objetivo de obter o desconto de 60% sob a multa, pois o direito à restituição dos valores pagos independe da modalidade de pagamento adotada pelo sujeito passivo.

Para que possamos concluir a utilização ou não da referida ação, temos à análise da matéria tratada no CTN:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

 

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.

(Grifo Nosso)

Ainda, o Regulamento do ICMS do Maranhão afirma:

Art. 101. Deferido o pedido em última instância administrativa, o contribuinte procederá ao crédito do imposto restituído, no Registro de Apuração do ICMS, modelo 9, na coluna 007 - "Outros Créditos", com a expressão: "Restituição de ICMS- Processo n.º _________ ".

§ 1º. A restituição do imposto dá lugar à restituição na mesma proporção, dos juros de mora, da correção monetária, acréscimo e penalidades pecuniárias, salvo as referentes às infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.

Vale ressaltar, da leitura dos dispositivos supracitados, que é ilegítima a Ação de Repetição de Indébito para tributos que obtiveram pagamento indevido, classificando a inadequação da via eleita!

Os referidos dispositivos fazem menção a tributos, pagamentos indevidos. Como é sabido, multa não possui natureza de tributo e sim uma penalidade tributária. Temos refletido nas palavras de BUSCHEN que “a multa tributária é espécie de sanção fiscal, que representa uma consequência negativa prevista no ordenamento jurídico, por ser oriunda de atos omissivos ou comissivos do sujeito passivo relativos ao descumprimento de obrigação tributária principal”[8].

Neste sentido, a ação de repetição de indébito teria que gozar de um pagamento indevido do imposto por completo, não apenas da multa – que sequer foi indevida - pois não existiu nem o caráter espontâneo do pagamento, sendo somente paga pela intimação, pois já havia a inadimplência com o risco de inscrição na Dívida Ativa.

Isso não significa que não será possível a restituição do valor abatido dos 60%, mas apenas que utilizaremos outro meio para tanto.

Pelo contrário, o meio adequado é uma simples ação de Restituição que pode ser efetuada através da via administrativa, pois pela ausência de caráter indevido e pela multa não ser tributo, e ser acessória, não haveria motivo para ressarcimento em dobro (e nem os requisitos necessários para seu enquadramento) através da repetição de indébito.

Se for objetivada a restituição total do imposto para que haja o abatimento, aí sim poderia ser intentada uma ação de repetição, que traria a restituição da compensação, porém, após análise do caso, é perceptível que não existe a presença de pagamento indevido, o que não alimentaria tal via.

  

REFERENCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Impetus, 2005

ALVES, Danilo. Extinção da Obrigação Tributária, Compensação e Repetição do Indébito. Disponível em: <http://www.classecontabil.com.br/artigos/ver/2240> Acesso em 03 out 2012

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2006

BÜNDCHEN, Somaia Gasel Khodr. A natureza jurídica das multas tributárias. Brasília: 2009. Disponível em: http://www.ibet.com.br/monografia/120.pdf. Acesso em: 05 de outubro de 2012

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2007

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000

SEABRA, Gilda Maria Giraldes. Obrigação Tributária. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/RFD/article/view/517/515>, Acesso em 05 out 2012


[1] Case apresentado a disciplina de Direito Tributário I, do Curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Aluna do 7º período noturno do Curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, em 2012

[3] Professor Mestre

[4] SEABRA, Gilda Maria Giraldes. Obrigação Tributária. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/RFD/article/view/517/515>, p. 99

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 101

[6] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 238

[7] ALVES, Danilo. Extinção da Obrigação Tributária, Compensação e Repetição do Indébito. Disponível em: http://www.classecontabil.com.br/artigos/ver/2240

[8] BÜNDCHEN, Somaia Gasel Khodr. A natureza jurídica das multas tributárias. Brasília: 2009. Disponível em: http://www.ibet.com.br/monografia/120.pdf. Acesso em: 08 de outubro de 2012, p.13