RESTAURANTE POPULAR NO SERTÃO, JUAZEIRO DO NORTE – CE, RESSIGNIFICAR A ALIMENTAÇÃO PARA CLASSES MENOS FAVORECIDAS

Por José George Dantas de Oliveira | 21/11/2024 | Sociedade

RESTAURANTE POPULAR NO SERTÃO, JUAZEIRO DO NORTE – CE, RESSIGNIFICAR A ALIMENTAÇÃO PARA CLASSES MENOS FAVORECIDAS

 

POPULAR RESTAURANT IN SERTÃO, JUAZEIRO DO NORTE – CE, REDESIGNING FOOD FOR LESS FAVORITE CLASSES

RESTAURANTE POPULAR EN SERTÃO, JUAZEIRO DO NORTE – CE, REDISEÑANDO LA COMIDA PARA CLASES MENOS FAVORITAS

 

OLIVEIRA, José George Dantas de

Graduando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Paraíso

dantasgeorge543@aluno.fapce.edu.br

FREIRE, Giovanna Garcês

PINTO, Igor Miranda


 

RESUMO

O Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), criado durante o governo de Getúlio Vargas (1951-1954), foi uma iniciativa para melhorar a alimentação dos trabalhadores, oferecendo refeições a preços acessíveis e complementando suas rendas diante dos baixos salários. O Decreto-Lei 5.443, de 1943, ampliou as funções do SAPS, permitindo a divulgação dos benefícios nutricionais dos alimentos. A unidade principal, localizada no Rio de Janeiro, oferecia refeições, além de atividades culturais e educativas para os trabalhadores e suas famílias. Em 2004, o Programa Restaurante Popular retomou essa proposta, focando nos grupos vulneráveis da sociedade. Este estudo visa identificar obstáculos à criação de restaurantes populares em cidades com demanda, analisar políticas de educação alimentar e examinar o papel desses estabelecimentos na geração de empregos e no desenvolvimento comunitário. A pesquisa utiliza dados do IBGE, fotografias e análise bibliográfica, esperando contribuir para políticas públicas de segurança alimentar e dignidade humana.

Palavras-chave: Fome. Restaurante Popular. Segurança.

 

ABSTRACT

The Social Security Food Service (SAPS), created during the government of Getúlio Vargas (1951-1954), was an initiative to improve the nutrition of workers by offering affordable meals and supplementing their incomes in the face of low wages. Decree-Law 5,443 of 1943 expanded the functions of the SAPS, allowing it to promote the nutritional benefits of food. The main unit, located in Rio de Janeiro, offered meals, as well as cultural and educational activities for workers and their families. In 2004, the Popular Restaurant Program resumed this proposal, focusing on vulnerable groups in society. This study aims to identify obstacles to the creation of popular restaurants in cities with demand, analyze food education policies, and examine the role of these establishments in job creation and community development. The research uses data from the IBGE, photographs, and bibliographic analysis, hoping to contribute to public policies for food security and human dignity.

Keywords: Hunger. Popular Restaurant. Security.

 

RESUMEN

El Servicio de Alimentación de la Seguridad Social (SAPS), creado durante el gobierno de Getúlio Vargas (1951-1954), fue una iniciativa para mejorar la nutrición de los trabajadores, ofreciendo comidas a precios asequibles y complementando sus ingresos ante los bajos salarios. El Decreto-Ley 5.443, de 1943, amplió las funciones del SAPS, permitiendo la difusión de los beneficios nutricionales de los alimentos. La unidad principal, ubicada en Río de Janeiro, ofreció comidas, además de actividades culturales y educativas para los trabajadores y sus familias. En 2004, el Programa de Restaurantes Populares retomó esta propuesta, enfocándose en grupos vulnerables de la sociedad. Este estudio tiene como objetivo identificar obstáculos a la creación de restaurantes populares en ciudades con demanda, analizar políticas de educación alimentaria y examinar el papel de estos establecimientos en la generación de empleo y desarrollo comunitario. La investigación utiliza datos, fotografías y análisis bibliográficos del IBGE, esperando contribuir a las políticas públicas sobre seguridad alimentaria y dignidad humana.

Palabras clave: Hambre. Restaurante Popular. Seguridad.

 


 

 

RESTAURANTE POPULAR NO SERTÃO, JUAZEIRO DO NORTE – CE, RESSIGNIFICAR A ALIMENTAÇÃO PARA CLASSES MENOS FAVORECIDAS

1. Introdução

O Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS) foi criado em 5 de agosto de 1940, durante o governo do então presidente Getúlio Vargas. Tratava-se de uma iniciativa governamental para melhorar a qualidade da alimentação dos trabalhadores, oferecendo refeições a preços acessíveis. O SAPS funcionou por 27 anos, até que, em 28 de fevereiro de 1967, pelo Decreto-Lei 224, o governo Castello Branco extinguiu o órgão. A justificativa apresentada foi de que os locais eram utilizados para promover reuniões de sindicatos de esquerda, além de denúncias de corrupção administrativa.

Figura 1: Registro fotográfico do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), registro feito no dia 31 de julho de 1945.


Disponível em: <http://querepublicaeessa.an.gov.br/uma-surpresa/229-restaurante-popular-a-moda-antigA>. Acesso em: 20 de mar. de 2024.

O SAPS foi criado com o intuito de complementar a renda dos trabalhadores, considerando que o valor pago na época era defasado. A alimentação fornecida deveria suprir a carência de nutrientes essenciais. Em 1943, durante o ministério de Alexandre Marcondes Filho, o órgão teve suas funções ampliadas pelo Decreto-Lei nº 5.443, de 30 de abril. Esse decreto conferia aos responsáveis e envolvidos no SAPS a liberdade de realizar divulgações e orientações sobre os benefícios dos alimentos com padrões científicos nutritivos, que poderiam melhorar a saúde e a qualidade de vida.

O manual do Programa Restaurante Popular aborda essa temática e explica que uma boa alimentação não precisa necessariamente ser cara, mas sim rica em nutrientes, capazes de melhorar a saúde dos trabalhadores e de pessoas em situação de vulnerabilidade social.

São destinados a oferecer à população que se alimenta fora de casa, prioritariamente aos extratos sociais mais vulneráveis, refeições variadas, mantendo o equilíbrio entre os nutrientes (proteínas, carboidratos, sais minerais, vitaminas, fibras e água) em uma mesma refeição, possibilitando ao máximo o aproveitamento pelo organismo, reduzindo os grupos de risco à saúde. (Manual Programa Restaurante Popular, 2004, p. 05).

 

A principal unidade do SAPS localizava-se no Rio de Janeiro, então capital federal. Diversas melhorias foram implementadas nesse órgão, como a criação de uma biblioteca pública, uma sala de música, cursos de corte e costura para as filhas das trabalhadoras, desjejum escolar, consultório de alimentação econômica, cursos de metodologia e aulas de alfabetização para os trabalhadores. O SAPS era mais do que apenas um restaurante popular; era um espaço onde os trabalhadores podiam socializar, aprender e compartilhar suas ideias, tornando-se assim, para muitos, um local de lazer. Além disso, havia sessões de cinema, realizadas aos sábados, para os frequentadores.

Restaurantes Populares são estabelecimentos administrados pelo poder público que se caracterizam pela comercialização de refeições prontas, nutricionalmente balanceadas, originadas de processos seguros, preponderantemente com produtos regionais, a preços acessíveis, servidas em locais apropriados e confortáveis, de forma a garantir a dignidade ao ato de se alimentar. (Manual Programa Restaurante Popular, 2004, p. 05).

 

Este processo faz parte de uma medida governamental cujo objetivo é reduzir o número de pessoas em situação de insegurança alimentar ou vulnerabilidade, integrando-as ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). A criação do SISAN foi estabelecida pela Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, também conhecida como Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN).

Segundo Veltman (2010), citado por Evangelista (2012), o SAPS desempenhou um papel significativo ao promover a integração entre alimentação balanceada e cultura na vida dos jovens, incluindo o próprio autor, que morava na vila operacional de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Era um barato, almoçar no SAPS. Filho de judeus da Bessarábia, a comida que o SAPS nos oferecia era um sonho: feijão, arroz, bifes bem passados e, sobretudo, saladas! A culinária de minha mãe não contemplava folhas verdes, apenas legumes cozidos. Era uma alegria carregar o bandeijão (VELTMAN, 2010 apud EVANGELISTA, 2012, p.82).

 

1.1 Problemática

O direito de cada indivíduo a uma refeição digna e nutritiva está assegurado no artigo 25, inciso I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Artigo XXV - Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. (Declaração Universal dos Direitos Humanos).

 

No entanto, esse direito frequentemente não é integralmente garantido, como evidenciado por estudos conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020. Em 2004, tais estudos revelaram que 34,9% dos domicílios entrevistados estavam em situação de vulnerabilidade alimentar. Antes dessa pesquisa, o Brasil havia avançado significativamente na garantia dos direitos humanos à alimentação e nutrição adequadas, exemplificado pelo programa Fome Zero, iniciado durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2004). Esse programa tinha como objetivo fornecer pelo menos três refeições diárias para populações em situação de vulnerabilidade.

A partir de então, diversas políticas foram implementadas ou reformuladas, incluindo a reativação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), que havia sido desativado em 1995. Em 2013, de acordo com dados do IBGE de 2020, a vulnerabilidade alimentar caiu para 22,6%, resultado de iniciativas destinadas a melhorar a qualidade da alimentação da população. Em 2014, o Brasil alcançou um marco histórico ao sair do Mapa da Fome das Nações Unidas. No entanto, em 2018, o Brasil voltou a ser incluído nesse mapa, com 36,7% dos domicílios entrevistados em situação de insegurança alimentar, indicando um retrocesso significativo.

Figura 2: Registro fotográfico do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), registro feito no dia 31 de julho de 1945.


Disponível em: . Acesso em: 20 de mar. de 2024.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo Geral

Identificar os fatores que inviabilizam a criação de restaurantes populares em cidades que apresentam demanda para a implantação desse tipo de equipamento.

1.2.2 Objetivos Específicos

Analisar as políticas governamentais existentes, alinhadas com a educação alimentar para a população em situação de vulnerabilidade social; 

Estudar como atividades coletivas podem contribuir para a reinserção social de indivíduos; 

Verificar o papel desses estabelecimentos na geração de emprego e no desenvolvimento da comunidade.

1.3 Metodologia

Para este estudo, foi realizada uma revisão da literatura acadêmica e de fontes relevantes, com foco em temas relacionados ao impacto dos restaurantes populares na economia local. Também foram analisadas as formas como esses estabelecimentos podem melhorar a qualidade de vida de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar, além da possibilidade de criação de salas com isolamento acústico para pessoas com hipersensibilidade a sons.

Na fase subsequente, a coleta de dados ocorreu por meio de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de fotografias de locais antes e depois da construção dos restaurantes populares. Assim, a análise bibliográfica e a captura de imagens desses restaurantes constituem fases indispensáveis da pesquisa, auxiliando na compreensão detalhada do tema e fornecendo dados relevantes para o reconhecimento e a proposição de soluções aos obstáculos enfrentados por esses estabelecimentos.

2. Fundamentação Teórica

Este estudo tem como objetivo fornecer uma análise histórica que trace as origens e a evolução dos restaurantes populares, desde sua concepção original até os tempos modernos. Essa perspectiva histórica é importante para obter uma compreensão mais profunda do surgimento dessas instituições e dos impactos significativos nas gerações futuras, além de reconhecer sua importância contínua ao longo do tempo.

A pesquisa visa compreender os motivos que levam cidades carentes a não possuírem instituições como os restaurantes populares, analisar as políticas governamentais relacionadas à educação alimentar para a população em situação de vulnerabilidade social e investigar o papel desses estabelecimentos na geração de emprego e no desenvolvimento das comunidades. A pesquisa destaca a importância desses aspectos na promoção de uma melhor qualidade de vida para pessoas em situação de insegurança alimentar, enfocando especialmente indivíduos em situação de rua, como catadores de recicláveis, e famílias de baixa renda, para as quais a segurança alimentar é uma preocupação constante.

2.2 Surgimento dos restaurantes no mundo

A nomenclatura "restaurante" origina-se do francês “restaurant”, que significa "restaurador". Esse termo começou a ser usado durante o século XVI, quando uma sopa era servida a pessoas doentes, com a finalidade de restaurar suas forças. Esse nome deu origem ao que hoje conhecemos como “comida restauradora”. A prática de comercializar comida foi liberada apenas em 1786, permitindo que donos de tabernas e pousadas vendessem suas sopas.

O primeiro restaurante começou suas atividades em 1582, na cidade de Paris, chamado “Quai de la Tournelle”. Esse restaurante teria sido frequentado pelo rei da França, Henrique IV. Atualmente, o estabelecimento mudou de nome e é conhecido como “La Tour D’Argent” (Torre de Dinheiro). O primeiro restaurante como conhecemos atualmente surgiu em 1782, também em Paris, fundado por Antoine Beauvilliers, e recebeu o nome de “La Grand Taverne of London”. Esse estabelecimento se diferencia dos demais já existentes devido ao seu cardápio, onde os clientes podiam escolher o que iriam comer, além de ter horários de funcionamento definidos.

2.2.1 Surgimento dos restaurantes no Brasil:

Figura 3: Na foto, Quiosque “Chopp Berrante” no Passeio Público, registro feito no ano de 1900, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

 

Disponível em: . Acesso em: 30 de mar. de 2024.

O surgimento dos primeiros estabelecimentos gastronômicos, denominados restaurantes, no Brasil remonta ao ano de 1808, com a chegada da família real portuguesa ao país. Este evento histórico foi marcado pela introdução de práticas alimentares até então não observadas, incluindo a utilização de um chef de cozinha responsável por supervisionar e coordenar a produção dos alimentos. A corte portuguesa também introduziu ingredientes como carne bovina, suína e caprina, além de promover o cultivo de frutas como romã, figo e cítricos nos quintais reais. Nas hortas da corte, começou-se o cultivo de diversas espécies, como abóbora, gengibre, hortelã, manjericão, alho, berinjela e cenoura, muitas das quais se tornaram elementos fundamentais na culinária brasileira, contribuindo para sua identidade gastronômica.

À medida que o processo de urbanização se consolidava, a crescente distância entre os locais de trabalho e residência gerava a necessidade de os trabalhadores se alimentarem fora de casa. Essa demanda foi atendida por estabelecimentos informais, como botecos e botequins, onde as refeições eram servidas prontas em pratos, com suas porções devidamente distribuídas, originando o termo "prato feito".

Surgimento dos restaurantes populares no mundo:

No ano de 1765, na cidade de Paris, um estabelecimento singular foi fundado, marcando o início de uma transformação significativa no cenário gastronômico. Este empreendimento, intitulado “bouillons restaurants”, foi criado por Mathurin Rose de Chantoiseau, mais conhecido como Monsieur Boulanger. Localizado nas proximidades do Louvre, o estabelecimento oferecia caldos restauradores para seus clientes, disponibilizando mesas e cadeiras para que pudessem desfrutar da refeição no local.

Boulanger, caracterizado por sua visão empreendedora e inclinação para a inovação, adotou uma abordagem distintiva ao enfeitar a janela de seu estabelecimento com a inscrição: “Vinde a mim, vós que trabalhais, e restaurarei vosso estômago”. Essa estratégia comunicativa não apenas enfatizava o propósito do estabelecimento em oferecer refeições restauradoras, mas também capturava a atenção do público, estabelecendo uma conexão direta com a clientela.

Com o passar do tempo, o dono do restaurante expandiu seu negócio, incorporando a venda de pratos sólidos. Essa expansão culminou na transição do estabelecimento para o conceito de “restaurants”, anteriormente associado exclusivamente à oferta de caldos. Essa evolução representou uma mudança significativa, permitindo que os clientes experimentassem não apenas a restauração oferecida pelos caldos, mas também uma variedade mais ampla de pratos sólidos. Essa ampliação da oferta destacou a capacidade dos restaurantes populares de proporcionar experiências gastronômicas gratificantes, desmistificando a noção de que apenas estabelecimentos de alta classe poderiam oferecer alimentos de qualidade e ambientes agradáveis.

O “bouillons restaurants” surgiu com o propósito de dignificar os trabalhadores em situações precárias, demonstrando que ambientes destinados a servir pessoas de classe baixa podem ser cuidadosamente elaborados e proporcionar conforto aos frequentadores. Essa iniciativa não apenas ampliou o acesso à alimentação de qualidade, mas também contribuiu para a valorização da experiência gastronômica como um todo, desempenhando um papel fundamental na democratização do consumo de alimentos em contextos urbanos.

Portanto, é notório que esse restaurante, situado na cidade de Paris, destaca-se como um marco importante na história dos restaurantes populares, evidenciando a capacidade de inovação e adaptação dos empreendedores gastronômicos em atender às necessidades e expectativas de uma clientela diversificada, ao mesmo tempo em que promove valores de inclusão e dignidade social por meio da gastronomia.

2.3 Contextualização do sertão no Ceará:

Dentro do contexto topográfico e climático do interior do Ceará, diversas características impactam diretamente a oferta de alimentos e moldam as condições de vida da população local. A região é caracterizada por condições áridas e semiáridas e enfrenta uma série de desafios que afetam a produção agrícola, o acesso à água e a disponibilidade de alimentos.

Figura 4: Registro fotográfico da caatinga, clima predominante do sertão do Ceará.


Disponível em: . Acesso em: 27 de mar. de 2024.

O interior do Ceará é predominantemente semiárido, caracterizado por chuvas baixas e irregulares ao longo do ano. A escassez de água representa grandes desafios, impactando não apenas a produção agrícola, mas também o abastecimento de água para seres humanos e animais. As chuvas irregulares podem resultar em secas prolongadas, afetando as colheitas e reduzindo a oferta de alimentos. O solo do sertão cearense tende a ser árido e pouco fértil, o que limita as opções de cultivo e requer técnicas de manejo específicas para garantir a produtividade agrícola. A falta de nutrientes no solo representa um desafio adicional para os agricultores, tornando necessário o uso de práticas de conservação do solo e adubação adequada.

A vegetação predominante no sertão cearense é a caatinga, adaptada às condições de aridez e escassez de água. Embora esse bioma possua uma rica biodiversidade, muitas de suas espécies vegetais não são diretamente utilizadas como fonte de alimentação, o que limita as opções alimentares disponíveis para as comunidades locais. A agricultura no sertão cearense é desafiadora devido às condições climáticas adversas e à escassez de recursos hídricos; no entanto, as culturas mais comuns na região incluem aquelas adaptadas ao clima semiárido, como milho, feijão, mandioca e algumas variedades de frutas. A pecuária também é afetada, com pastagens frequentemente escassas e baixa disponibilidade de água para os animais.

As características geográficas e climáticas do sertão cearense contribuem para desafios significativos em termos de segurança alimentar. A escassez de água e de recursos agrícolas, juntamente com a sazonalidade das chuvas, pode resultar em períodos de insegurança alimentar para as comunidades locais, especialmente aquelas que dependem da agricultura de subsistência. De acordo com os princípios fundamentais da alimentação e nutrição estabelecidos, os Restaurantes Populares são reconhecidos como Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN) que se dedicam à produção e distribuição de refeições saudáveis e de elevado valor nutricional a preços acessíveis, voltadas para atender às necessidades das pessoas em situação de insegurança alimentar. Tais estabelecimentos, considerados de alta complexidade, não se limitam apenas à atividade primária de produção e distribuição de refeições, mas também devem empreender outras iniciativas voltadas para o desenvolvimento social e a promoção de emprego e renda. Dessa forma, os Restaurantes Populares configuram-se como estruturas multifuncionais inseridas no âmbito do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional.

A gestão dos Restaurantes Populares é atribuída ao poder público local, incumbido de assegurar seu funcionamento adequado. Estima-se que uma produção mínima de mil refeições diárias, servidas no horário do almoço e durante pelo menos cinco dias por semana, seja necessária para sustentar a operação eficaz de uma unidade dessa natureza.

2.5 Políticas públicas e iniciativas locais:

O surgimento do programa Fome Zero, em 2003, resultou em uma série de iniciativas na área da alimentação, como os encontros nacionais sobre segurança alimentar e nutricional, a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em 2004, a reestruturação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), com a participação de membros da sociedade, e a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN).

A partir de 2004, o MDS criou o programa Rede de Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar e Nutricional, com a finalidade de colaborar para a implantação dos restaurantes públicos, com o mesmo objetivo dos que já haviam sido instalados nos estados. Além disso, o projeto centra-se na construção de cozinhas e cantinas.

2.6 Alimentação e dignidade:

A relação entre alimentação e dignidade humana tem sido objeto de interesse acadêmico e social, refletindo a importância fundamental que a nutrição adequada desempenha na vida das pessoas. Neste contexto, o presente estudo busca explorar os diferentes aspectos dessa relação complexa, examinando como a refeição contribui para a dignificação dos indivíduos. A comida é reconhecida internacionalmente como um direito humano básico, essencial para o pleno desenvolvimento e dignidade de todos os seres humanos. Segundo os princípios estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o acesso a uma alimentação adequada e nutritiva é crucial para garantir a saúde e o bem-estar das populações.

A dignidade humana está integrada à capacidade das pessoas de satisfazer suas necessidades básicas, incluindo a nutrição adequada. Uma alimentação adequada não apenas promove a saúde física, mas também contribui para a autoestima, a inclusão social e o desenvolvimento pessoal. Assim, garantir o acesso equitativo a alimentos de qualidade é essencial para promover a dignidade de todos os indivíduos.

Apesar do reconhecimento do direito à alimentação, muitas pessoas ao redor do mundo ainda enfrentam dificuldades para acessar alimentos suficientes e nutritivos. A pobreza, a desigualdade social, os conflitos armados e as crises humanitárias são alguns dos principais fatores que contribuem para a insegurança alimentar. Nesse contexto, políticas públicas eficazes e programas de intervenção são necessários para garantir que todos tenham acesso a uma alimentação digna.

Em síntese, a alimentação desempenha um papel crucial na valorização dos seres humanos, influenciando não apenas sua saúde física, mas também sua qualidade de vida e bem-estar emocional. Garantir o acesso universal a uma alimentação adequada e nutritiva é, portanto, um direito moral e uma responsabilidade coletiva. Por meio de políticas públicas e ações efetivas, é possível promover uma alimentação digna para todos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

2.7 Como os Restaurantes Populares podem potencializar o desenvolvimento local e a geração de empregos:

Os Restaurantes Populares podem ser uma ferramenta de grande potencial na criação de emprego e desenvolvimento local. Ao abrir um restaurante popular em uma comunidade, são criadas oportunidades de emprego para os residentes locais, incluindo cargos de chefs, cozinheiros, garçons, garçonetes e pessoal de limpeza. Priorizar o emprego local ajuda a estimular a economia, proporcionando meios de subsistência aos residentes.

Esse tipo de estabelecimento pode optar por comprar ingredientes e produtos de fornecedores locais sempre que possível. Isso não apenas apoia os agricultores e produtores locais, mas também promove a sustentabilidade e a redução das emissões de carbono associadas ao transporte de alimentos. Essa prática também fortalece a economia local, incentivando a produção e o comércio dentro da comunidade. Os Restaurantes Populares podem oferecer programas de treinamento e desenvolvimento de habilidades para os funcionários, incluindo capacitação culinária, atendimento ao cliente, gestão de restaurantes e até mesmo habilidades empresariais básicas. Esses programas não apenas preparam os funcionários para terem sucesso em suas funções no restaurante, mas também os equipam com habilidades transferíveis que podem ser aplicadas em outros empregos e empreendimento futuros.

2.8 Como atividades coletivas podem ajudar pessoas a serem inseridas novamente na sociedade:

Participar de atividades coletivas, como grupos de discussão, clubes de leitura, equipes esportivas ou projetos comunitários, proporciona oportunidades para desenvolver habilidades sociais essenciais, como comunicação, colaboração, empatia e resolução de conflitos. Essas habilidades são fundamentais para construir relacionamentos saudáveis e funcionar efetivamente em ambientes sociais.

O envolvimento em atividades coletivas cria um senso de pertencimento e conexão com outras pessoas que compartilham interesses semelhantes. Isso pode ajudar aqueles que se sentem isolados ou excluídos a se sentirem parte de algo maior e a construir uma rede de apoio social. A participação em atividades coletivas pode aumentar a autoestima e a autoconfiança das pessoas, especialmente daquelas que enfrentam desafios ou dificuldades.

3. Resultados Esperados

Espera-se que, por meio deste estudo, projetos e iniciativas governamentais, tanto federais quanto estaduais e municipais, sejam desenvolvidos com a finalidade de erradicar a problemática da fome. O programa Restaurante Popular, por sua vez, pode ser melhorado, visto que é frequentemente esquecido pelo governo. Algumas cidades do interior possuem população e demanda para a implementação ou ascensão de restaurantes que já existem em seus municípios, como, por exemplo, os Restaurantes Populares no Maranhão, um dos estados do Nordeste brasileiro, que possui uma das mais importantes políticas de segurança alimentar executadas pelo Governo do Estado, contabilizando mais de 170 equipamentos distribuídos entre 152 municípios, tornando-se a maior rede do Brasil.

Juntos, os restaurantes maranhenses conseguem servir aproximadamente 168,9 mil refeições diárias, incluindo café da manhã, almoço e jantar, tudo isso a um valor acessível, custando apenas R$ 2,50 por refeição. Segundo o governador Carlos Brandão (2022), o Maranhão possui a maior rede de restaurantes públicos do Brasil, superando até mesmo a de São Paulo. Ele também menciona que essa rede ajuda famílias em situação de vulnerabilidade alimentar, visto que o valor médio de um gás de cozinha custa aproximadamente R$ 120,00, enquanto uma refeição com todos os nutrientes necessários, devidamente preparada e acompanhada por um profissional nutricional, custa apenas R$ 2,50, um valor considerado acessível a todos.

Figura 5: Registro fotográfico de um dos restaurantes populares, situado na cidade do Maranhão.


Disponível em: < https://www.ma.gov.br/noticias/maranhao-contabiliza-168-restaurantes-populares-distribuidos-em-todas-as-regioes>. Acesso em: 09 de mar. de 2024.

4. Considerações finais

O artigo tem como objetivo primordial destacar a importância dos restaurantes populares para famílias em situação de insegurança alimentar, enfatizando a necessidade de programas que aprimorem as condições de trabalho e promovam a criação de novas edificações voltadas para essa finalidade. Além disso, a pesquisa busca entender por que algumas cidades, que possuem demanda e população suficientes, ainda não contam com restaurantes populares ou, quando existentes, não estão em funcionamento ativo. O estudo também pretende analisar como esses estabelecimentos podem influenciar o desenvolvimento local e a criação de novos empregos. Esse impacto ultrapassa o âmbito acadêmico, atingindo diretamente a sociedade, pois a temática em questão vem sendo discutida mundialmente há alguns anos, buscando soluções viáveis, tanto econômica quanto fisicamente, para evitar que se tornem ideias utópicas.

5. Recomendações

O presente trabalho tem como objetivo investigar de que forma o Restaurante Popular no Sertão, localizado em Juazeiro do Norte - CE, contribui para ressignificar a alimentação das classes menos favorecidas, analisando seus impactos na promoção da segurança alimentar, nutricional e na melhoria da qualidade de vida dessas populações vulneráveis. Vale ressaltar que esta pesquisa também visa analisar os efeitos da construção desse empreendimento na geração de empregos e no desenvolvimento econômico do bairro, contribuindo para a promoção de uma evolução econômica local.

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