ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA ENGENHEIRO ANNES GUALBERTO – 23ª GERED – JOINVILLE, SC. 

ATIVIDADES PARCIAIS DO PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO: ETAPA II 

por WERNER S. LEBER

1 - a diversidade e a pluralidade constituem desafio na organização do trabalho pedagógico escolar? Quais?

RESPOSTA

É muito óbvio que sim, porém há muitas coisas em jogo. Reconhecer a problemática é uma coisa. Propor um tratamento pedagógico adequado é bem mais difícil e envolve muitas variáveis. Sou ignorante e pouco que sei da vida lavrei a chicotadas e teimando contra meu pai e minha mãe, que não queriam que seus filhos estudassem. Tenho a impressão de que cada vez que se responde as questões assim bem redondinhas, tipo lição de ginásio, nada se respondeu a não ser fazer o jogo dos pressupostos do questionamento. Ou seja, a resposta deriva da forma da pergunta. Pode não haver nada de errado nisso, mas se eu disser a vocês “Mirimi e Gissitar são dois trafelnos que felnavam nas perlogas”, e depois perguntasse a vocês “o que eles faziam?”, vocês responderiam que “eles felnavam nas perlogas”. Ora, tal situação poderia se chamar “responder não respondendo”. Para não responder as questões assim, comecemos, mas do avesso.

Penso que não é possível responder nada se não soubermos primeiro aonde queremos chegar. Ou será que sabemos? Com cursos de licenciaturas cada vez mais rasos, o que traz como consequência o enfraquecimento do hábito de ler e estudar nos professores, fico em dúvida. E onde não se sabe aonde se quer chegar, fica-se como Goethe bem descreveu: “qualquer folha de papel serve para quem está afundando”. Tenho dificuldade de tratar das questões porque elas me parecem sempre com certo adorno intelectual por parte de teóricos, cujo objetivo me parece mais ser a retórica e a erística do que uma busca honesta sobre como ensinar mais e melhor. Nós falamos de diversidade e de pluralidade sem definir o que entendemos pelos termos. Ou se os definimos, não está claro se concordamos com as definições. Ou mesmo nem nos apercebemos do balaio de gatos que tal termo enceta. Conforme penso, não há um consenso tão geral assim a respeito do que seja diversidade e pluralidade. Como certamente não haverá nenhum consenso da parte de vocês sobre as minhas respostas pouco ortodoxas. Há, isso sim, muito senso comum a respeito do assunto. Porém, poucos são aqueles que se debruçam com seriedade sobre o tema. O autor do vídeo, muito intelectual, pressupõe que saibamos o que seja pluralidade e diversidade. Pressupõe que estejamos familiarizados com aqueles termos. Pressupõe que estejamos familiarizados com noções jurídicas e compreensões epistêmicas que não são um assunto da pedagogia, pelo menos não em sentido stricto. Mas o que é diversidade? O que é pluralidade? São sinônimos? Do que se fala afinal? O termo vem sendo empregado há vários anos em estudos sobre educação e teorias pedagógicas. Basta que recordemos dos cadernos já estudados em nosso curso. Não poucas vezes menção a esses termos lá foram expressos. Creio que Paulo Freire, Rubem Alves, Sérgio Cortella, Márcia Turibi, só para ficarmos em alguns exemplos, divergem profundamente sobre o que tais termos designam, embora o senso comum tende a ver esses autores como se tratassem dos temas sob uma mesma ótica. E mesmo quando esses autores os empregam em situações parecidas, poucas vezes o fazem com as mesmas perspectivas. Vamos lá...inventarei meu conceito, um tanto quanto ortodoxo (tradicional). Digamos que “Diversidade são os vários fatores, as várias culturas, as várias etnias, as várias interpretações sobre a realidade que chega à escola, à educação, seja por meio dos estudantes e suas perspectivas vividas e suas histórias de vida gloriosas ou sofridas, seja pela visão de mundo de professores e professoras”. Pronto! Esse me parece ser o conceito que o professor Miguel Arroyo pressupôs. E pluralidade é a mesma coisa? Nesse sentido, se estou certo, ela é uma derivação das diversidades (ou da diversidade). Por exemplo, se falo que a escola deve tratar da etnia que caracterizamos pela categoria sociopedagógica “indígenas”, preciso ver que “indígenas” é uma parte da pluralidade de tantas outras etnias que estão presente na escola, como a portuguesa, alemã, ucraniana, polonesa, italiana, japonesa e ainda outras. Mas “indígenas” não caracteriza todos os “índios”, e sim é uma categoria explicativa e pedagógica para falar de uma perspectiva cultural de diversos povos – no caso os vários povos americanos pré-colombianos que derivaram do grande tronco linguístico Tupinambá, e que genericamente chamamos “Guaranis”. Como se sabe, esse povo e suas variantes habitavam o território nacional durante, pelo menos, 10.000 anos. No neolítico eles já estavam aqui. É, assim, natural que tenhamos inúmeras pessoas com laços culturais e sanguíneos com essas etnias. Como se aplica a pluralidade a esse meu exemplo? Eu, se entendi, penso e entendo que “indígenas” é uma parcela das várias culturas de um contexto (diversidade). Pluralidade seria entender que temos descendentes de indígenas entre nós, mas que estão aculturados no sistema moderno, industrial, tecnológico, cristão, de cultura ocidentalizada e científica, e que são, ainda assim, “indígenas”, cuja herança cultural não pode ser esquecida ou hipostasiada por um sistema excludente. Além disso há que se considerar que não existe uma cultura única nos indígenas, mas há povos indígenas com tradições diferentes umas das outras (pluralidade). Todavia, é também óbvio que há várias concepções de mundo já estabelecidas antes de haver escola e planos de ensino. Afinal, vivemos; e nossa vivência não é neutra em relação ao mundo, isto é, não é destituída de intenções e interesses. Como lembra Heidegger, “viver é sempre viver em um certo sentido”. Acabei de resumir para meus alunos um texto de Thomas Kuhn “A função do dogma na pesquisa científica”, escrito em 1963, e que foi objeto de prova dissertativa de vestibular da UFPR nos dias 02 e 03/12/2014. O texto de 50 páginas, é uma minuta de seu trabalho mais conhecido e comentado “A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS”, que veio a público em 1962.

 Por que relaciono este tema à questão aqui posta se, aparentemente, o que Kuhn escreveu pouco tem a ver com os problemas educacionais? Há um ponto em comum. Kuhn critica a perspectiva da ciência positivista, essa tão visceralmente arrigada em nossos currículos escolares, que tende a ver o saber como um progresso contínuo passível de ser mapeado por regras e decifrações técnicas. No Brasil então, isso é praga. Intoxicou nossas escolas de dogmas que pouco permitem o avanço do saber sério. No mais das vezes, confunde-se saber sobre com determinado número de leis naturais observadas em fenômenos. Qual é o problema? O problema é que a ciência, assim como a educação, (afinal, a pedagogia é uma ciência? E se é, de que tipo é?) não parte de uma posição privilegiada para a análise. Ela está, acima de tudo, presa às concepções de mundo dos cientistas, dos dogmas, dos (pré)conceitos sobre o mundo constituído, aquilo que os fenomenólogos (Husserl, Sartre, Merleau-Ponty) denominam percepção intersubjetiva, e que trazemos conosco desde as nossas vivências. Portanto, também a ciência surge de “[...] uma adesão profunda a uma maneira particular de ver o mundo e praticar ciência” (KUHN, 2012, p. 25). A educação, como um campo do saber humano, é, nessa linha também, resultado das concepções de mundo de pedagogos, professores (ensinadores), pesquisadores, conferencistas, juristas, cientistas políticos, jornalistas e por aí vai. Afinal de contas, a educação é como futebol: todo mundo acha que tem a fórmula correta para ganhar o jogo. Duvidam!! É só ir a algum boteco ou estar em roda de amigos de final de semana e ver que todos têm fórmulas mágicas para resolver os problemas do ensino brasileiro. Depois de 2 cervejas então...todos viram epistemólogos, juristas,  pedagogos, prefeitos, governadores, diretores. Expressões como “os professores deveriam ser mais valorizados”; ou “o governo deveria investir mais na educação” são bordões fáceis na boca de quem joga palavras ao léu, típicos do senso comum. E também, não poucas vezes, pronunciado por aqueles pais e mães que pouco se importam com o que o filho e a filha aprendem na escola porque vêem a escola apenas “como um local para deixar seu filho”. Assim, eis que chego onde quero: que há diversidade, é óbvio. Que ela estará na escola, é também óbvio. Que ela precisará ser respeitada, também óbvio. Mas que concepções estão em jogo para a elaboração do tema? Com que ferramenta intelectual se enfrentará a questão? A se julgar pela pouca leitura dos professores em geral, é difícil que se rompa a casca dessa questão de muitas variáveis. É mais provável que se chegue à conclusão comum expressa mais ou menos nos seguintes termos “devemos privilegiar a diversidade e a pluralidade em nossos sistemas de ensino, no nosso PPP, nos nossos planos de aula para que construa uma educação plural, democrática e libertadora”. Quem já não ouviu ou leu isso? Peguem qualquer documento (Portarias, Circulares, Plano Gestor, Plano Estadual de Educação e outros assemelhados) desses nossos aí dos últimos 15 anos e você vai encontrar esse discurso sempre em letras garrafais e em lugar de destaque. A mim eles não respondem o que penso. Mas o que penso? 1º) Sair da hipocrisia e do faz-de-conta (professores precisam ser intelectuais e não executores de tarefas somente); 2º) conhecer os conceitos bem mais a fundo do que assumi-los como se problemas fossem. Se são problemas, de quem são esses problemas? Lembro de Paulo Leminski “quem bebe teu salário como eu dou esse gole?”, perguntava ele com aquele tom sarcástico, mas repleto de sabedoria socrática. No caso, ele falava na inflação galopante dos anos oitenta que fulminava os preços e os salários. Do mesmo modo, pergunto eu “de quem são essas perguntas que agora tento responder?” Minhas elas não são. As minhas são mais simples; com cuspe e giz ainda faço mais que muitos “almofadinhas” de gabinete. Esses, sentados debaixo do ar condicionado confortante e com salários sempre generosos, querem propor as tarefas que nós professores devemos resolver em condições de trabalho nem sempre adequadas, sob o calor de nosso Sol, “que só peca, quando seca; e mais do isto foi Jesus Cristo, que não teve biblioteca”, dizia o Alberto Caeiro de Fernando Pessoa. A pergunta sugere, sem deixar escapatória, que a diversidade é um problema. Há, portanto, já uma predisposição (intencionalidade) na formulação da questão. É claro que a diversidade e a pluralidade constituem desafios e também obstáculos na organização do trabalho pedagógico. Lidar com humanos é lidar com expectativas diversas, com ideologias, com adversidades, com fronteiras gelatinosas, com conflitos inevitáveis. Não existe e nem pode existir ensino em que não haja choque, afronta, desafio. Estamos indo contra Freud. Queremos pessoas críticas sem que precisem formular suas críticas a partir dos desafios e obstáculos. Queremos inventar o parto sem dor e a educação democrática sem que se tenha a cultura para entender o processo. Sem o sentido profundo da derrota, não pode haver glorificação e nem justiça. Não é como definir uma determinada regra que se descobre nos fenômenos naturais. Saber que a água ferve a 100 graus centígrados em nível do mar ou que todo metal se dilata no calor não é si um saber, mas uma descoberta. Saber, conhecimento, é conseguir dizer porque descobrir essa lei foi e é importante. Por que devemos saber disso? Ou não devemos? Afinal, desde tempos remotos a água ferve a 100 graus em nível do mar. A aceleração da Gravidade provavelmente é 9,8 há milhões, quem sabe, bilhões de anos. Mas foi só no século XVII que Newton a descobriu e a mapeou. Leis naturais são descobertas. Saber erigir teorias a respeito dessas descobertas, a comunicar aos vários componentes culturais de uma escola, é o desafio que se apresenta. Saber que Platão propôs uma Sofocracia em sua famosa “A República”, por exemplo, é uma mera informação. O Google também informa isso ao estudante. Porém, saber formular argumentos que relacionem as prerrogativas da Sofocracia de Platão com as perspectivas de uma sociedade tecnológica e globalizada é um conhecimento que o Google não traz pronto, a não ser que se saiba interpretar as informações lá contidas.  Se assim não for, fica-se como naquele caso de Mirimi e Gissitar que mencionei acima. E para concluir, é necessário cuidado com os conteúdos. Não é possível inflacionar o currículo a cada nova volta do ponteiro. Fala-se em incluir educação financeira, culinária, sexualidade, trânsito, moda, fotografia, dança e não sei o que mais na grade de conteúdos. Se assim for, daqui uns dias estarão querendo incluir também o “internetês” como língua oficial do Brasil. “Vcs naum entenderão o ki eu kis espreçar? Ah, entaum vcs naum virão o naum houvirão o ki akele tiosinho falou?” Pensais que escrevi com erros de português? Não meu caro, expressei-me no mais genuíno “ignorantês”, que aqui no Brasil atende pelo nome de internetês.

2 - a pluralidade e a diversidade podem ser mola propulsora de nova organização do trabalho pedagógico? Como? Por que? Essa reflexão possibilitou um novo olhar sobre a diversidade da sua escola

RESPOSTA. 

Sobre a escola em que agora trabalho não posso responder se suscitou um olhar novo ou não. Mas de uma coisa eu sei e não abro mão: só é possível avançar se a preguiça de pensar não se tornar um câncer. E sobre isso tenho sérias dúvidas, conforme dei a entender na resposta acima.  

A diversidade sempre esteve presente nas escolas. O que agora se discute é uma maneira nova, ou  diferente, de abordar esse problema. Isso, em parte, por conta dos modismos pedagógicos tão “naturais” na teoria educacional brasileira. De outra parte também por conta de uma moral conservadora que estatuiu e instituiu o “politicamente correto”, vendo certas coisas que antes se fazia com naturalidade, como falta de ética (Bullying). Por exemplo, entre nós há muitos descendentes de poloneses. Chamar alguém de “polaco” é agora visto como pejorativo, difamatório. Há exageros. Chamar alguém de “nipônico” pode também ser visto como pejorativo, pois assemelha-se a “hidropônico” rararara...vamos rir. Quantas vezes ouvi: “alemão batata, come queijo com barata”. Ah se fosse hoje.......eu pegaria minha espada de Chapolin e “foi sem querer querendo”...rararará..podem continuar a rir. Sim, rir para não chorar. Como diz Simão, da Folha: “vai indo que eu não vou; hoje, só amanhã”.

Mas há outros motivos e eles têm alta relevância. Os tempos atuais são verdadeiramente globais, afirma Zygmund Bauman. Essa é a primeira vez que o mundo é uma única grande aldeia em que a tecnologia comunicacional amarrou todos os cantos da Terra nos satélites que giram em torno Dela. O filósofo Felipe Pondè (lê-se “Pondê), da PUC-SP, diz que a mídia deve ser vista como uma nova ciência, cujo poder de penetração em nossas vidas (religião, sexualidade) e no quadro social (trabalho e educação) vem sendo ignorado pela absoluta maioria das pessoas. Pelo Facebook, como observa Bauman, é possível fazer 500 amigos em um só dia. Também é possível excluir (deletar) todos os 500 no outro dia, e depois novamente acrescentar “outros quinhentos”. Gostaram da minha semântica? Convenhamos, como lembra Bauman, esse não é jeito como a humanidade fez amigos durantes milênios e séculos. Em nossas vidas, mesmo que vivamos uma centena de anos, não teríamos 500 amigos. Quando um jovem hoje diz “amigo” ele deve estar falando de algo muito distinto daquilo que uma pessoa de 50, 60, 70 anos considera “amigo”. A pluralidade e a diversidade ficam assim também muito mais evidentes. É a rápida comunicação, a fácil disposição de informações na grande rede WWW, associada às ferramentas que permitem rápida divulgação de notícias, ideologias e informações a mais diversas, que faz com que se perceba a presença do que antes só os intelectuais da antropologia, sociologia, biologia afirmavam existir: a quantidade de diferenças culturais que formam nosso planeta e as diferentes perspectivas de mundo que podem existir na população de um mesmo bairro. Bem, a diversidade poderá ser a mola propulsora de muitos avanços. O que me preocupa, porém, é que não pode-se viver ao sabor de modas, do senso comum, enfim, daquilo que vem das informações. Se assim for, nunca se terá currículo algum porque cada semana surgem coisas novas. O professor Miguel Arroyo nos informa algo relevante. Ele explica que o individualismo e a moderna concepção jurídica individualista é um problema para os povos que não têm origem europeia. Ele dá o exemplo da propriedade, do título de terra. Os povos indígenas e também os africanos, em sua cultura de origem, desconhecem a noção de Propriedade Individual expressa em um documento que garante a alguém ter um terreno, uma casa, um automóvel. Conforme ele, é por isso que os povos indígenas tiveram suas terras tomadas pelos posseiros, que no Brasil, via de regra, são chamados “fazendeiros”. A justiça reconhece como proprietário aquele que tem um documento atestando a propriedade. Ora, os povos indígenas desconhecem isso, e mesmo que sejam “donos” legítimos das terras que deles foram tomadas, ficarão sem elas em função dos povos de cultura europeia serem hábeis em conseguir documentos comprobatórios “fabricados em cartórios” da noite para o dia. Conforme o Professor Arroyo, essa perspectiva mostra o entrave que se enfrenta na educação. É claro que o professor Arroyo adota aqui uma perspectiva historicista que vai ao encontro do marxismo, cuja doutrina eu não assumo integralmente. Mas reconheço a força do argumento do professor.

 

 

3 - destacar os aspectos que a comunidade escolar precisa considerar na reescrita do PPP e na elaboração do Plano de Trabalho Docente.

 

RESPOSTA

Serei breve agora.

1º) verificar o que é de fato relevante para não inchar o currículo com modas que estarão obsoletas no dia seguinte;

2º) estudar os problemas a partir de autores gabaritados e de diagnósticos bem feitos, com critérios rigorosos, e não assumir uma única perspectiva ideológica como resposta.

3º) permitir divergências e embates sem obstacularizar a educação com preceitos e preconceitos trazidos do senso comum;

4º) considerar as diferenças, mas levando em consideração que democracia, vindo das fileiras do contratualismo e depois ampliado pelo utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, não pode ser aplicada à educação, à pedagogia como se a aplica para um teste de opinião. Ela surgiu em contextos políticos sobre os tipos de governo e sua forma de representação. Democracia é um conceito que pressupõe a opinião. O conhecimento opinativo nem sempre é o mais adequado; não estou a sugerir que não possa existir um princípio democrático na escola. Mas não se pode perguntar a pais e alunos o que devemos ensinar. Devemos ouvi-los, mas não deveríamos estar inclinados a aceitar sempre integralmente suas opiniões. Opiniões são sempre bem vindas; mas imposições devem ser abominadas. Essa é a tarefa de profissionais da educação. Por isso devem ser, acima de tudo, intelectuais. Não podemos exigir que o médico nos prescreva aquilo que nós achamos ser o adequado para as nossas doenças. Assim como o médico detecta as doenças de nosso corpo, nós professores também detectamos as doenças “do nosso corpo”: a educação. E como intelectuais e pesquisadores, deveríamos também propor medidas adequadas para erradicá-las. É o saber dos educadores e educadoras que prescreve a medicação e não a opinião de alunos e pais, que não são (quase nunca o são) especialistas nos assuntos.

5º) A democracia na educação diz respeito à busca de “que escola queremos”; “que alvos devemos atingir”; “que objetivos queremos alcançar”. É o que ocorre quando a sociedade toma para si a erradicação da paralisia infantil e da dengue. Ter esse propósito como meta não é o mesmo que dizer aos médicos, biólogos e bioquímicos que vacinas e remédios eles devem nos dar, ou que estratégias os governos devem adotar. Os governos nos ouvem, mas agem a partir de seus funcionários, técnicos, especialistas. A meta é da sociedade, mas a solução está na mão dos profissionais contratados para tal. Nesse sentido o conhecimento opinativo é importante. Do mesmo modo cabe à comunidade escolar o “o que queremos”; mas “o como chegar lá” é atividade de professores, pensadores da educação, enfim, de pessoas que se prepararam e conhecem o problema. Se também não fosse, poder-se-ia extinguir a classe de professores pela sua total inutilidade.

6º) permitir e exigir que professores e professoras sejam também intelectuais, estudiosos e não somente executores de tarefas boladas por almofadinhas de gabinete.  

7º) traçar um caminho e insistir nele; não mudar de ideia conforme a modas e os ventos batem na testa.

8º) ter bons projetos, elaborados e coordenados a partir de metas da escola, e não desta ou daquela disciplina.

Sismedio – Caderno I – E2.

3) Realize uma reflexão sobre a dualidade estrutural do Ensino Médio, identificando as manifestações nos estudantes e professores. 

Resposta 3) Esta questão é sumamente importante, pena que a abordagem do autor de nosso texto seja novamente aquele enredo da sociointeração. Não é a tal “gestão democrática” que vai resolver essa dicotomia, incrustada em nossa concepção de ensino. Aliás, sejamos honestos, democracia e escola combinam? Em que termos combinam? Democracia se aprende e seu exercício deve ser estudado e praticado no ambiente escolar, mas isso não quer dizer que o ensino deva se submeter a algo como um sufrágio universal. Sufrágios só avaliam opiniões, mas são impotentes para lidar com conhecimentos específicos, estruturais e necessários. Quero dizer que escolher um prefeito, um vereador ou um representante de turma, apenas atesta a opinião das pessoas sobre quem elegeram. O que precisa ser ensinado não depende apenas de opinião. Deve (deveria?) ser algo estudado com critérios aprimorados, com instrumentos adequados que ultrapassam a mera opinião. Deveria ser feito por especialistas, por pessoas que estudam, se preparam para entender o que deve ser ensinado.

O que chama dualismo, que fique claro, é a divisão de um tipo de educação que classificou o que deve ser aprendido entre o mercado de trabalho (formar mão-de-obra e quem deve obedecer) e os pensadores necessários à nação (os doutores que vão ter poder de mando e decidir os rumos a serem tomados). Assim, a educação brasileira é responsável por essa divisão que transforma os estudantes em braçais comuns e em intelectuais. No Brasil do início do século XX até os anos Sessenta predominou a seguinte diferenciação: aqueles estudantes com menos recursos, eram enviados às tais escolas agrícolas em que predominava o trabalho braçal e os afazeres manuais. Os mais nobres e ricos, tidos como mais capacitados, eram enviados aos centros importantes do saber brasileiro, como Largo de São Francisco (Direito), Escola Politécnica de Rio e São Paulo (Engenharia) e Escola de Medicina de Recife, São Paulo e Rio. Desde os anos 80 essa situação se acirrou também nas escolas de Educação Básica – embora nem se utilizasse  ainda esse termo. Lentamente a educação pública foi relegada à condição de primo menor e pobre da educação, aquela em que não se precisa pensar muito. Aquele em que para ser professor não se precisaria de grandes conhecimentos. Isso, claro está, patrocinado pelos grupos privados (pelo menos alguns deles) que ficaram com a formação e a preparação para os níveis superiores que exigem Ensino Médio “conteudista” e torcem o nariz para a sociointeração. O que fica é que nós profissionais trabalhamos nas duas frentes. Falo de meu caso e posso lhes assegurar que é conflitivo porque estamos diante de duas perspectivas não só opostas, mas mutuamente excludentes. Falo evidentemente de minha perspectiva. De um lado não existe temor quanto a provas, simulados, decorebas e treinamento, ao passo que na outra tudo isso é visto como ultrapassado, retrógado e opressor. O que se precisa não é uma gestão democrática na escola. Ela poderá até vir ou não. O que se precisa é definir o que a escola deve ser. A LDB, a famigerada e emendada Lei 9394/96, que dos 92 artigos originais não tem mais nenhum que já não tivesse sido revogado e reescrito, permitiu os dois sistemas. Foi uma briga feroz em que os interesses privados deformaram a Lei até que ela contemplasse o que sempre existiu. Assim, manteve-se e ampliou-se os dois modelos de ensino.  Não sei se a maioria dos estudantes do ensino público percebem a manobra ideológica que recai sobre eles. Mas percebo que muitas das vezes eles já vêm à escola com aquela noção de que não precisam estudar muito, que é fácil, que há recuperação e que eles não precisam ter grandes ambições.  Chamo isso de “visão de coitadinho”. Ainda que a escola pública não exatamente assim, nossas práticas meio que foram “obrigadas” a se amoldar a essa visão capenga e derrotista. Diga-se, esse derrotismo foi plantado pelos ideólogos e espertos da nação. Conforme entendo, não será a tal “gestão democrática” que resolverá isso. Ao contrário, medidas duras, investimentos maciços (o que inclui salário de profissionais da educação) e cobranças são necessários para que a educação pública brasileira não regrida ainda mais.

 

As questões dizem respeito aos questionamentos feitos ao professor Miguel Arroyo, conforme vídeo disponível em

http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=17766.

Não excluo a possibilidade de os mais ortodoxos e sistemáticos puxarem a cartilha e a esfreguem na minha cara dizendo que não li isso e aquilo e aquele outro, e que sou um ignorante. Ok, mas também li muita coisa que aqueles que me esfregam o “quiproquó do pedagogês modal” na cara não leram, e, muito menos ainda, estudaram.  

KUHN, Thomas. A função do dogma na investigação científica. Organização do texto de Eduardo Salles Barra. Tradução de Jorge Dias de Deus. Curitiba: UFPR; SCHLA, 2012 (Traduzindo: Textos filosóficos na sala de aula).

É preciso não condenar pura e simplesmente os (pré)conceitos. Pelo menos não, em uma certa perspectiva. Não há como não tê-los. O problema é que o termo “preconceito” deixou de ser apenas uma concepção prévia sobre algo para tornar-se uma questão jurídica e sociológica em nossa cultura. Ele tornou-se uma espécie de paradigma, de categoria interpretativa de determinadas situações que envolvem as pechas, as alcunhas, os apelidos e discriminação de toda sorte. Esse já é um problema de educação e de perspectiva de mundo que em si mesmo está carregado de uma “pré” concepção sobre nossas relações sociais ao condenar que se estigmatize (rotule) alguém por sua diferença cultural ou sua opção sexual. Não estou aqui a defender que se impinja pechas e rótulos a alguém por ser de modo A ou B. Estou apenas dizendo que (pré)conceitos são inevitáveis porque não nascemos destituídos de capacidade julgativa.