O Problema da Onipotência divina
no pensamento de Ricardo Gondim
(www.ricardogondim.com.br)

Respostas do Teólogo Roberto dos Santos
Tese de Ricardo Gondim
Ouso pensar o mistério. Atrevo-me a nadar em águas sem fronteiras, aventurar-me no oceano infindável em que as afirmações suscitam novas dúvidas. De antemão, valho-me da máxima socrática: "Só sei que nada sei!". Aproprio-me também do princípio de Tomás de Aquino em sua Suma Teológica: "A respeito de Deus, quando não podemos saber o que ele é, sabemos o que não é".
Resposta de Roberto dos Santos
Nos estudos teológicos aprendemos que há dois tipos de teologia. Quais? Teologia negativa e teologia positiva. A positiva diz que é possível conhecer alguma coisa sobre Deus só a partir daquilo que está revelado ou é possível saber. Por outro lado, a negativa, leva-nos a aceitar a impossibilidade de não penetrar nos ministérios, reservados única e exclusivamente a divindade. "Só sei que nada sei", é um argumento dogmático tanto positivo, quanto negativo, isto é, primeiro, o filósofo afirma que sabe o que sabe, depois continua a afirmar que não sabe. O que isso significa? Na verdade Sócrates sabe e não sabe. Portanto, é possível saber e não saber. Por conseguinte, a fé ultrapassa os limites da razão, uma vez que a mesma não está obrigada a submeter-se aos princípios do conhecimento verificável.
Tese de Ricardo Gondim
Reconheço que "teologia é uma linguagem sobre Deus", como bem afirmou Gustavo Gutierrez. Portanto, se teologia é linguagem, será imprecisa, precária e sempre relativa. Ninguém é possuidor da "verdade absoluta" e mesmo que fosse, seria incapaz de traduzi-la, explicá-la ou demonstrá-la com "absoluta exatidão". Assim, toda a teologia é passível de ser criticada, revisada e aperfeiçoada.
Resposta de Roberto dos Santos
Concordo com Ricardo Gondim sobre seu conceito de teologia. Mas o que ele realmente entende por linguagem? Não é a teologia uma linguagem da Bíblia e nem da fé, antes, trata-se de uma linguagem da academia, e por isso mesmo, argumento que a revelação de Deus exposta na sua Palavra está muito além de qualquer declaração teológica ou cultural. Se somos cristãos evangélicos, a Bíblia Sagrada deve ser o nosso referencial de fé e doutrina. Respondo a Ricardo Gondim que Jesus Cristo é a verdade Absoluta de Deus (João 14.6). Por verdade absoluta, biblicamente falando, o evangelho de Jesus Cristo é a máxima de tal absolutismo de fé. Penso que Gondim está confundindo revelação bíblica com teologia ou argumentos metafísicos gregos. Pergunto: será que a fé de Gondim é natural ou santíssima (com base na Escritura)?



Tese de Ricardo Gondim
Minha ousadia tem a ver com o conceito teológico da onipotência, tão defendido e tão comumente assumido na fé popular. Desde a República de Platão já era possível encontrar o pressuposto de que Deus é imutável e, óbvio, onipotente. Por onipotência, entende-se perfeição em poder. Portanto, um Deus onipotente é compreendido como um ente que mantém os acontecimentos previstos, realizados e supervisionados de acordo com sua vontade.
Resposta de Roberto dos Santos
Fé popular? Não conheço tal fé , quando a mesma é de natureza bíblica . Mas vamos argumentar que a fé , segundo a Bíblia , é diferentemente da fé popular , uma vez que o sensu comum não tem autoridade para dizer que a fé exposta na Palavra de Deus é popular, senão espiritual. "Perfeição em poder". Não sabemos o que Gondim quer dizer por "perfeição em poder" , mas o poder de Deus é perfeito e perfeito o é em poder. A perfeição em poder quer dizer a perfeição em ação.

Tese de Ricardo com Gondim
Esse conceito de perfeição, que vem da tradição grega, ressalta que um Deus onipotente nunca pode mudar. Qualquer mudança implicaria em uma aceitação de que o estado anterior era melhor ou pior, o que é impossível para a Divindade. Em outras palavras, se Deus alegrar-se é porque antes estava sério. E se alegria é melhor que sisudez, Deus teria melhorado. Impossível! Perdoar, ter misericórdia, alterar destinos, nada disso seria concebível para Deus, pois são decisões que alteram a perfeição divina.
Resposta de Roberto dos Santos
Perfeitamente. Deus não pode mudar. Mas em que sentido Deus não pode mudar? Deus pode mudar em seu caráter moral ; Ele permanece o mesmo em sua natureza espiritual , ou seja , epistemológica. A questão da natureza de Deus do ponto de vista da ontologia diz respeito ao que Deus é em relação aos atributos metafísicos . Deus é imutável em seu caráter moral , mas mutável em sua ação providencial.



Tese de Ricardo Gondim
Influenciada por esse conceito, a teologia clássica pontifica que Deus é "o poder mais poderoso que se possa imaginar". E esse pressuposto é tão caro aos crentes, que muitos ficam zangados diante de qualquer questionamento. Mas cabe a pergunta: De que jeito é o poder mais poderoso que se possa imaginar? Os mais rápidos no gatilho teológico sacam as armas e respondem: "O poder de tudo controlar, de tudo organizar, de tudo gerenciar". Para eles, o maior poder concebível seria Deus regulando ou arbitrando sobre os nano detalhes do universo.
Resposta de Roberto dos Santos

Será que o teólogo Ricardo Gondim leu realmente alguns tratados teológicos, fez um bom curso de hermenêutica bíblica ou estudou profundamente as regras da lógica e fez análises profundas da metafísica? Qual a razão? É ele está misturando a doutrina da soberania de Deus com o livre arbítrio humano. O fato de Deus ser Senhor do Universo ou de todas as coisas não significa que Ele controla todas as nossas ações. Deus criou leis que regem o universo; Deus criou-nos como seres livres, dotados de perfeita liberdade para agir voluntariamente.
Tese de Ricardo Gondim

Essa idéia sobre Deus parece a mais lógica porque, dentro de elaborações gregas, realmente é inconcebível que Deus continue Deus sem que dirija os eventos tanto do universo visível como invisível. Alguns, contudo, resistem ferozmente que uma onipotência os comande; não admitem um universo encabrestado. Esses preferem se tornar ateus. Pe François Varillon afirma:
Não sejamos superficiais ao analisar a posição desses homens; no fundo, eles julgam mais digno do homem e conseqüentemente mais verdadeiro preferir um céu vazio ao fantasma de um imperador do mundo, potentado, déspota, dramaturgo supremo, a manobrar as marionetes da tragicomédia humana, fixando petrificando ou curto-circuitando liberdades que, aliás, supõe-se que haja criado.
Resposta de Roberto dos Santos
Prezado doutor Gondim: Deus não está preso ao pensamento grego e muito menos aos caprichos da ética judaica. O Deus Bíblico é soberano, livre, mas nunca condicionado a natureza que Ele próprio criou. Não é permitido dentro de uma boa discussão teológica argumentar a doutrina de Deus a partir premissas falidas da poética ou da filosofia. O seu argumento, portanto, não justifica o teísmo aberto, posto que, de outra forma, o nobre colega estaria negando até a existência de Deus pela sua fraqueza ou impotência em relação à estabilidade de todas as coisas.

Tese de Ricardo Gondim
A presença do mal se transforma em um nó dificílimo de desatar na filosofia e na teologia. Se Deus tem o poder de tudo determinar e tudo gerenciar, como aconteceu o pecado? Existiu o livre arbítrio em algum tempo? Se existiu duas vontades colidiram. Se pecado é escolher o mal ou o vício, como alguém (até mesmo o primeiro casal) poderia fazer essa escolha sem infringir a vontade onipotente de Deus? No caso de um pecado original, ou Deus se fez de rogado ou intencionou, por detrás dos panos, que acontecesse a primeira transgressão. No exato instante da primeira rebelião, Deus estava no controle?
Resposta de Roberto dos Santos
É aqui que a teologia de Gondim peca, pois em sua busca, ele procura interpretar pela lógica de sua falácia espiritual, discutir os desígnios de Deus. Ninguém sabe com certeza a razão pela qual Deus decidiu "abandonar o homem" a mercê do seu livre arbítrio. O certo é aceitar o registro bíblico como revelação e não entrar em pormenores sobre a razão pela qual Deus não impediu ou guardou o primeiro casal da chamada queda que culminou no que conhecemos por pecado original ou hereditário.
A decisão divina foi dar ao primeiro casal a potencialidade de decisão. Tal decisão não interfere no governo supremo de Deus, pois no seu governo tudo é permitido com base na livre escolha. Se não aceitamos essa verdade, então o pensamento de Gondim é que Deus é responsável pelo problema do mal.



Ricardo Gondim
Caso tenha decidido não interferir nas decisões erradas quando podia fazê-lo, será que Deus tem objetivos posteriores? A sua onipotência fica preservada, mas ele deixa um rastro suspeito. Deus trabalha com armações maquiavélicas, em que os fins justificam os meios? Será que a universalização do sofrimento com tragédias dantescas estão rigorosamente sob seu querer para que o capítulo final da história permaneça glorioso?
Resposta de Roberto dos Santos

Agora o estimado teólogo assumiu a culpa de tentar culpar a Deus. Pergunto: como é possível saber o que Deus pensa ou descobrir sua mente em relação à evolução do universo e a liberdade humana? Culpar a Deus é perder a fé e negar o evangelho, porque, pelo que estudamos em sua Palavra, o fim da história já está alicerçado em Jesus Cristo. A cruz aponta para o sofrimento de Deus no mundo, enquanto que a ressurreição, para a esperança, isto é, para uma nova humanidade.
Tese de Ricardo Gondim
Aqui começam os problemas. Se Deus traçou todos os mínimos detalhes da história e tem tudo sob seu mais rígido mando, não só os esboços gerais dos acontecimentos, mas os detalhes estão "pré-ordenados". Quando um maníaco estupra e mata seis adolescentes, o homicídio não foi só previsto, mas arquitetado pelo Divino. E como poder absoluto não pode admitir detalhes fora do seu governo, às sórdidas minúcias do crime, bem como a macabra execução, teriam que ser não só antecipados, como minimamente determinados por Deus. Criminosos, genocidas, torturadores não passariam de executores finais de uma vontade escondida. Se "soberania" não permite ações dentro de parâmetros largos, então "soberania" especifica cada atitude e micro-gerencia os pormenores das escolhas de Madre Teresa, Pinochet, Gandhi e Idi Amin. A história se resume ao mero desenrolar de uma "vontade ativa" ou "permissiva" de Deus.
Resposta de Roberto dos Santos

Os argumentos usados por Ricardo Gondim atacam profundamente a posição agostiniano-calvinista e não a posição paulino-evangélica. Em outras palavras, Ricardo Gondim, deveria sustentar seu ponto de vista a luz das Escrituras como um todo e não ficar lançando torpedos teológicos contra uma posição que não representa o pensamento geral de todos os teólogos e cristãos no ocidente. Soberania implica vigilância, supervisão, administração indireta, e nunca interferência nas ações humanas a não ser com base na providência divina quando é necessário Deus agir em prol de sua glória ou realização de algum milagre a favor da humanidade como foi o caso do grande amor de Deus manifestado na pessoa de Jesus Cristo (João 3.16).
Tese de Ricardo Gondim
Teólogos fundamentalistas escrevem coisas estranhas (não se espante nem ria): "A vontade de Deus era que o criminoso agisse, mas que o fizesse com liberdade". Vem embutido nesta afirmação um conceito muito caro para o calvinismo: "É possível ser livre e controlado ao mesmo tempo". Sabe-se lá o que isso significa. Já fui contestado com argumentos do tipo: "A vontade de Deus é que o maligno se sinta livre para praticar a sua malignidade, mas que escolha debaixo da rigorosa vontade de Deus". A incoerência interna do argumento é tão absurda que não merece ser levada a sério. Entretanto, ela é repetida e comentada como "ortodoxa" em colóquios teológicos. Insisto na pergunta: Como uma pessoa pode agir com liberdade se foi programada e determinada, sem opção de transgredir?
Resposta de Roberto dos Santos
Por liberdade humana não afirmamos que o que pensamos , agimos ou falamos , devem passar primeiramente, pela permissividade de Deus. Não é isso! A liberdade humana não é um programa de computador que Deus nos deu ao sermos criado sua imagem e semelhança; a liberdade de Deus em nós é a nossa liberdade fora da liberdade de Deus. Mas o que isso significa? É que existe a liberdade de Deus e a nossa liberdade, e a diferença está exatamente no exercício da liberdade individualmente sem qualquer tipo de interferência como se a nossa liberdade fosse apenas um reflexo da liberdade de Deus em nós.
Tese de Ricardo Gondim
Será que o poder de Deus é sua capacidade de fazer com que os humanos se comportem exatamente como ele quer, enquanto acreditam que são livres? Se esse for o caso, a humanidade vive sob o império do logro. A humanidade é pior do que os golfinhos que se imaginam livres quando fazem estripulias dentro dos aquários e mal percebem que só cumprem os acenos do adestrador. Sim, seríamos piores que os golfinhos. Eles não são dotados de uma racionalidade consciente como os humanos.
Varillon afirmou que "seria radicalmente impossível para mim fiar-me em Deus, abandonar-me a Ele em confiança se nada soubesse sobre a natureza de seu poder. Sim, Deus é todo-poderoso, mas poderoso com que poder?" O poder de Deus é o poder do seu amor.
No caso de haver um controlador, seja lá qual for esse poder, alguns (eu me incluo entre eles) preferem a liberdade à escravidão. Repito as palavras de Varillon: "Não posso afirmar que creio num Deus todo-poderoso, a não ser que tenha a certeza de que se trata de um poder que não ameaça a minha liberdade".
Resposta de Roberto dos Santos
Ricardo Gondim gosta muito de citar filósofos, teólogos, poetas e autores renomados para justificar seu pensamento. E a Palavra de Deus? O questionamento vazio de fé em Deus e nas Escrituras leva o homem a sua própria destruição. Quem somos nós para questionar o que é melhor para Deus ou o que Deus deveria fazer? "O poder de Deus é o poder do seu amor". Se isso é realmente verdade na teologia de Gondim, então o seu questionamento deve encerrar-se, pois é o amor de Deus que vai justificar todas as coisas, afinal. E, por fim, se algum cristão é questionado sobre sua fé ou a questão da existência de Deus e o problema do mal no mundo, é o amor de Deus que deve prevalecer acima de todas as cogitações humanas. Na minha análise teológica o amor de Deus é parte de sua natureza moral e nunca de sua natureza metafísica, pois Deus em sua gloriosa existência (in) não é afetado exteriormente a não ser no evento histórico-antropológico da sua graça na pessoa bendita de Jesus Cristo (João 1.14).



Tese de Ricado Gondim
Portanto, "a onipotência de Deus é onipotência de amor". Novamente concedo a palavra a Varillon:
Entre onipotência e amor todo-poderoso, há uma grande diferença; há literalmente um abismo. O cristão não diz acreditar que Deus é todo-poderoso, diz acreditar em um Deus Pai todo-poderoso. No Credo, a afirmação de Deus e de sua onipotência é pronunciada e compreendida num movimento de confiança e amor, expresso precisamente por essa preposição. Dizer: creio em ti é dizer: sei que teu poder não é um perigo para minha liberdade, mas que ele está, bem ao contrário, a serviço da minha liberdade.
Deus é amor. Seu amor é onipotente. Repito e repetirei um milhão de vezes: Deus tem poder para amar infinita e fielmente, nunca para controlar.
Resposta de Roberto dos Santos
O Argumento da Escolha
Termino aqui, fazendo a seguinte pergunta ao respeitado teólogo Ricardo Gondim: Deus ama porque é onipotente ou é onipotente porque ama? Segundo Gondim, "a onipotência de Deus é a onipotência de amor". Certo ou errado? Errado. Eis o argumento: "a onipotência de Deus é a onipotência de liberdade". Deus só pode amar se é livre, soberano, potencialmente capaz. Não é o amor a base da onipotência divina; é a liberdade de Deus que o capacita a amar, pois, amar implica fazer escolha, e isso só é possível quando se é livre, onipotente, soberano. O amor de Deus é apenas uma das manifestações da sua onipotência e não a única. Daí a pergunta que fizemos no inicio: Deus amar porque é onipotente ou é onipotente porque ama? A Resposta é simples: Deus não pode amar se não fizer escolha. A escolha de Deus é o que o torna onipotente e não o contrário. Concluindo: "a onipotência de Deus é a onipotência de liberdade".
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Roberto dos Santos é pastor da Assembleia de Deus (SP), conferencista internacional, teólogo com PhD pela Friends International Christian University, docente superior pela Universidade Gama Filho e autor de vários livros teológicos.
E-mail: [email protected]