A Constituição Federal de 1946 já havia recepcionado a teoria do risco administrativo para tratar da responsabilização do Poder Público por ocorrência de danos causados a sociedade.

Essa mesma responsabilidade objetivo do Estado atualmente está contemplada no art. 37, par. 6º,  da CF-88,  verbis:

  “Para ocorrer a responsabilidade objetiva são exigidos os seguintes requisitos:

1) pessoa jurídica de direito público ou direito privado prestadora de serviço público.

2) entidades prestem serviços públicos.

3) dano causado a terceiro em decorrência da prestação de serviço público (nexo de causalidade).

4) dano causado por agente, de qualquer tipo. 

5) agente aja nessa qualidade no exercício de suas funções”.

O Estado, responsável pela oferta de um complexo de serviços públicos aos cidadãos, como decorrência resta-lhe a possibilidade invariável de ser responsabilizado objetivamente por danos causados por seus agentes aos cidadãos. Também, as entidades particulares – assim como concessionários e permissionárias de serviço público - poderão responder objetivamente por prejuízos causados às pessoas.

Assim, o Poder Público que é investido constitucional e legalmente de competências tem o dever objetivo de adotar as providências essenciais à sociedade, de maneira a evitar danos às pessoas (objetivação da culpa).

O Poder Público tem o dever de indenizar quando vier a se configurar a prática de danos às pessoas (físicas e jurídicas). Nesse caso, verificando-se que o Estado deixou de adotar as providências adequadas - presentes as condições à formulação de um juízo de reprovabilidade, poderá dar ensejo ao dever objetivo de ressarcir os prejuízos causados por omissão de seus agentes.

 Registre-se a desnecessidade de se perquirir acerca de possível existência do elemento volitivo pertinente à ação ou omissão que der causa ao dano,  o que caracterizará a materialização da vontade. O Estado tem o dever subjetivo de evitar danos às pessoas, deixando de praticar os atos consistentes a evitar essa ocorrência, sendo prescindível se perscrutar a existência desse elemento volitivo.    Aplica-se nesse caso a teoria da culpa do serviço público em razão da omissão do Estado, quando este deveria ter agido para evitar o dano causado.

Decorre daí a compreensão da objetivação do elemento subjetivo (o direito do cidadão de ter o Estado a cumprir com sua missão e, no caso de danos ao cidadão, a transferência para o plano objetivo da responsabilidade do Estado), não de sua ausência. A afirmativa da existência da responsabilidade objetiva deve ser compreendida em termos, haja vista que não há responsabilidade civil objetiva, mas há presunção de culpabilidade derivada da existência de um dever de diligência especial por parte de prepostos do Estado.

Em que pese a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ser adotada pela Constituição Federal, o Poder Judiciário, em determinados julgamentos, utiliza a teoria da culpa administrativa para responsabilizar o Estado em casos de omissão. Assim, a omissão na prestação do serviço público tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service). A culpa decorreu da omissão do Estado, quando este deveria Ter agido. Por exemplo, o Poder Público não conservou adequadamente as rodovias e ocorreu um acidente automobilístico com terceiros.

O Poder Público poderá se isentar de indenizar caso fique provado que a conduta do agente público não tenha concorrido para a causa do ou se concorreram outras circunstâncias que possam afastar sua responsabilidade, como nas causas excludentes da responsabilidade estatal a ocorrência de força maior – caso fortuito (v.g.: um raio, enchente...) ou por culpa exclusiva da vítima para a ocorrência de dano (podendo haver indenização parcial por culpa concorrente da vítima e do Estado, cabendo o ônus da prova ao Poder Público).

JURISPRUDÊNCIA:         

SERVIDOR PÚBLICO – CULPA E DOLO - PRÁTICA DE ATO LESIVO – RESPONSABILIDADE DE INDENIZAR O ERÁRIO PÚBLICO:

“(...) 8. Não se pode olvidar que a Constituição Federal prevê a responsabilidade objetiva apenas do Estado (CF, artigo 37, par. 6º), impondo ao servidor, havendo culpa ou dolo na prática do ato lesivo, a obrigação de reparar o dano causado ao erário, sempre, porém, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, LV). A apuração, porém, do fato culposo ou doloso, nas hipóteses que fogem às atividades específicas da administração, deve ocorrer no âmbito da jurisdição civil, pois a Constituição reservou exclusivamente ao Poder Judiciário a função jurisdicional (CF, artigo 5º, XXXV). É o que ocorre, por exemplo, com a cobrança de dívidas fiscais e multas. 9. Assim sendo, uma vez comprovado no processo administrativo que o servidor praticou falta funcional e ainda causou dano patrimonial ao Estado, por culpa ou dolo, caberá à comissão propor à autoridade competente a aplicação de uma das penalidades previstas no referido artigo 127, pois não há dúvida da competência da administração para apurar e punir o servidor por suas faltas de natureza administrativa. A pena de suspensão aplicada, convertida em multa na forma da Lei 8.112/90, é passível de execução pela própria administração, sendo tal ato legítimo. 10. Já a obrigação de indenizar os cofres públicos, no caso concreto (...) advém da responsabilidade civil do servidor, e poderá ser resolvida mediante desconto em folha, mas desde que haja a aquiescência do servidor. Caso contrário, como aqui ocorre, cabe à administração propor ação de indenização contra o responsável. A Lei 8.112/90, ao reportar-se à responsabilidade civil dos servidores públicos da União (artigo 121 e seguintes), disciplina a forma de atuação da administração, em tais casos, tendo em vista a necessidade de submeter ao Poder Judiciário a confirmação, ou não, do ressarcimento, apurado na esfera administrativa (...). 11. Sobre a forma de proceder em situações dessa natureza, esclarece mestre Hely Lopes Meirelles ser válido o desconto em folha ‘inclusive na hipótese prevista no par. 6º do artigo 37 da CF, mas, em qualquer caso, é necessária a concordância do responsável, porque a administração não pode lançar  mão dos bens de seus servidores, nem gravar unilateralmente seus vencimentos, para ressarcir-se de eventuais prejuízos. Faltando-lhe esta aquiescência, deverá recorrer às vias judiciais, quer propondo ação de indenização contra o servidor, quer executando a sentença condenatória do juízo criminal ou a certidão da dívida ativa (no caso de alcances e reposição de recebimentos indevidos) (...)” (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Maurício Corrêa, MS n. 24.182, DF, data da dec.: 12.02.04).

“Desaparecimento de talonários de tíquetes-alimentação. Condenação do impetrante em processo administrativo disciplinar, de ressarcimento ao erário do valor do prejuízo apurado. 3. Decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de descontos mensais, em folha de pagamento, sem a autorização do servidor. 4. Responsabilidade civil de servidor. Hipótese em que não se aplica a auto-executoriedade do procedimento administrativo. 5. A administração acha-se restrita às sanções de natureza administrativa, não podendo alcançar, compulsoriamente, as consequências civis e penais. 6. À falta de prévia aquiescência do servidor, cabe à administração propor ação de indenização para a confirmação, ou não, do ressarcimento apurado na esfera administrativa. 7. O art. 46 da Lei n. 8.112, de 1990, dispõe que o desconto em folha de pagamento é a forma como poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, após sua concordância com a conclusão administrativa ou a condenação judicial transitada em julgada. 8. Mandado de segurança deferido” (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Maurício Corrêa, MS n. 24.182, DF, data da dec.: 12.02.04).

HOMICÍDIO – POLICIAL  - PRÁTICA DE CRIME PRATICADO COM ARMA FUNCIONAL:

"(...) Reparação de danos. Homicídios. Responsabilidade  civil do Estado. Crime  praticado por policial civil, com arma da instituição policial, que não estava no exercício da função pública. Sentença  penal condenatória. Responsabilidade objetiva. Pensionamento até a provável sobrevida do ofendido. Dano moral. Cumulatividade. Despesas de funeral. Recurso parcialmente provido. Na raiz de todo caso, que envolve a culpa administrativa, está o ato do homem a quem se atribui o dano. O que empenhará a responsabilidade do agente ou da administração através do ato do próprio funcionário. No mínimo, responderá o Estado por haver escolhido mal aquele que deveria representá-lo ( culpa in eligendo)" ( José Cretella Jr. Tratado de direito administrativo, vol. VIII, 1ª ed. Forense. Rio de Janeiro, 1970, pág. 284). Ainda que investido da função  de preservar a segurança e manter a ordem social, o policial portando arma de fogo, natural instrumento perigoso, seja por entrega ou autorização do Estado, não está autorizado ao manuseio disparatado ou imprudente da mesma: de sua má utilização, resultando danos para os particulares, resulta para o ente público a obrigação de indenizar ( Said Cahali, Yussef. Responsabilidade civil do Estado. Malheiros Editores Ltda. São Paulo, 1996, p. 520). Para a responsabilização do Estado por ato de seu agente, não importa o fato deste se encontrar fora de sua jornada de trabalho, ou, no exercício de suas funções, bastando que, por ocasião da prática do ilícito, tenha este se investido da qualidade  de servidor estatal. Pelo simples fato de a arma utilizada para a ação criminosa ser de propriedade estatal, que lhe confiou o porte, mesmo fora da jornada de trabalho, assumiu o ente público o risco integral pelos eventuais danos que viessem a ser provocados por seu agente." ( ACv nº 97.008353-0, de Brusque, rel Des: Pedro Manoel Abreu. DJ nº 10.455, de 12.05.2000, p. 14).

ACIDENTES DE TRÂNSITO – VIATURA POLICIAL – INDENIZAÇÃO – ORÇAMENTOS:

"(...) Acidente de trânsito. Viatura policial que invade a pista onde trafegava o veículo ao autor. Demonstração do nexo causal entre o fato e os danos. Responsabilidade objetiva do Estado. Art. 37, §6º, da Carta Magna. Dever reparatório.  Por força do acolhimento da teoria objetiva no tocante á responsabilidade do Estado pela Constituição Federal, o dever de reparar nasce, para a Administração, com a demonstração do nexo causal entre o fato e o dano. Quantum indenizatório. Apresentação de três orçamentos. Elevada diferença  de valores entre oficinas de igual qualidade técnica. Condenação com base no maior deles. Inadmissibilidade. Reforma para fixar a indenização no de valor mais baixo. Recurso voluntário provido. Os danos devem ser ressarcidos em sua totalidade, sem, contudo, representar o locupletamento ilícito de uma das partes. Havendo nos autos orçamentos fornecidos por oficinas de igual padrão técnico, mas de valores díspares, deve-se considerar para a fixação do quantum o de menor  valor (...)". (ACv nº 99.006657-6, da Capital. Rel: Des. Sérgio Paladino. DJ nº 10.457, de 16.05.2000, p. 13).