SINOPSE DO CASE: Responsabilidade Civil do Estado¹

 

Lavínia Feitosa Silva Assunção²

Tiago Fernandes³

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Trata-se o expediente de indagação acerca da responsabilidade dos danos causadas à uma paciente, do Hospital São Judas, rede privada credenciado pelo Sistema Único de Saúde. A paciente, com 38 semanas entrou em trabalho de parto pela manhã, porém a realização do parto demorou horas, pois a equipe médica responsável estava em outro procedimento. No entanto, ao ser realizado, a criança nasce morta, em decorrência de asfixia causada pelo enrolamento no cordão umbilical.Semana antes a paciente tinha sido diagnosticada com pré-eclâmpsia neste mesmo hospital. Durante as horas de espera para a realização do parto, a paciente apresentou altas na sua pressão arterial. Devido a isso, foi pleiteado por parte da paciente uma ação de indenização por danos morais. Portanto, cabe também analisar se no caso houve alguma excludente de ilicitude ou, se comprovado a culpa, poderá haver ação de regresso em decorrência do processo.

Estudada a matéria, passo a opinar.

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

2.1.1. Responsabilizado civilmente: Município

Inicialmente, vale salientar, que o credenciamento consiste no processo de inserir uma unidade ambulatorial prestadora de serviços da rede privada no Sistema Único de Saúde, através de ato formal do Secretário de Estado da Saúde, com intuito de assegurar aos usuários do SUS a melhor promoção e assistência à saúde, de forma complementar às atividades da rede pública. Por destarte, a solicitação de credenciamento, se dá por ofício e/ou requerimento endereçada ao Gestor Municipal. Por meio deste processo, o solicitante, entrega uma declaração afirmando estar de acordo com as normas e tabelas de valores definidas pelo SUS, e que realizará todos os procedimentos a que se propõe.

A primeira questão em análise diz respeito a possibilidade ou não de responsabilização do Hospital São Judas. Cabe afirmar que se trata de uma rede privada credenciada ao Sistema Único de Saúde. Então, na condição de prestador de serviço público, incide o disposto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).

Bem como, acerca dos direitos e garantias positivados na Constituição Federal de 1988, afere-se também a responsabilização civil do Estado por danos morais causados na prestação de serviços à sociedade. O ordenamento adotou a teoria do risco administrativo, dispondo que atuação estatal que cause danos ao particular faz nascer para a administração pública a obrigação de indenizar, independentemente da existência de falta do serviço ou de culpa de determinado agente público.

A esse respeito também já se pronunciou a doutrina:

Os serviços prestados pelo Estado, que visam à materialização dos direitos positivados na Constituição, têm como destinatário o cidadão. Exatamente nesta prestação de serviços é que podemos notar a incidência da responsabilidade civil do Estado, uma vez que toda atividade, seja ela estatal ou privada, traz consigo uma carga de risco inerente. Assim, a responsabilidade civil do Estado se estende cada vez mais, nos mais diversos campos de atuação em que sua presença se faz necessária. (RODRIGUES, 2016)

 

Logo, na hipótese de danos ligados à situação criada pelo Poder Público, mesmo não sendo ele o próprio autor do ato danoso, recairá sobre ele a responsabilidade dos atos ou efeitos lesivos causados à paciente.

De acordo com jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:

A União não possui legitimidade passiva nas ações de indenização por falha em atendimento médico ocorrida em hospital privado credenciado no SUS, tendo em vista que, de acordo com a descentralização das atribuições determinada pela Lei 8.080⁄1990, a responsabilidade pela fiscalização é da direção municipal do aludido sistema. (JUSBRASIL, 2014)

Assim, se aos Municípios, de acordo com a Lei 8.080/90, compete o credenciamento, o controle e a vigilância dessas pessoas jurídicas de direito privado, “não há qualquer elemento que autorize a responsabilização da União Federal, seja porque a conduta não foi por ela praticada, seja em razão da impossibilidade de aferir-se a existência de culpa in elegendo ou culpa in vigilando” (REsp 1388822/RN, Rel. Ministro OG Fernandes, primeira turma, julgado em 13/05/2015, DJe 03/06/2015).

2.2.1. Responsabilizado civilmente: Hospital São Judas (Rede privada credenciada pelo SUS).

Pelo exposto, respondendo a cada um dos questionamentos formulados na consulta,opino no sentindo de que, será responsabilizado pelos danos causados à paciente, de forma solidária, o Município e o Hospital credenciado pelo SUS. Uma vez que, já se trata de entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que a relação entre hospital, incluindo também o Município conveniado, e o paciente caracteriza-se em uma relação de consumo. Qualificado como autêntico prestador de serviço, responderá objetivamente pelos danos causados ao paciente ou sua família. Por fim, aos responsabilizados, não caberá nenhuma das excludentes de licitude já expressos pela doutrina como: caso fortuito ou de força maior.

É o parecer. (data, local, assinatura)

Sendo assim, comprovada a negligência dos profissionais, recairá sobre ele a responsabilidade subjetiva. Sabe-se que, diagnosticada a eclampsia na paciente, ocorrem movimentos mioclonicos tanto fetais como do cordão que podem facilitar o estrangulamento do bebê. Observa-se então, um nexo de causalidade, entre os fatos. Uma vez que, ciente o médico da situação da paciente, foi negligente quanto aos procedimentos adotados.

Segundo ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabette somente “é típica a conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum” (p. 144, 1987). E nesse caso, constata-se a falta do dever de cuidar, da omissão por parte do médico, caracterizando assim, a negligência (GAGLIANO, PAMPLONA,p. 170-171, 2010).

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

3.2. É possível haver direito de regresso em caso de responsabilidade?

A ação de regresso do Estado contra seu agente reveste-se de garantia constitucional, conforme se extrai da segunda parte do §6º do artigo 37: “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).

Por outro lado, conforme entendimento jurisprudencial, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privados prestadora de serviços públicos é relativa à terceiros usuários, e não usuários do serviço (RE 591.874, Rel. Min. Ricardo Lewandoski, julgamento em 26-8-2009, Plenário, DJE de 18-12-2009, com repercussão geral). Sendo assim, comprovada a culpa do profissional, o Estado ao ser responsabilizado, poderá entrar com ação de regresso contra o mesmo.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 9ª edição, 1997.

GIOSTRI, HildegardTaggesell. Erro médico à luz da jurisprudência comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 24. Ed. São Paulo: Forense, 2016.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal:Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2005.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA Filho, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2016.

RODRIGUES, Ricardo Ramos. A responsabilidade civil do Estado. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/node/34924>. Acesso em: 13 out 2016.

JUSBRASIL, Tribunal de Justiça do Paraná.  Apelação Cível e Reexame Necessário: APCVREEX 5537040 PR 0553704-0. Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6142475/apelacao-civel-e-reexame-necessario-apcvreex-5537040-pr-0553704-0/inteiro-teor-12279781>. Acesso em: 14 out de 2016.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 14 out 2016.