RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO[1]

Samilla Sousa Rodrigues[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Maria da Liberdade, 28 anos, gestante de 38 semanas, residente do município de São José, entrou em trabalho de parto no Hospital São Judas (Rede privada credenciada pelo SUS) no dia 01/01/2016, às 14hrs.

As 15h:30m, Maria da Liberdade foi atendida pela enfermaria/emergência do Hospital que aferiu sua pressão arterial, a qual media 120/85mmHg. Logo após, esse procedimento, a equipe do hospital informou que a equipe médica responsável pelo parto estava finalizando outros procedimentos e que em seguida realizaria a cesariana da paciente.

Maria da Liberdade realizou todo pré-natal no Hospital São Judas e na 20° semana de gestação foi diagnosticada com Pré-eclâmpsia, já que sua pressão arterial aferia 160/130mmHg naquele período. A equipe médica recomendou à paciente repouso absoluto e a prescrição de medicamentos anti-hipertensivos. Após o diagnostico e a prescrição médica a pressão arterial de Maria Liberdade estabilizou, com pequenas variações diárias. E assim foi até a 38° semana (01/01/2016).

Às 16h:45m a equipe médica do Hospital São Judas ainda não havia chegado para realizar o parto da paciente e a pressão arterial já apontava 160/110mmHg. As 18h:00m a equipe médica levou Maria da Liberdade para o centro cirúrgico e realizou o parto por vácuo extrator, mas a criança nasceu morta em decorrência de asfixia causada pelo enrolamento no cordão umbilical.

2 POSSÍVEIS DECISÕES

2.1 Responsabilidade Civil do Estado

No caso apresentado acima, percebe-se claramente que houve uma omissão ao prestar um serviço médico, num hospital particular, mais que aceita pacientes pelo SUS- Sistema Único de Saúde, programa instituído pelo Governo.

Entretanto, a responsabilidade civil objetiva recai não sobre o particular, mais sobre o Estado. Visto que, o mesmo deveria garantir saúde de qualidade a todos e, impedir que omissões como a do caso gerassem tamanha tragédia para a vida da gravida e do seu bebê.

Para se falar em responsabilidade civil, é necessário entender do que se trata, e, conforme Claylton Reis Okçana Yuri Bueno Rodrigues (2012?): “responsabilidade civil pode ser tida como a sanção imputada àquele que por um motivo ou outro (ato ilícito) causa lesão à terceiro e por tal motivo tem o dever de repará-lo moral ou materialmente.”

Portanto, a responsabilidade civil imputa ao agente uma medida de reparar, de consertar algo que tenha sido prejudicado por ele mesmo. Pois, Hely Lopes Meireles () afirma que “incide a responsabilidade civil objetiva quando a Administração Pública assume o compromisso de velar pela integridade física da pessoa e esta vem a sofrer um dano decorrente da omissão do agente público naquela vigilância ( 1998,p.536).”

No caso do hospital, pode-se também entender a situação pela teoria da culpa administrativa, pois, a mesma implica uma transferência de culpa, do agente público para o serviço público em si. Ou seja, se houver uma deficiência no serviço público, para com a sociedade, o Estado tem o dever de indenizar (REIS; RODRIGUES, 2012?).

Hely Lopes Meireles aduz que ( 1998,p.532):

A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta do serviço-culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se, também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se convencionou chamar de culpa administrativa.

Há ainda que se falar de duas facetas do Estado, diante da responsabilização:

Como não se desconhece, quando se fala em responsabilidade civil do Estado, deve-se esclarecer que essa responsabilidade desenvolveu-se em dois planos distintos: aquele que decorre da obrigação de reparar por força da teoria do risco administrativo, de sorte que basta a ação, o nexo de causalidade e o resultado lesivo para nascer a obrigação de reparar, tendo em vista a necessidade do Estado de tutelar o cidadão; e o que decorre da omissão, de sua má atuação, das falhas do serviço, e, então, nestes casos, o Estado se equipara a qualquer outra pessoa e responderá subjetivamente se atuou mediante culpa (STOCO, 2011, apud REIS; RODRIGUES, 2012?).

 

A responsabilidade que se atrela à culpa também pode ser entendida no caso em discussão, visto que houve sim uma omissão, uma demora na prestação de um serviço essencial. Teve os riscos, mais a omissão prevaleceu e gerou danos irreparáveis, sendo assim passível de culpa.

 

2.2 Legitimidade passiva do Hospital

Fora comprovado a negligência por parte da equipe médica do hospital, que diante de um parto de grande risco, com uma gestante com elevada pressão arterial, veio a retardar a cirurgia, fazendo com que o feto da mesma, nascesse morto.

Para corroborar esse fundamento, tem-se o julgado da apelação de reexame necessário do Tribunal Federal da 2ª Região, nº 200051010046500 ( ) no qual foi decidido que a União pagasse indenização aos prejudicados, os atores da ação. A União afirmou que a responsabilidade do médico ensejaria responsabilidade apenas de meio e não de resultado, e que não houve erro médico na conduta. Entretanto, foi decidido por voto unanime que houve sim responsabilidade objetiva da União e foi fixado indenização, assim como fora comprovada a má conduta da equipe médica, como trecho do voto do relator e desembargador Marcus Abraham:

9 – O nexo de causalidade foi suficientemente comprovado pela perícia que identificou que o feto estava em sofrimento, sem que qualquer providência médica tenha sido tomada, o que indica que foi essa omissão no atendimento que provocou o resultado morte. Sem o laudo cadavérico, jamais se poderá afirmar, com certeza, a presença ou não de outros elementos capazes de levar ao mesmo resultado. A medicina não é ciência exata, e há elementos suficientes nos autos que indicam que a causa mortis, relatada na certidão de óbito, tem ligação direta com os fatos narrados e comprovados por perícia, o que é suficiente para caracterizar o nexo de causalidade. 10 – A negligência, o desleixo da equipe se estendeu, inclusive, ao preenchimento adequado do prontuário médico, que contém rasuras e está incompleto, contendo dados suficientes apenas para apontar a presença de sofrimento do feto, sem qualquer atitude da equipe para combatê-lo. Se medidas foram adotadas, o que poderia afastar o nexo de causalidade, estas não constam do prontuário. Deixou de cumprir ônus que lhe competia, de demonstrar que empregou as técnicas médicas adequadas e possíveis ao procedimento em exame. Não há como não relacionar a negligência com o dano narrado, estando presentes os requisitos que obrigam à indenização APELRE- APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO: REEX 200051010046500/RJ, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, Dje 05/08/2014.

Portanto, é inegável a responsabilidade da equipe médica no caso em discussão. Havendo omissão por parte da equipe e demora no atendimento. Sendo viável que o hospital também arque com uma indenização pelos danos causados à gestante.

 

2.3 Responsabilidade Civil do Município

 

Dispõe o artigo 30, inciso VII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) que “Compete aos Municípios: VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; [...]”

Percebe-se então que há uma responsabilidade solidária entre os entes da administração direta. Mas, no caso em questão, o responsável para indenizar é o Município São José.

 

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

 

3.1 É possível alegar excludentes de responsabilidade?

 

Pela teoria do risco administrativo tem-se duas vertentes. A primeira trata do risco integral e a segunda do risco administrativo moderado. Pela teoria do risco integral não se admite ao Estado as excludentes de responsabilidade, pois, o mesmo irá responder, mesmo que haja culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior (REIS; RODRIGUES, 2012).

Entretanto, tal teoria não é admitida no Brasil, exceto nos casos que as leis n° 10.309/2001 e 10.744/2003 dispõem (REIS; RODRIGUES, 2012).

Já a teoria do risco administrativo moderado, adotada pela Constituição Federal de 1988, admite excludentes de responsabilidade, nos casos de culpa da vítima, caso fortuito ou força maior (REIS; RODRIGUES, 2012).

Nelson Rosenvald aduz que (2008):

Caso Fortuito e Força Maior:

O Código Civil, art. 393, par. único, não faz distinção entre caso fortuito e força maior.

É o fato externo à conduta do agente de natureza inevitável, ou seja, independe da previsibilidade.

Fortuito interno X Fortuito externo:

É fato externo, mas se relaciona com a atividade do causador do dano. No fortuito interno, a vítima será indenizada.

Para o TJRJ, assalto em determinados lugares haverá responsabilidade. A situação de risco já é um fato que se relaciona com a atividade. Mas esta posição não é acolhida pelo STJ. Para esta corte, a transportadora não responde, é fortuito externo.

Fato exclusivo da vítima:

Exclui o nexo causal. A conduta que gerou o dano decorre da própria vítima (Inf. 327 STJ).   

 

3.2 É possível haver direito de regresso em caso de responsabilidade?

 

Sim, é totalmente possível. Para fundamentar tal tese tem-se o §6º do Artigo 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) que aduz:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Ainda sobre o direito de regresso, tem-se o Código Civil (BRASIL, 2002) em seu artigo 43, que afirma:

As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Tal direito é uma forma de garantia não só para o Estado mais também para seu agente estatal. Preleciona Ricardo Ramos Rodrigues (2011):

Para o Estado, o direito à ação de regresso possui o cunho de proteção patrimonial, uma vez que nos casos cabíveis pode-se buscar no patrimônio do agente a reposição das perdas ocasionadas pela indenização paga ao administrado em virtude da responsabilidade do Estado. Ainda em relação ao Estado, o direito à ação de regresso possui um cunho educativo. Uma vez que, só tem direito a tal ação nas situações em que seu agente atua com dolo ou culpa, ou seja, com negligência, imprudência ou imperícia, a ação de regresso é uma forma que o Estado possui, em tese, para educar seu agente de forma a não mais cometer tais erros.

Mediante o exposto é permitido sim o direito de regresso, ainda mais no caso acima que há a presença de culpa e de negligência por parte do agente estatal.

 

REFERÊNCIAS

 

APELRE- APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO: REEX 200051010046500/RJ, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, Dje 05/08/2014. Disponível em: <http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25263598/apelre-apelacao-reexame-necessario-reex-200051010046500-trf2/inteiro-teor-139236961>. Acesso em: 14 out. 2016.

 

BRASIL. Constituição Federal (1988). In: Vade Mecum. Organização de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes et al. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

_______. Código Civil (2002). In: Vade Mecum. Organização de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes et al. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 532-536.

 

REIS, Clayton; RODRIGUES, Okçana Yuri Bueno. Possibilidade de Reparação Civil por danos decorrentes de condutas omissivas do Estado aos Direitos da Personalidade. 2012? Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=a860a7886d7c7e2a>. Acesso em: 12 out. 2016.

 

RODRIGUES, Ricardo Ramos. A Responsabilidade Civil do Estado. 2011. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/responsabilidade-civil-do-estado-3> Acesso em: 13 out. 2016.

 

ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil- Responsabilidade Civil. 2008. Disponível em: Acesso em: 13 out. 2016.

 

 

[1] Case destinado à disciplina de Direito Administrativo I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[2] Aluna do 7º período do curso de Direito vesp., da UNDB.