Daniel Medeiros*

Minha primeira resolução de fim de ano é chegar ao fim do ano. Ou, pensando melhor: que o ano tenha um fim e que ele chegue. E nem precisa ser logo. Basta que seja minuto a minuto, hora a hora, dia a dia. Simples assim. 2017 foi um ano ímpar. Não teve como ele.  Sim, é uma redundância. Mas estou falando sério. E nisso 2017 foi igual a todos os outros anos. Não, não é um paradoxo. Nem uma charada. Apenas pense nisso.

Normalmente fazemos resoluções porque parece que a conta não fecha. A resolução de fim de ano é uma espécie de “esperem pra ver” ou “vocês não estão acreditando?” Isso tudo porque cremos que estamos em uma corrida, ou em um jogo, e as pontuações que obtivermos poderão ser trocadas ao final. Mas somente se chegarmos lá. Muito já se falou sobre esse “lá”, mas no fundo (como sabemos), “lá” é um lugar que não existe. Não é um corpo mais esguio, uma língua mais fluente, um curso de programação a mais no currículo. Não é um filho, um novo casamento, a viagem para a Índia. O lá está aqui, dentro da gente. É esse vazio que alguns mais céticos chamam de existência. Eu chamo apenas de vida.

Estamos aqui, essa é a grande verdade. E estar aqui dura por muito tempo. Tanto que nos perdemos. Não somos capazes de guardar na memória todo o tempo que estamos por aqui. Por isso, criamos uma marcação: horas, dias, meses, anos. Mas, mesmo assim, ainda é muita coisa. Então resolvemos destacar apenas alguns pontos desse tempo imenso: um dia para o aniversário; um para a mãe, outro para as crianças, um para a outra pessoa que está naquele momento com a gente. Ao longo dos 365 dias de um único ano, conseguimos ocupar uns dez, doze dias com esses eventos. O resto é uma imensa planície de minutos e horas passando entre um afazer e outro, uma série ou outra, um reality show e mais um, até mesmo uma novela, pelo menos até o fim do primeiro mês de exibição.

E então o ano vai acabando. Lembramos que ele passou e que foi longo, moroso, cansativo. Não, não! Existiram momentos maravilhosos! Aqueles dez ou doze momentos inesquecíveis. Ou foram só uns oito ou nove dessa vez? Ah, mas no ano que vem vai ser diferente, vai começar diferente, vai terminar diferente, vai ser todo ele diferente.

Evidentemente, não nos perguntamos como isso é possível, pois vivemos em um trem e a única chance de ser diferente é se ele descarrilar. No mais, nossa margem de escolha é ir para a cabine, olhar a janela ou ir para o bar tentar conversar com alguém. Ou - e é aí que quero chegar - tudo isso é só uma forma de dizer que esquecemos o mais básico e óbvio possível. Se não há necessariamente um “aí”, há, sem sombra de dúvida, um “aqui”, esse lugar e esse momento no qual me encontro. E não é a coisa mais ruim do mundo. Aliás, na categoria ruim, há centenas de situações que nem compensa começar a enumerar.

E aqui, nesse momento da minha reflexão, lembro da história contada pelo escritor americano David Foster Wallace: "dois jovens peixes estão nadando por aí e, por acaso, encontram um peixe mais velho nadando na direção contrária, que acena para eles e diz ‘Bom dia, meninos, como está a água?’ E os dois jovens peixes continuam nadando por um tempo, até que eventualmente um deles olha para o outro e fala: ‘O que diabos é água?’. É isso. É o que está aí, o tempo todo, o que eu desejo que continue. Um trem sobre os trilhos. Um avião no ar. O resto, ora, são meses e dias e horas e minutos. Começando agora!

 

*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.