Resumo: o presente artigo visa problematizar a preparação dos praças e reservistas que prestaram serviço no Exército brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial. No primeiro momento da discussão será introdutório. O artigo busca introduzir questionamentos sobre a História Militar, no intuito de tecer discussões em torno do lugar da operação historiográfica ao falar sobre guerras, exércitos e soldados. Dessa forma, essa problemática proporá uma breve contribuição para o que será abordado em sequência sobre o Exército. O artigo busca, subsequentemente, compreender a partir das fontes viabilização da mobilização de homens para o Exército, cujo intuito, era a formação de um Exército profissional. Quais os aspectos a mobilização dos civis para o serviço militar e a dificuldade gerada. No terceiro momento, o objetivo é o cotidiano do Batalhão, cujos homens foram direcionados para cumprirem o serviço militar. Trabalhar a questão do adestramento desses soldados no tempo de guerra e como era viabilizada a preparação desses soldados para a guerra em que o Brasil estava imerso.

Palavras-chave: História Militar, Exército, Mobilização.

INTRODUÇÃO

A guerra é uma prática cultural. O combate é eminentemente feito por homens. Os homens estão dispostos ao longo do tempo em combate, motivados por forças que necessariamente os impele a afronta. Por mais que as formas de fazer guerra tenham mudado gradativamente ao longo dos séculos, a guerra é feita por homens. Ao entendermos isso, é interessante compreender que, por se compor da força humana, a guerra mais do que nunca envolve o aspecto cultural. Urge, consequentemente a necessidade de compreensão das relações entre a sociedade e a instituição militar tem forçado muitos historiadores a olhar para o passado com outros olhos. Assim, com novas possibilidades, tem sido possível trabalhar a Nova História Militar desde uma perspectiva cultural, passado por temáticas sociais, e avançando a discussão para além do cerne político.2 Devemos compreender, portanto, que a guerra é um dos objetos da História, ao dar cabo no discurso da Nova História Militar. 3 Entretanto, nem sempre a História Militar foi de certa forma pensada no campo acadêmico. 4 O discurso que ela reverberou por muito tempo foi um reflexo das práticas militares. Eles atuaram como guardiões do que foi dito sobre o mundo militar ao falar, por exemplo do Brasil. 5 As duas instituições são diferentes na sua forma de falar sobre a história até por enxergá-la em aspectos completamente diferentes uma da outra. Isso é comprovável quando entra em cena a prerrogativa levantada por Michel de Certeau ao acreditar que “é, pois, impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do qual ele se organiza silenciosamente [...]”6 . Ele, mais a frente, discorre sobre a prerrogativa do lugar na operação quando ele considera que encarar a história como uma operação será tentar, de maneira necessariamente limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da ‘realidade’ da qual trata, e que essa realidade pode ser apropriada ‘enquanto atividade humana’, ‘enquanto prática’. Nesta perspectiva, gostaria de mostrar que a operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas ‘científicas’ e de uma escrita. Essa análise das premissas, das quais o discurso não fala, permitirá dar contornos precisos às leis silenciosas que organizam o espaço produzido como texto. 7 (grifo do autor) Ao deslocar a instituição do Exército para a academia, o não-dito, passa a incorporar o discurso por ter um novo lugar, ao utilizar novos procedimentos de análise, imersos na perspectiva cultural que abunda explicações na seara da Nova História Militar. Concluímos que a História, por seu turno, “seguramente é a mais completa das ciências humanas”. 8 A abordagem da História Militar sempre foi mais ligada ao político, tanto que falar de política era quase que necessário abordar o militar no seu cerne. Dessa forma, podemos inferir o mesmo que Johny Santana de Araújo ao considerar que certamente “tal como a Nova História, ou a Nova História Cultural, há uma Nova História Militar. Não é aquela dos Generais, das batalhas e estratégias das grandes manobras; há uma nova história militar cujo o cerne é a própria sociedade”. 9 Até porque, Marc Bloch completa, “raramente um líder consegue ter a si mesmo como sua própria testemunha”.10 A Nova História Militar tem realizado diálogos interessantes com outras áreas, numa tentativa de sanar deficiências que são inerentes a forma de como observar e analisar esses militares. A Antropologia tem sido uma “arma” bastante significativa na forma de entender os militares. Ao horizontalizar os militares como “nativos” onde esquematicamente há o estudo do “ponto de vista dos nativos”11 . No entanto, ao problematizar questões relacionadas ao pré-FEB, mais especificamente a preparação dos piauienses, não é intuito deste remeter-se ao temido “mito das origens”12, que é tão questionado por Marc Bloch. Procuramos aqui, problematizar com as fontes e discussões, o quão foi problemático esse período de preparação para a guerra, como os imbróglios característicos da época. Há poucas documentações acessíveis de cunho militar no que se remete a esse recorte. Se bem que o aspecto militar está bem presente dentro da sociedade brasileira e piauiense da década de 40, permitindo que tenhamos contato com o militar pelo aspecto do civil. Para isso, o trabalho com indícios é fundamental, ou seja, precisamente o paradigma indiciário. Carlo Ginzburg acredita que o paradigma indiciário é “a existência é reforçada no próprio momento em que se afirmar que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la”. 13 E, ele completa que Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas – no sentido de que, como já dissemos, suas regras não se prestam a ser formalizadas nem ditas. Ninguém aprende o oficio de coordenador ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática as regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição.14 (grifo do autor) Ou seja, não é nenhum método pronto, e vai requerer bastante da subjetividade e da sensibilidade do historiador. O historiador é um caçador. É um método que será preciso, conforme o olhar do historiador para as fontes. É função do historiador perguntar as fontes e saber ler os indícios que essas fontes deixam. [...]