Ambos os filmes apresentam uma reflexão  ótima em relação aos ensinamentos sobre como devemos ou não agir em relação às pessoas diferentes de nós, com hábitos e costumes peculiares, enfim, pessoas que possuem uma cultura diferente da que conhecemos.

A civilização como um grupo humano organizado por leis e regras, hábitos e costumes. Por sua cultura, sua maneira de entender o mundo. No entanto, ao contrário do que se pensa, a ideia de evolução de algumas sociedades ou civilizações sobre outras é ultrapassada. Há sim uma enorme quantidade de complexas civilizações diferentes. Formadas por culturas diversas. A cultura também não é algo estático, no interior das civilizações, se transforma e dá forma a várias manifestações diferentes ao longo do tempo em uma mesma civilização.

Estas pessoas(apresentadas em ambos os filmes)desenvolvem hábitos para se adequarem à realidade encontrada. Muitos não são compreendidos e são vistos com discriminação pelos membros da sociedade em geral, que não entendem as implicações e obstáculos enfrentados e logo passam a rotulá-los. Percebe-se nos filmes que pessoas com culturas diferentes, têm que enfrentar frente à indiferença de uma sociedade que muitas vezes é preconceituosa.

O filme "O enigma de Kaspar Hauser" conta a história de um rapaz, Kaspar Hauser, que passou grande parte de sua vida privado do convívio social. A partir daí sua triste trajetória nos aponta muitos resultados obtidos por sua privação cultural, pelo não desenvolvimento de sua linguagem. O fato de ter vivido muito tempo isolado de outras pessoas (até mesmo seu alimento era deixado à noite, quando dormia) trouxe a Kaspar Hauser graves consequências em sua formação como sujeito, como indivíduo.

Quando Kaspar é retirado do cativeiro e mesmo muito tempo depois, já com a linguagem desenvolvida é possível perceber através de seu olhar atônito, o espanto, o estranhamento frente à paisagem, frente às pessoas e suas reações. Através do filme podemos fazer uma reflexão sobre o papel da cultura e o papel da linguagem em vários aspectos. Para Kaspar Hauser todas as frases são vazias de significado porque não viveu a experiência da linguagem nas relações humanas. Seria impossível para Kaspar conhecer a si mesmo enquanto estava no cativeiro, pois somente podemos saber quem somos a partir de relações com outros humanos. Por não possuir linguagem nesse período, ele não poderia conhecer a si mesmo ou sequer pensar, refletir sobre a situação que vivenciava. O pensamento é vazio de conteúdo pela ausência da linguagem. Mais tarde, já com a linguagem mais desenvolvida passará a escrever suas memórias em uma busca, de uma construção de autocompreensão. Kaspar passa a perceber que o que interessava aos demais eram os enigmas em torno de sua história pessoal e não por sua pessoa.A única exceção a princípio era a palavra cavalo que, para ele, tinha algum significado porque um cavalinho de madeira era sua única companhia no cativeiro. O vazio de significado que as frases têm para ele comprova ou demonstram de algum modo que o homem quando privado do desenvolvimento mental do conhecimento, não irá interagir e nem viver em sociedade. Não sabia, no começo, dizer nada de si mesmo. Mais tarde, com o desenvolvimento da linguagem, ele fará uso do pronome “eu”, ou falará de si, de sua vida. Mesmo assim, Kaspar demonstra sentir-se totalmente excluído, não reconhecido pelos outros. Com o decorrer da trama, Kaspar sofre um atentado e termina assassinado, bruscamente anulado em sua humanidade.

Nesse filme podemos perceber a estreita relação entre língua, pensamento, conhecimento e a própria construção social da realidade. Sobre a construção social da realidade, um dos diálogos entre Kaspar Hauser e seu protetor nos permite saber que no cativeiro ele não era capaz de sonhar e, depois, fora dele, inicialmente confundia sonhos e realidade. Até mesmo a diferenciação entre sonhos e realidade é construída por meio da linguagem e das relações. Se nossa capacidade de conhecer o mundo está intimamente ligada à nossa capacidade de interagir, Kaspar não tinha como conhecer o mundo antes da linguagem.Ele passa a conhecer o mundo através da linguagem, mas, mesmo assim, este mundo lhe parecerá sempre estranho e escondido. Chega-se a uma conclusão que o ser humano necessita do contato com outros seres humanos para desenvolver toda a sua capacidade (mental e física) para se desenvolver bem em uma sociedade.

O filme  "Nell"  trata da história de uma pessoa que viveu isolada junto com sua mãe numa floresta, distante da cidade e do contato com a zona urbana. Após a morte de sua mãe, a personagem Nell passa a viver sozinha. O enredo do filme mostra a tentativa de civilizar Nell, nas ações do médico e da psicóloga. O filme aponta uma questão: Mas será certo civilizar uma pessoa selvagem, sem que ela deseje realmente isso? Pois observando-se o conceito de cultura sob o olhar da personagem, pode-se confirmar uma cultura em Nell, para os padrões que ela vivia. A partir dessas noções, traça-se um curioso embate entre o que é cultura e o que não é cultura. Todos os personagens do filme, em princípio, consideram Nell uma selvagem.

Atribuem-lhe a não civilização, um comportamento distinto do deles, uma falta de sociabilidade; enfim, os vários requisitos, para se viver em sociedade, sob o prisma deles, a personagem não apresentava. Ao se considerar, por exemplo, os rituais que Nell praticava, como a maneira como sepultou sua mãe ou a sua ida ao rio à noite para banhar-se ou mesmo o retorno ao local onde sua irmã tinha sido enterrada, não se pode, numa perspectiva de olhar dos outros personagens, considerar que ela não possuía uma cultura. Ao contrário, ela, mesmo isolada, mantinha a tradição cultural de seu grupo, qual seja, sua mãe e sua irmã. Quando os personagens Lovell e Paula pensam numa classificação para Nell como deficiente mental, fica evidente sua visão de que alguém com comportamento diferente do que se considera “normal”, pelo seu grupo social, tem necessidade de ser classificado como anormal. Entretanto, após uma certa convivência com Nell, tanto o médico como a psicóloga, percebem que Nell não apresenta qualquer tipo de deficiência. Ela apenas tinha uma maneira diferente,deles de enxergar as coisas. Isso produz nos dois personagens um início de percepção para uma visão diferente de cultura, o que se traduz, inclusive, num olhar diferente para as suas próprias vidas. Compreende-se melhor questões, aos equívocos que muitas sociedades cometem na tentativa de imposição de sua cultura frente à cultura do outro, ou mesmo, de não consideração da cultura diferente. O inicial exotismo verificado pelos personagens deu lugar a um encantamento associado a um desejo de entender melhor aquele universo bastante peculiar que Nell apresentava.

O filme é revelador, já que demonstrou uma possibilidade de, em contato com uma cultura diferente, as pessoas passarem a ter uma noção mais relativa da sua própria cultura. A cena do julgamento, ao final do filme, chama à reflexão desses aspectos, posto que Nell mostra a todos naquela audiência o quanto ela é um ser humano, ainda que tenha vivido em condições diferentes das de todos ali. Ela demonstra todo seu carinho, seu medo, sua angústia, sua vontade, enfim, sem nem mesmo falar à língua que os outros queriam que ela falasse, neste caso, o inglês.