Resenha sobre romance abordando a Revolução Francesa

Resenha. MANTEL, Hilary. A sombra da guilhotina. Trad. Vera Whately. Rio de Janeiro/ São Paulo: Record, 2009, 782 p.

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Nascida no ano de 1952 em Derbyshire, Reino Unido, Hilary Mantel, obteve merecido sucesso e reconhecimento no disputado mercado editorial de Língua Inglesa. Em "A sombra da guilhotina" (no original em inglês "A Place of Greater Safety"), a autora constrói um romance sobre a Revolução Francesa, arquitetando realidades no universo de um movimento que, ao lado de ser inspirado pelos ideias filosóficos de liberdade, igualdade e fraternidade, também revela-se sombrio por conta da violência, dos egos dos revolucionários e da massa enlouquecida pelo estômago vazio.

Maximilien Robespierre (1758-1794), George Jacques Danton (1759-1794) e Camille Desmoulin (1760-1794) são alguns dos revolucionários em jornada, materializando personagens que ao lado de tantas outras pessoas não tão notabilizadas na história e no romance, protagonizam a luta burguesa por uma cidadania enunciadora de uma nova ordem, que no bojo da ironia humana, traz a velha incompreensão, manipulação e violência igualmente como formas de desordem de um país que assiste perplexo e enlutado a disputa pelo poder. Nesse roteiro, bastaria legitimar-se no interior da construção das demandas revolucionárias que temporariamente o cidadão alcançaria artifício e deificava-se, emergindo dos porões de sua (falta de) consciência com o verdadeiro eu em um desfavor hobbesiano aos semelhantes, desde que assim tidos como inimigos.

O ideal revolucionário acaba enfeando-se, obscurecendo-se, armando-se, tornando-se farsante diante de si mesmo e em face do que um dia publicamente defendeu, quase que abandonando a própria honra diante de uma lógica muito mais maquiaveliana que rousseauniana. Aliás, não seria demais afirmar que a lógica de ação é, ironicamente, verdadeiramente maquiavélica, encarcerando inimigos, destruindo pessoas e valores no bojo do período do Terror, como se a revolução, em si mesma, fosse absoluta e uma deusa a ser glorificada.

Resultado dessa lógica – que na prática mostra-se "sans tête ni épaules" –, é não poder terminar distante da tragédia e da própria guilhotina enquanto instrumento de “depuração”, intimidação e amedrontamento. Para combater o inimigo político o cidadão torna-se diferente do bom, esquece dos próprios pesadelos e tenta conformar a vontade alheia no caminho hipócrita de supostos ideais únicos e absolutos. Como frequentemente ocorre em movimentos que proclamaram-se revolucionários e enunciadores de um "conjeturado novo". Ainda que incapaz de olhar profundamente para o próprio coração e de fazer criteriosa autocrítica, o “revolucionário da violência” cultiva a crença em si mesmo como portador indelével e inolvidável dos valores de curiosa singularidade pseudo-virtuosa e, afagado (ou afogado) no próprio ego – devidamente turbinado pelo individualismo reinante – cegamente supõe restar legitimado para denunciar e massacrar os insubmissos e refratários.        

O livro é longo e também de não trivial leitura. Contudo, para aqueles que interessam-se pela Revolução Francesa, representa uma viagem pelos conflitos e pela mente da autora sobre o período.