RESENHA Referência: Artigo Teoria do Currículo: O que é e por que é importante, de Michel Young (2013).

        O artigo objeto desta resenha aborda a importância da teoria do currículo, onde o autor destaca suas concepções práticas e teóricas bem como os desafios dos especialistas da área no que se refere às implicações e discussões acerca do currículo e o que elas têm sobre a formação do aluno. O texto é bem abrangente e de linguagem acessível, inclusive aos leitores sem experiência na área.
        De início, o autor destaca uma questão como sendo o tema central de toda a discussão que envolve a teoria do currículo. Essa questão, que parece muito simples, revela-se, no decorrer do texto, muito mais profunda, e o autor, nesse texto, não parece se atrever a dar a ela uma resposta: "O que todos os alunos deveriam saber ao deixar a escola?"
        Ao mesmo tempo em que a pergunta parece nortear toda a discussão a respeito da teoria do currículo, o próprio autor entende que ela abrange apenas um nível de investigação do tema. O texto prossegue com um contexto histórico, com base na experiência dos Estados Unidos e Inglaterra. No primeiro, os currículos sofreram influência da teoria de administração de Taylor, assumindo um formato restritivo e de certa forma "mecânicos"; no segundo havia a tradição dos currículos "liberais" com as premissas de que não havia a necessidade da teoria e que o fracasso era fruto da incapacidade dos alunos. O autor ressalta que ainda se tem reflexos destes modelos, pois a ideia de que as escolas têm que ser eficientes como fábricas não desapareceu por completo.
        O autor prossegue com a evolução do campo da teoria do currículo resultado das críticas aos modelos inglês e estadunidense, em especial os trabalhos dos teóricos Bill Pinar, Michael Apple, Tom Popkewitz e Jean Anyon. Também houveram contribuições de sociólogos da educação, e o texto cita ainda Basil Bernstein com uma contribuição importante, nas palavras do autor, foi ele quem "pôs a teoria do currículo no mapa".
        Na sequência, o autor se lança à análise dos papeis críticos e normativos da teoria do currículo, segundo ele, ambos os papeis devem ser exercidos pelo especialista em currículo, o papel crítico deve ser o de analisar as estruturas curriculares vigentes, seus pontos fortes e fracos, suas aplicações e usos, extrapolando os limites do autor, pode-se dizer que, no exercício do papel crítico, o especialista deve ver o currículo formal como um instrumento não só de formação escolar ou acadêmica, o currículo deve ser a ponte que una os diversos tipos de conhecimento e permita de fato ao educando a formação plena.
        O papel normativo dos especialistas, segundo o autor, deve ser de lançar as bases formais do currículo, inclusive para serem alvo do papel crítico, mesmo porque não se pode criticar o que não existe, a crítica não pode ser um fim em si mesma. O papel normativo assume então a incumbência de trazer o que se discute no campo das concepções, das ideias e das críticas, e formatá-lo de modo que possa ser seguido pelas instituições.
        Na visão do autor, estes papeis estão hoje claramente separados e esta separação prejudica ambos os aspectos. Segundo ele, quando os especialistas atuam no papel normativo e "prescrevem modelos para um currículo melhor" raramente levam em consideração as análises críticas, por acreditar que não caberiam emendas, que não há necessidade de se rever conceitos. Na contramão, seguem aqueles que focam sua atuação no papel crítico sem se preocupar em oferecer alternativas, o autor cita Foucault que, segundo ele, é invocado pelos teóricos críticos quando são questionados, a ideia defendida é de que o papel do intelectual não seria o de propor soluções.
        O autor defende uma posição delicada que mostra exatamente o que ele espera da atuação dos especialistas em currículo. Para ele, nenhum professor quer um manual, instruções sobre o que ensinar, entretanto, não ter sequer princípios norteadores isolaria e tiraria a autoridade do docente. Para Young (2013), os professores precisam do currículo para afirmar sua autoridade profissional, o que se entende é que ele espera que os professores atuem também como críticos aos currículos propostos e os recontextualizem com as realidades locais e individuais, assim haveria a prática de ambos os papéis, o normativo e o crítico.
        Há no decorrer do texto um questionamento sobre a divisão entre os aspectos críticos e formais. O autor relata que essa divisão não é percebida em outros ramos especializados do conhecimento, para ele os próprios teóricos do currículo são parcialmente culpados, essa culpa se apresenta pela dificuldade que os teóricos têm em concordar, não há consenso sequer sobre o objeto da teoria ou mesmo sobre seus limites, também não tem sido de ajuda buscar conceitos críticos em outros campos.
        Conforme o autor, ao se procurar em outras ciências conceitos e aplicá-los à teoria do currículo, há o risco de que se desconsidere duas questões/premissas que ele próprio considera cruciais: a de que a “educação é uma atividade prática” e que a “educação é uma atividade especializada”, prática no sentido de educar trata de fazer coisa com os outros e para outros e especializada quando sistematiza o conhecimento em termos de o que ensinar e como ensinar.
        Estas indagações levam o autor ao conceito educacional do currículo, para o autor trata-se do conceito mais importante oriundo do campo dos estudos educacionais, ele pondera que atualmente o indivíduo pode adquirir conhecimento especializado por conta própria, já que dispõe de vasta gama de conhecimentos especializados disponíveis em diversas fontes (o texto cita livros e internet), contudo este mesmo indivíduo, caso queria ver esse conhecimento reconhecido perante a sociedade, deve procurar uma instituição cujo currículo inclua tal conhecimento e onde há o profissional especialista em ensinar que é o professor.
        A questão crucial deste conceito é “qual conhecimento deveria compor o currículo? ”, para ele se não há resposta a esta pergunta a autoridade dos teóricos do currículo estará em xeque, na verdade o autor ele parece já ter posição definida, não como uma resposta à pergunta acima, mas numa constatação de que na verdade não se sabe o bastante a respeito do currículo.
        Ainda sobre o conceito de currículo o autor se apropria da ideia de seu colega David Scott que toma como ponto de partida não o currículo, mas sim o aprendizado, o texto faz uma analogia do aprendizado a um continuum, onde em uma extremidade estariam os conhecimentos produzidos no cotidiano, conhecimentos que se adquire ao se viver, em geral conhecimento tácito, na outra extremidade estariam os conhecimentos que são produzidos por pesquisadores em universidades (ou não), em geral o conhecimento de ponta, nesta analogia em algum local no meio deste continuum estão variados conhecimentos inclusive o conhecimento especializado e é onde (segundo o texto) encontramos o conhecimento escolar ou currículo.
        Esta ótica parece ser adequada quando consideramos que tanto o conhecimento tácito quanto o conhecimento de ponta não podem fazer parte do conceito educacional de currículo pois ambos não estão sistematizados, não estão ainda sujeitos às teorias normativas do currículo, um por ser de certo modo vulgar e o outro por ser tão novo que não fora ainda difundido. Os teóricos do currículo devem ser vistos como especialistas em tornar o conhecimento “ensinável” e “aprendível” já que segundo ele o conhecimento no currículo é sempre especializado em dois sentidos: em relação às fontes disciplinares e em relação às diferenças dos grupos de aprendizes. Ao processo de elaboração do currículo o autor soma uma terminologia de Bernstein: recontextualização.
        Ao termo “recontextualização”, o texto dá o significado como sendo o trabalho de incorporação dos conhecimentos disciplinares ao currículo escolar levando em consideração as especificidades do público que se pretende ensinar, incluindo idade e conhecimentos anteriores. Para Young (2013), o termo é relativamente simples dada a complexidade das ações que o mesmo encerra e ele considera ainda como responsabilidade dos teóricos do currículo a investigação de tais processos de recontextualização, devendo tais pesquisas abordar dois aspectos: a distinção entre os discursos pedagógicos oficiais e os discursos pedagógicos de recontextualização; e como o conhecimento curricular é selecionado, sequenciado e como progride.
        O texto traz como exemplo de pesquisa neste campo um caso ocorrido na Cidade do Cabo (África do Sul), que mesmo sendo um caso isolado ilustra o papel que a teoria do currículo pode ter na pesquisa curricular em geral, no caso citado o componente curricular termodinâmica do curso de engenharia toma o centro da questão pois para a engenharia o estudo e aplicação da termodinâmica pode ser útil (por exemplo) para se projetar um reator nuclear, já para os físicos este conhecimento é base para a compreensão de outros fenômenos relacionados ao calor e trabalho, segundo o autor espera-se que o aluno possa “se mover” entre os dois significados embora talvez os próprios professores não tenham condições de fazê-lo.
        Em sua conclusão, o autor enfatiza que o objeto da teoria deve ser o currículo, sabendo que ele é fruto de um sistema de relações sociais e de poder com relação ao contexto histórico do conhecimento como ferramenta de exclusão (nesse sentido o “conhecimento dos poderosos”) e também é corpo complexo de conhecimento especializado onde devemos saber se ele representa também o “conhecimento poderoso”, faceta que só assume quando é capaz de prover ao aluno explicações e alternativas qualquer que seja a área do conhecimento ou etapa de escolarização. Finalizando o texto, Young (2013) traz algumas questões reflexivas que levam o leitor a refletir sobre como o “conhecimento dos poderosos” pode ser tornado no “conhecimento poderoso”, pois segundo o autor é através destes processo que se reproduzem, ou não, as oportunidades sociais, o texto encerra com um chamamento aos teóricos para que se tornem “especialistas duplos” especialistas na teoria do currículo, mas também especialistas nos campos especializados do conhecimento, segundo o autor é nessa junção que a teoria fracassa. O texto é excelente, pois o autor consegue ser extremamente técnico com uma linguagem muito clara, o leitor, ao terminar o texto consegue perceber os desafios postos para os teóricos do currículo e ao mesmo tempo passa a ter consciência de que tais teorias que num primeiro momento parecem distantes tem impacto direto sobre a vida de todos nós.
Resenhista: Elano da Silva de Menezes – IFPA -Campus de Itaituba, 2017.