Resenha: Obra analisa o U2 para além do pop

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

STOCKMAN, Steve. Walk On: a jornada espiritual do U2. Trad. Jorge Camargo. São Paulo: W4, 188 p.

"Walk On: a jornada espiritual do U2" foi um desses livros que sempre soube que existia, mas que até então não o possuía e não o tinha lido. Até o momento em que um exemplar chegou às minhas mãos através de um amigo, que, após lê-lo, me fez o empréstimo.

De autoria de Steve Stockman, ministro presbiteriano na Irlanda que usa o trabalho do U2 em palestras, sermões e, também, em seu programa radiofônico na BBC Radio Ulster, o livro explora um lado da banda de rock irlandesa não muito conhecido do grande público, representado em sua "veia" cristã.

Formado por Bono (vocais, gaita e guitarra harmônica), The Edge (guitarras, vocais de fundo e teclados), Adam Clayton (contrabaixo elétrico) e Larry Mullen Junior (bateria, atabaque e percussão), o U2 surgiu em Dublin no ano de 1976, e, ao longo de todos esses anos, em algo muito raro na indústria musical, manteve-se na formação original e quase livre de escândalos, construindo a sua trajetória artística na fé em Deus e em seu compromisso com Ele, ainda que Adam Clayton declare-se ateu.

Estes aspectos até poderiam revelar incongruências, como possivelmente seria contraditório uma banda de rock exibir a sua fé e seus valores cristãos através da música e da cena pop. E é basicamente aqui que começa a se desvelar a obra de Stockman, nos demonstrando a espiritualidade do grupo ao longo das atitudes humanitárias dos quatro membros do U2 – mesmo de Clayton e, sobretudo, de Bono, não isentas de críticas diversas, é verdade –, na própria militância no campo dos direitos humanos e civis, na busca da paz entre as Irlandas, na luta pela preservação do meio ambiente, e, no que é mais importante, na oferta de espiritualidade em suas canções, que há mais de trinta e cinco anos vem encantando fãs em todo o mundo e se sublinhando pelas mais grandiosas turnês que o showbusiness já presenciou, igualmente alçando o U2 ao patamar de um dos maiores fenômenos musicais de todos os tempos.   

E observe-se que dentre as várias abordagens que Stockman traz sobre a fé do U2, ao longo do livro o que parece mais chamar a atenção é o significado das letras das canções, relatando passagens da Bíblia Sagrada, testemunhando as crenças do grupo e a (cons)ciência de uma missão de divulgar a palavra divina, permitindo aos fãs desavisados uma releitura profunda de sentido, em exemplo do que se pode constatar através da música "Until The End Of The World", do álbum “Achtung Baby”, de 1991. Nela, por meio de uma interpretação gramatical, tem-se o embate entre dois amantes que se encontram e desencontram, quando, provavelmente a garota do par mostra-se abatida, triste e melindrosa, recusando-se a interagir com o namorado e impacientando-se no ínterim de um diálogo poético de gestos, sombras e sussurros. Mas eis que pela exegese um novo – e verdadeiro – horizonte se desvela, no bojo de um contexto da traição de Jesus por Judas, onde, então, tudo parecer fazer sentido novamente. A grandeza do U2 se revela em momentos duais como este, especialmente porque as melodias e letras podem adquirir dimensões únicas e particulares para o público, o que, não raro, faz os fãs declararem abertamente que as canções são narrações da história de suas vidas.

O conteúdo que o livro de Steve Stockman nos traz, curiosamente, não traz apenas "júbilo" e descoberta, pois, ao se acompanhar o grupo por tantos anos e ao se confrontar com conclusões de um trabalho tão qualificado, sente-se certa frustração pela temporal falta de acesso a informações tão profundas e complexas sobre a banda, que impediram a possibilidade de melhor "consumo" e aproximação a um entendimento superior – apto a superar o superficial e o deslumbrante – de canções e concepções de turnês grandiosas, em exemplo dos espetáculos vistos em Zoo TV, Pop Mart, Elevation e 360º.

Enfim, esse é o U2, que canta e encanta em álbuns de estúdio e apresentações ao vivo, trazendo por meio de sua história e de seu trabalho sentido para as trajetórias particulares de tantos fãs.

Finalizando, "Walk On: a jornada espiritual do U2", de Steve Stockman, representa uma importante contribuição para o aprofundamento da compreensão do U2, de suas canções e, mesmo, de suas concepções artísticas e religiosas, possibilitando a superação da mera dimensão visível e consumista da cena pop musical.