Emerson Benedito Ferreira [1]

Thomas Hobbes nasceu em Westport, uma pequena aldeia localizada perto da vila de Malmesbury em 5 de abril de 1588 e faleceu em Hardwick em 04 de dezembro de 1679. Dentre outras notáveis atividades, destaca-se o Hobbes filósofo, matemático e teórico político. Escreve em 1651 suas principais obras, ‘Do Cidadão’ e ‘Leviatã’, esta última, objeto deste estudo.

Era filho de um pastor, e como não tinha condições de cursar nenhuma instituição escolar, teve como educação primária a leitura de livros religiosos. Conhece Robert Latimer quando tinha sete anos de idade e com este mestre aprende latim e grego, e aos 14 anos é matriculado por seu tio no Magdalen College de Oxford onde se intitula bacharel (WOLLMANN, 1994, p. 15).

Em 1608 começa a trabalhar para o Barão William Cavendish. Hobbes contava com 20 anos de idade e manteve o emprego até sua morte. Na presença dos Cavendish, e com uma biblioteca farta, Hobbes dedicava-se aos historiadores e grandes obras literárias, e paralelamente se dedicava a viagens á países como França e Itália, e passa a conhecer grandes pensadores de sua época como Francis Bacon, Galileu e Descartes.

Como introdução e apenas para situar o leitor sobre o período obscuro em que Hobbes escreveu Leviatã. Ribeiro (2003) cita a seguinte passagem de Behemoth:

Se no tempo, como no espaço, houvesse graus de alto e baixo, acredito firmemente que o mais alto de todos os tempos seria o que transcorreu de 1640 a 1660. Pois quem nele se postasse, como na montanha do Diabo para olhar o mundo e observar as ações dos homens, especialmente na Inglaterra, poderia descortinar um panorama de todas as espécies de injustiça e de todas as espécies de loucura que o mundo possa tolerar, e de como foram produzidas pela hipocrisia e vaidade (self-conceit), sendo aquela dobrada iniqüidade e esta dupla loucura. (p. 13).

          Considerado o “bête noir de seu tempo, chamado de o ‘Monstro de Malmesbury’, Hobbes sofreu dois processos de heresia. Seus escritos foram condenados e publicamente queimados, mas lidos avidamente pelos intelectuais, políticos e pelos mais humildes entre as pessoas comuns” (SOUKI, 2008, p. 239).

Com a obra Leviatã, todo o clero da Inglaterra declararia guerra a Hobbes, pois a classe teológica passou a odiar o autor (WOLLMANN, 1994, p. 15). Leviatã era um nome bíblico que designava um monstro marinho de que falava o livro de Jó:

Quem confia, se faz ilusões, pois já seu aspecto o derruba. Ninguém se atreve a provocá-lo. Quem lhe resistirá? Quem ousou desafiá-lo e ficou ileso? Ninguém debaixo do céu. (JÓ 41, 1-3).

Este monstro Hobbes equipara ao estado em sua obra. Monstro nem tanto pelo poder absoluto, mas pelo seu caráter artificial, pois “quem o ocupa pode ser um homem ou vários homens, não na qualidade de indivíduos naturais, mas sim como representantes de uma única vontade consolidada pelo pacto entre os homens’ (WOLLMANN, 1994, p. 65). Então, o Estado coloca-se acima dos indivíduos, embora represente-o e tenha sido criado pelo próprio homem. Ele se constitui como uma unidade formada por várias pessoas, e sua vontade passa a ser a vontade de todos.

Institucionalizado o Estado, o homem deixa de ser “lobo do homem” e passa a controlar suas paixões. Agora há contratos, leis, regulamentos que estavam ausentes no estado de natureza, onde o homem usa de sua força para fazer o que bem entende. O estado é uma multidão de homens unidos numa só pessoa, que os representa a todos (WOLLMANN, 1994, p. 65).

A obra se divide em quatro partes; 1: Natureza do homem e as leis naturais; 2: Natureza da sociedade civil e os direitos do poder soberano; 3: Da sociedade cristã e 4: Do reino das trevas.

Leviatã tem em sua primeira metade uma doutrina política confeccionada com louvor por Hobbes, e na segunda, críticas lançadas sobre a doutrina política, eclesiástica e jurídica da Igreja, não só a Igreja Católica, mas todas que buscavam um poder próprio diverso do poder estatal (WOLLMANN, 1994, p. 17).

Por isso, Hobbes não é um pacifista romântico. Ele não concebe de forma maniqueísta as causas da guerra e da paz. Ao contrário ele busca as causas da guerra tanto na natureza do homem como nos eventuais defeitos do corpo político artificial que ele constrói. Assim, tal como ele busca os princípios para a paz nas leis da natureza, pensa também a soberania de um Estado que possa conservá-la. (SOUKI, 2008, p. 254).

De forma sintetizada, podemos dizer que a obra inicialmente possui uma temática de caráter analítica, mostrando a evolução e desenvolvimento da consciência humana até que se inicie a formulação do conhecimento científico, com abordagem de conceitos de virtude e moral, e sobre a teoria da vontade, onde o autor denomina os estudos de interesses como paixões.

Salienta Hobbes já em um segundo momento da obra, que as paixões não se submetem às leis morais (justiça, gratidão, etc...), e portanto, todas as convenções criadas somente são necessárias para que a criatura humana possa conviver umas com as outras e sobreviver no mesmo espaço. Estas convenções acabam por conter o desejo de poder dos homens, criando um pacto coletivo, interesse inerente á todos. A República sendo responsável pelas convenções deve zelar pela segurança de todos, e o pacto se garante quando é realizada a escolha do soberano que a representará, já que este representante será o responsável por manter o pacto social em vigor.

Já na terceira parte do Leviatã, o autor disserta sobre o que ele chamou de ‘a República Cristã’, contrapondo Deus ao soberano. Para tanto, analisa a vida eterna, a salvação, o inferno, e etc. Neste contexto, Hobbes explanará ainda sobre o poder eclesiástico, sobre os direitos do reino de Deus. Na parte sobre o Reino das Trevas, o autor acaba por finalizar a sua obra com uma crítica sobre como se interpretava as sagradas escrituras.

Sobre a forma a que Hobbes pressente o poder e o Estado, eis a prenuncia de Ribeiro:

O poder sempre existe. No estado de guerra ou na sociedade civil, é uma ‘preeminência’ – a diferença que dá a um indivíduo uma certa vantagem sobre outro, para a obtenção de um bem futuro. Precede o Estado, cujo advento tem justamente a função de acabar de vez com o caráter caleidoscópico, mutante, das relações de poder na “condição natural da humanidade”, no estado de natureza. O poder é outro nome da desigualdade: impossível suprimi-la, e é por isso que a condição humana após o pecado exige a salvação política. O estado de natureza distingue-se do Estado-civil – e necessita-o – simplesmente porque a desigualdade, suficiente para deixar o homem á mercê da dominação e invasão dos outros, não basta ainda para dar a este poder a dimensão eterna, nem mesmo a curta continuidade temporal. Nisso distingue-se esse poder precário, sem consistência na tábua do tempo, cujas figuras sem estabilidade só servem de matéria ao “espetáculo do mundo”, e a estabilidade política, apanágio do teatro visto, não pela relação palco-platéia (relação de consumo, mas na sua base mesma, no vínculo hobbesiano de produção entre autor e ator (RIBEIRO, 2003, p. 26-27).

É de restar evidenciado que a obra em estudo teria sido escrita na vigência da Guerra Civil Inglesa, onde para o autor, seria o caos estabelecido (guerra de todos contra todos).

O autor destaca a natureza humana como extremamente egoísta. Este egoísmo gerador de vaidades é que geraria a Bellum Omnia Omnes (guerra de todos contra todos).

Assim, para que este caos (estado de natureza) não aconteça, seria necessário um governo central forte, sancionador das atitudes bélicas. Eis a defesa pelo autor de um contrato social com o governo de um soberano absoluto, em especial monárquico, estabelecedor da almejada paz.

HOBBES, Thomas. O Leviatã. Col. Os Pensadores. São Paulo:  Ed. Abril, 1984.

RIBEIRO, Renato Janine. A marca do Leviatã. Linguagem de poder em Hobbes. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

SOUKI, Nádia. Behemoth contra Leviatã: Guerra civil na filosofia de Tomas Hobbes. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

WOLLMANN, Sérgio. O conceito de liberdade no Leviatã de Hobbes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994. 

[1] Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Desenvolve investigações vinculadas à linha de pesquisa ‘Diferenças: relações étnico-raciais, de gênero e etária’ e participa do grupo de estudos sobre ‘a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença’ vinculado à UFSCar. É também Advogado, especialista em Direito Educacional e Filosofia da Educação pela FESL.