Resenha do livro Inferno, de Dan Brown
Publicado em 28 de abril de 2014 por Jean Carlos Neris de Paula
Resenha do livro Inferno, de Dan Brown
Nas 443 páginas do livro Inferno, lançado no mercado editorial pela Editora Arqueiro, o autor Dan Brown narra a aventura do simbologista Robert Langdon, na tentativa de conter a ameaça de uma contaminação biológica proposta por um cientista que se mostra contrário à OMS, por entender que distribuição gratuita de preservativos, palestra de conscientização contra a gravidez indesejada e demais medidas de contracepção não têm surtido efeito, uma vez que a população mundial aumenta em condições desesperadoras para o meio ambiente e para a sobrevivência humana.
Baseado nas ideias do matemático e demógrafo Thomas Robert Malthus, o qual afirmou que a superpopulação conduziria a um colapso, o geneticista Bertrand Zobrist desenvolve a Equação Apocalíptica Populacional, uma forma de conter o crescimento da população. Essa teoria se baseia no cálculo de que a Terra só suporta 4 bilhões de pessoas, e esse número já está quase o dobro, exigindo medidas sérias de controle de natalidade hoje, para que se possa vislumbrar um amanhã melhor.
Segundo a tradição religiosa, pragas e pestes eram enviadas por um Deus vingativo, presente no velho Testamento, por causa dos pecados capitais, sobretudo. Nesse sentido, a Peste Negra é avaliada como uma vantagem para a Idade Média, pois a redução do “rebanho humano” trouxe benefícios socioeconômicos que serviram de base para a formação do Renascimento, uma vez que, antes da Peste, a superpopulação se caracterizava por fome e miséria, por causa da escassez de recursos, entretanto, depois da epidemia, abundou recurso, alimento e oportunidade.
Zobrist, conhecedor da obra de Dante, A Divina Comédia, se diz disposto a evitar que a Terra se transforme na descrição infernal do poeta, a qual serve de base para o imaginário de Inferno da população religiosa. A obra, composta de 14.233 versos, apresenta três partes - Inferno, Purgatório e Paraíso - e o Inferno se mostra o mais lido, redefinindo a percepção de danação. Um mundo de fogo, enxofre, monstros e valas malditas gerou medo e aumentou o número de fieis da Igreja Católica. Afinal, o medo se mostra um contaminante que age mais depressa que um Virus. Sedutores, clérigos, fraudulentos, feiticeiros, hipócritas, traidores, ladrões e mentirosos constituem alguns dos punidos nas valas do Inferno.
A obra se chama comédia, mas não apresenta comicidade. Recebe esse nome porque, no século XIV, a literatura da Itália era organizada em duas linhas, a primeira, nomeada de tragédia, escrita em italiano formal, representava a alta literatura, e a segunda, chamada de comédia, escrita em vernáculo, indicava a baixa literatura, destinada à população em geral. Mesmo assim, observam-se no poema abordagens ricas de história, cultura, filosofia, política e sociedade. A Divina comédia se compõe de cantos, equivalentes a capítulos. São cem cantos ao todo, 34 dedicados ao Inferno, 33 ao Purgatório e 33 ao Paraíso.
O livro de Dan Brown faz, assim, um passeio pela obra de Dante, instigando os leitores a buscarem os ensinamentos ocultos em seus versos enigmáticos, marcados pelo simbolismo literário.
Zobrist, entendedor d’A Divina Comédia, força Langdon a seguir seus passos por meio da interpretação da obra, por isso o simbologista é convidado pela doutora Elizabeth Sinskley, diretora da OMS, para tentar conter o cientista que, na tentativa de impedir que o mundo se transforme no Inferno descrito por Alighieri, desenvolve um vírus bioaerosol, a fim de frear o crescimento populacional. Nessa caminhada, Robert é “ajudado” por Siena Brooks, médica superdotada, que mais tarde se revela amante de Zobrist e de suas ideias, mas que também tenta evitar a contaminação das pessoas.
O geneticista planeja conter o crescimento de um quarto de milhão por dia da população mundial, haja vista que a sociedade não se atenta a esse problema. Prova disso é que nos EUA praticamente metade dos filhos não são planejados e nos países desenvolvidos isso aumenta para mais de setenta por cento. Esse fato certamente interfere em questões ambientais que impactam na saúde humana. Desse modo, surge a polêmica do bioquímico, porque ele defende que a engenharia genética seria mais útil criando doenças do que as curando, tendo em vista que, segundo ele, o mundo não acabará com fogo, enxofre, apocalipse ou guerra nuclear, mas com o colapso por conta do crescimento populacional, que precisa ser contido inteligentemente.
Nesse sentido, Bertrand entende o aumento da expectativa de vida como proliferador da superpopulação, por isso passa a ser perseguido pela OMS, que não queria ver os planos dele em prática, embora seus cálculos matemáticos se mostrassem bastante sólidos.
Em seus estudos polêmicos, apresentam-se dados provocadores, como o caso dos idosos nos EUA, visto que o país usa cerca de sessenta por cento de sua verba destinada à saúde para cuidar de idosos nos seus últimos meses de vida. Assim, surge a polêmica: seria justo matar metade da população para salvar a humanidade da extinção? Para Zobrist, a causa dele é salvar o mundo.
Interessante também na obra é a abordagem do transumanismo, teoria filosófica que defende que se usem as tecnologias para manipular a espécie humana, objetivando torná-la mais forte. Essa corrente se apoia em cientistas éticos, futuristas, visionários, defensores de ações radicais em defesa da espécie humana e do planeta Terra. Dessa forma, com a biotecnologia, o transumanismo defende que a humanidade pode se tornar um animal diferente, geneticamente preparado para ser mais forte, saudável, inteligente e generoso.
Para pôr em prática seu plano e disseminar um vírus esterilizante na população, Bertrand conta com a ajuda de uma empresa especialista em falsear encontros, provocar sumiços e proteger pessoas da exposição pública, guardando os segredos dos seus clientes. Afinal, para valorizar ações, justificar guerras, ganhar eleições e tirar terroristas de seus esconderijos, os poderosos sempre usam informações mentirosas para manipular a opinião do povo.
Com muito ensinamento científico e artístico, Dan Brown faz um passeio pelo mundo da arte e da ciência, apresentado teorias e tendências que enriquecem o leitor de informações sobre teses, lugares e obras importantes na construção da história da humanidade. Por isso, a leitura do livro Inferno vale a pena do início ao fim, com final inteligente, criativo e surpreendente, dedicado aos leitores persistentes.
Jean Carlos Neris de Paula