Resenha do livro Inferno, de Dan Brown

Nas 443 páginas do livro Inferno, lançado no mercado editorial pela Editora Arqueiro, o autor Dan Brown narra a aventura do simbologista Robert Langdon, na tentativa de conter a ameaça de uma contaminação biológica proposta por um cientista que se mostra contrário à OMS, por entender que distribuição gratuita de preservativos, palestra de conscientização contra a gravidez indesejada e demais medidas de contracepção não têm surtido efeito, uma vez que a população mundial aumenta em condições desesperadoras para o meio ambiente e para a sobrevivência humana.
Baseado nas ideias do matemático e demógrafo Thomas Robert Malthus, o qual afirmou que a superpopulação conduziria a um colapso, o geneticista Bertrand Zobrist desenvolve a Equação Apocalíptica Populacional, uma forma de conter o crescimento da população. Essa teoria se baseia no cálculo de que a Terra só suporta 4 bilhões de pessoas, e esse número já está quase o dobro, exigindo medidas sérias de controle de natalidade hoje, para que se possa vislumbrar um amanhã melhor.
Segundo a tradição religiosa, pragas e pestes eram enviadas por um Deus vingativo, presente no velho Testamento, por causa dos pecados capitais, sobretudo. Nesse sentido, a Peste Negra é avaliada como uma vantagem para a Idade Média, pois a redução do “rebanho humano” trouxe benefícios socioeconômicos que serviram de base para a formação do Renascimento, uma vez que, antes da Peste, a superpopulação se caracterizava por fome e miséria, por causa da escassez de recursos, entretanto, depois da epidemia, abundou recurso, alimento e oportunidade.
Zobrist, conhecedor da obra de Dante, A Divina Comédia, se diz disposto a evitar que a Terra se transforme na descrição infernal do poeta, a qual serve de base para o imaginário de Inferno da população religiosa. A obra, composta de 14.233 versos, apresenta três partes - Inferno, Purgatório e Paraíso - e o Inferno se mostra o mais lido, redefinindo a percepção de danação. Um mundo de fogo, enxofre, monstros e valas malditas gerou medo e aumentou o número de fieis da Igreja Católica. Afinal, o medo se mostra um contaminante que age mais depressa que um Virus. Sedutores, clérigos, fraudulentos, feiticeiros, hipócritas, traidores, ladrões e mentirosos constituem alguns dos punidos nas valas do Inferno.
A obra se chama comédia, mas não apresenta comicidade. Recebe esse nome porque, no século XIV, a literatura da Itália era organizada em duas linhas, a primeira, nomeada de tragédia, escrita em italiano formal, representava a alta literatura, e a segunda, chamada de comédia, escrita em vernáculo, indicava a baixa literatura, destinada à população em geral. Mesmo assim, observam-se no poema abordagens ricas de história, cultura, filosofia, política e sociedade. A Divina comédia se compõe de cantos, equivalentes a capítulos. São cem cantos ao todo, 34 dedicados ao Inferno, 33 ao Purgatório e 33 ao Paraíso.
O livro de Dan Brown faz, assim, um passeio pela obra de Dante, instigando os leitores a buscarem os ensinamentos ocultos em seus versos enigmáticos, marcados pelo simbolismo literário.
Zobrist, entendedor d’A Divina Comédia, força Langdon a seguir seus passos por meio da interpretação da obra, por isso o simbologista é convidado pela doutora Elizabeth Sinskley, diretora da OMS, para tentar conter o cientista que, na tentativa de impedir que o mundo se transforme no Inferno descrito por Alighieri, desenvolve um vírus bioaerosol, a fim de frear o crescimento populacional. Nessa caminhada, Robert é “ajudado” por Siena Brooks, médica superdotada, que mais tarde se revela amante de Zobrist e de suas ideias, mas que também tenta evitar a contaminação das pessoas.
O geneticista planeja conter o crescimento de um quarto de milhão por dia da população mundial, haja vista que a sociedade não se atenta a esse problema. Prova disso é que nos EUA praticamente metade dos filhos não são planejados e nos países desenvolvidos isso aumenta para mais de setenta por cento. Esse fato certamente interfere em questões ambientais que impactam na saúde humana. Desse modo, surge a polêmica do bioquímico, porque ele defende que a engenharia genética seria mais útil criando doenças do que as curando, tendo em vista que, segundo ele, o mundo não acabará com fogo, enxofre, apocalipse ou guerra nuclear, mas com o colapso por conta do crescimento populacional, que precisa ser contido inteligentemente.
Nesse sentido, Bertrand entende o aumento da expectativa de vida como proliferador da superpopulação, por isso passa a ser perseguido pela OMS, que não queria ver os planos dele em prática, embora seus cálculos matemáticos se mostrassem bastante sólidos.
Em seus estudos polêmicos, apresentam-se dados provocadores, como o caso dos idosos nos EUA, visto que o país usa cerca de sessenta por cento de sua verba destinada à saúde para cuidar de idosos nos seus últimos meses de vida. Assim, surge a polêmica: seria justo matar metade da população para salvar a humanidade da extinção? Para Zobrist, a causa dele é salvar o mundo.
Interessante também na obra é a abordagem do transumanismo, teoria filosófica que defende que se usem as tecnologias para manipular a espécie humana, objetivando torná-la mais forte. Essa corrente se apoia em cientistas éticos, futuristas, visionários, defensores de ações radicais em defesa da espécie humana e do planeta Terra. Dessa forma, com a biotecnologia, o transumanismo defende que a humanidade pode se tornar um animal diferente, geneticamente preparado para ser mais forte, saudável, inteligente e generoso.
Para pôr em prática seu plano e disseminar um vírus esterilizante na população, Bertrand conta com a ajuda de uma empresa especialista em falsear encontros, provocar sumiços e proteger pessoas da exposição pública, guardando os segredos dos seus clientes. Afinal, para valorizar ações, justificar guerras, ganhar eleições e tirar terroristas de seus esconderijos, os poderosos sempre usam informações mentirosas para manipular a opinião do povo.
Com muito ensinamento científico e artístico, Dan Brown faz um passeio pelo mundo da arte e da ciência, apresentado teorias e tendências que enriquecem o leitor de informações sobre teses, lugares e obras importantes na construção da história da humanidade. Por isso, a leitura do livro Inferno vale a pena do início ao fim, com final inteligente, criativo e surpreendente, dedicado aos leitores persistentes.

Jean Carlos Neris de Paula