Resenha de obra que analisa o U2 dos álbuns “Boy” até “Zooropa”, contribuindo na compreensão do grupo em sua relação com a América e conosco

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

TAYLOR, Mark. U2. Tradução para a Língua Portuguesa de Fernando Furtado Coelho e Carlos Moura. São Paulo: Edipromo, 1996, 120 p.

Após quarenta anos de estrada, não é simples saber o que é fantasia e o que é realidade na história de uma banda do tamanho do U2.

Contudo, ainda assim Mark Taylor, jornalista especializado em rock e colaborador de diversas publicações inglesas neste gênero musical, em seu terceiro livro, assume o desafio de trazer um relevante documento fotográfico, informativo e biográfico do U2, contemplando a gênese da banda no final da década de 1970, em Dublin, em particular com a gravação do álbum “Boy”, em 1980, até a digressão multimídia grandiosa das turnês “Zoo TV”, que divulgou os trabalhos “Achtung Baby”, de 1991, e “Zooropa”, de 1993.

A leitura do livro “U2”, de Mark Taylor, em alguns momentos, “elucida” uma banda que conscientemente concretizou um projeto de grandiosidade e protagonismo no cenário artístico e musical, no que, para isso, era fundamental conquistar a América. Para esse objetivo, a divulgação de álbuns como “War”, de 1983, e “The Unforgettable Fire”, de 1984 – trazendo o hino pacifista “Pride (In the Name of Love)”, reverenciando o líder pacifista Martin Luther King (1929-1968) – foram importantes nesse contexto.

E nessa “jornada musical” – nas célebres palavras do baterista Larry Mullen Junior, expressas no álbum e filme “Rattle and Hum”, de 1988 – o U2 se reconhece na América, mergulhando em sua música, cultura e política, concebendo a obra prima “The Joshua Tree”, álbum de 1987. Nesse processo criativo, além de profunda maturidade artística, o U2 revela grandeza estética e intelectual, paradoxalmente apta a trazer maior reconhecimento de si mesmos como irlandeses, seja por conta da interação cultural, seja pelo contato com os imigrantes de seu país já estabelecidos nos Estados Unidos da América, sem abandonar a tradicional preocupação do grupo com os direitos civis e humanos na América Latina, como se vê na faixa “Mothers of Disapperared”.

Esse processo revela continuidade no já mencionado álbum “Rattle and Hum”, e, de certa forma, nos trabalhos “Achtung Baby”, de 1991, e “Zooropa”, de 1993, como nos registra o vigoroso livro de Mark Taylor, documentando a grandiosidade das respectivas turnês de divulgação, e de certa forma, os sentimentos e princípios musicais de renovação que se fazem presentes em todos os discos seguintes do U2, ainda que possamos, da mesma maneira, nesse ínterim dimensionar referências conceituais que igualmente remetam o grupo à Europa, Ásia e África.

Observe-se que é em “The Joshua Tree” que o U2 é alçado à condição de grande estrela da música, no que a presença maciça do grupo, não apenas na cena musical, mas no cenário das discussões políticas, outorga à banda naquele final da década de 1980 o status de relevância para a sociedade cultural norte-americana. Tudo o que o U2 dizia era importante e chamava a atenção para debates – ainda que não sem fortes oposições –, concretizando de forma ímpar o aspecto estético de um grupo de rock com alicerces políticos e sociais. Era como se a música assumisse caráter metafísico diante das possibilidades reveladas nos demais temas “mundanos” defendidos pelos quatro irlandeses.

Ocorre, porém, que essa relação com os fenômenos políticos, econômicos e sociais – e, mesmo, com a América –, não poderia ser permanente, sob pena de desgastar-se e comprometer as possibilidades criativas e estéticas do grupo. Ou, até mesmo, fragilizar a convivência dos quatro integrantes do U2, unidos há décadas em torno da música e da cena pop por essas bandeiras (como metaforicamente podemos observar na performance poderosa de Bono e do U2 na canção “Sunday Bloody Sunday, ao longo “War Tour”). Outrossim, a necessidade de reinvenção já mostra sinais em “Rattle and Hum”, em que os ídolos norte-americanos são revisitados em tom de nostalgia (e, por que não de dizer, de “despedida”), havendo um intervalo de quase três anos para o lançamento do álbum “Achtung Baby”, este que é, mesmo com controvérsias a respeito, um disco europeu, com possibilidades sonoras e visuais inéditas e, não raro, surpreendentes.

“Achtung Baby” inaugura esse “novo U2”, mais amplo, pois eficazmente contempla a música metafisicamente ante às causas sociais e políticas, mas sem que o grupo esqueça de si mesmo em suas concepções gnosiológicas de mundo e de sua missão estética propriamente dita, igualmente importante para a “maiêutica” de sua arte. Resistindo às tentações da publicidade e da exposição permanente, o U2 prossegue sua carreira demonstrando uma convicção maciça que o sentimento poderá ser a luz guia de suas ações, ainda que a configuração de sua música e arte transite entre os ritmos dançantes e as experimentações sonoras, capazes de revelar artistas que ao lado da diversão, desejam vivamente expressar-se à altura, ou mesmo, à frente de seu tempo.

Seria incrível ter acesso a um novo  texto de Mark Taylor analisando e biografando o U2 depois do álbum “Zooropa”.

Em conclusão, trazendo um recorte analítico e histórico que vai até o álbum “Zooropa”, no ano de 1993, “U2”, de Mark Taylor, contribui significativamente na compreensão do grupo em sua relação com América. E na relação com a arte desenvolvida em face dos objetos gnosiológicos que pela banda são apreendidos. E na relação conosco, que acompanhamos, estudamos e ouvimos o U2 há tantos anos.