Resenha de obra que analisa as transformações do centro de Campinas

Resenha: CARPINTERO, Antônio Carlos Cabral. Momento de ruptura: as transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta. Campinas: Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas, 1996, 91 p.

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Natural de Marília, Antônio Carlos Cabral Carpintero, ex-prefeito de Porto Velho, no Estado de Rondônia, entre 1975 e 1976, viveu parte da infância em Campinas, Estado de São Paulo, quando pôde atestar o desenvolvimento de parte do processo de transformação da região central desta última cidade, oferecendo testemunho aliado à experiência de quem trabalhou na administração pública de diferentes municípios brasileiros e, mesmo, ao rigor científico próprio de pesquisador na área de arquitetura e urbanismo.

Na obra “Momento de ruptura: as transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta”, do Século XX, o autor relembra parcela da trajetória de uma cidade que, impulsionada pela pujança do café, tornou-se uma das maiores do interior do Estado, vivenciando modificações que espacialmente remodelaram a sua região central e a conduziram por um viés modernizante, sem, porém, outorgar feição definitiva ao processo que ainda tem curso.

Lembra o autor que na cidade a expansão da cultura cafeeira vem substituir a de cana de açúcar a partir de 1840, refletindo-se, contudo, apenas de forma indireta em Campinas, fazendo-se perceber de forma mais significativa na área rural e em sua correspectiva produção, de maneira que mesmo no Século XIX o crescimento da então vila permaneceu lento, ainda que em curso o processo que daria criação ao município (p. 49).

Em seguida, a partir do momento que consolidada no cenário regional, estadual e nacional, em Campinas tem-se o início da “morte” do considerado antigo, como no caso do emblemático Teatro São Carlos, e já no Século XX, inclusive no panorama da crise econômica global de 1929, registra-se que a estrutura da cidade era basicamente a mesma do período do café – com os tradicionais largos assinalando o centro –, exibindo as ruas estreitas, ainda que já trouxessem novas edificações e usos de seus espaços, no influxo do germe da transformação (p. 55).

No ínterim paradoxal de ruptura espacial e continuidade histórica da expansão, eis que a transformação soa como inexorável, assinalando suas narrativas legitimadoras quase que como inquestionáveis. O espaço, então, “dilata-se”, a cidade avoluma-se, o centro se transforma, Campinas cresce e enuncia um Brasil que titubeia entre o grandioso e caótico, na materialização da vocação de pujança, que entre os campineiros, seria por mais de uma vez corroborada em edificações como as representadas no soerguimento do Palácio dos Jequitibás, sede do Poder Executivo municipal, por fim inaugurado em 23 de Outubro de 1968 pelo prefeito Ruy Hellmeister Novaes (1924-2000).  

O município, obviamente, se verticaliza, e a “quebra da gravidade” se representa também em edifícios como o Sant’Ana, construído em 1935 entre as ruas Barão de Jaguara e César Bierrenbach, tendo o horizonte rasgado por meio do alargamento de ruas iniciado a partir de 1938 (p. 56), e, mesmo, com a circulação dos bondes que perdurou até Maio de 1968, marcando o choque de explosão urbana ocorrências como as do incêndio do Cine República em 1944 (p. 57), e, em especial, pelo desastre do desabamento do telhado do Cine Rink em 1952 (p. 63), mesmo que não se desistisse de uma projeção progressista idealizada no Edifício Itatiaia – de desenho de Oscar Niemeyer (1907-2012) e construído entre 1953 e 1957 –, contrastando à Praça Carlos Gomes e expondo-se na Rua Irmã Serafina, que homenageia a religiosa falecida na epidemia de febre amarela que quase devastou Campinas em 1889 e rendeu em seu brasão a figura da Fênix, em analogia de um renascimento com vistas a um destino inexorável, de forma a superar o que era tido como velho e idealizar a sombra do necessário e esteticamente belo rumo à concretização da ordem e do progresso dito infinitos, como hoje se vê no edifício do Centro Empresarial Conceição, que na altura do nº 233 da histórica Rua Conceição, impõe-se como a maior e mais expressiva visão de qualquer um dos pontos da cidade.

Carpintero (1996, p. 86), porém, adverte, que

A década dos cinqüenta em Campinas foi portanto, o momento de ruptura da cidade com os últimos valores de uma sociedade pré-industrial: sua linguagem espacial urbana. A segregação social estava pois, implantada como germe de nova crise urbana, que viria a se manifestar mais tarde.

Um pai leu este livro e ao lado da esposa e dos seus filhos menores, nascidos em Campinas, com eles passeia pela região central da cidade, narrando e mostrando aos pequenos – que se deixam encantar – um pouco daquilo que memorizou da observação de todo aquele infinito, cujo trecho de significativo horizonte, ficou nas agruras de outrora.