Resenha de “Nos Céus da Gália”, de Irmão José e psicografia de Carlos A. Baccelli

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

IRMÃO JOSÉ (Espírito). Nos Céus da Gália. Psicografado por Carlos A. Baccelli. Uberaba: Livraria Espírita Edições Pedro e Paulo, 2013, 1ª ed., 373 p.

Em “Nos Céus da Gália”, obra de autoria espiritual de Irmão José e psicografada pelo médium Carlos A. Baccelli encontramos um percurso literário que transcende a mera narrativa afeita ao romance. E isso é constatado em face do verdadeiro caráter de reconstituição das bases do Cristianismo primitivo que ali encontramos, depositado em diferentes momentos históricos e com grande vigor na Gália de 52 a.C. – região na qual hoje temos, basicamente, a França –, berço em fermentação de antecedentes da chegada de Jesus Cristo ao planeta Terra.

Dessa fermentação destaca-se a crença do druidismo que exaltava o caráter sacro da natureza, estando mestre Allan e seus discípulos unidos em vidas no propósito de dar o testemunho dos valores de renovação necessários para um bem maior, ainda que a mediunidade ancestral de então já fosse elucidadora da Alta Espiritualidade no intuito de conclamar o ser humano ao ínterim de reforma.

Os gauleses e druidas – estes últimos, os “muito sábios”, ou ainda, os que continham a “sabedoria do carvalho” (p. 28) –, no ínterim de provação e resgate, são alcançados pela invasão romana de Júlio César, em uma luta que representa mais que a conquista territorial; representa, sobretudo, o embate de forças que intuíam influenciar os espíritos em suas jornadas regenerativas por meio da existência material. E, observe-se, mesmo com as recalcitrantes vibrações não arquitetadas em favor da luz, que o destino transformador do bem se sobrepõe pela alvorada daquele que viria ensinar o amor e ofertar seu exemplo.

O líder militar gaulês Vercingetórix articula a defesa de seu povo e, ante a resistência combalida, entrega-se aos romanos, adiando na Gália um Propósito Maior que outrora também poderia ter se realizado na Grécia, em uma caminhada literária que ao lado de trazer um romance espiritual acerca da história do mestre druida Allan, perpassa as transformações que se sucedem aos primórdios do Cristianismo. Essas transformações materializam-se na introdução de dogmas e na institucionalização de uma igreja, ainda que busquem novamente orientação e sentido a partir da codificação espírita do pedagogo nascido Hippolyte Léon Denizard Rivail (pseudônimo Allan Kardec), na França.

Ininterruptamente a obra também alcança o desígnio de divulgar ainda mais os ensinamentos de Jesus, embora já consolidados pelos testemunhos e legado de sua passagem, no que se acrescente como documento histórico a descrição da carta do senador Públio Lêntulus destinada ao imperador Tibério César (p. 184-186), revelando a grande virtude e sabedoria do Mestre, com a sua correspectiva magnanimidade para alavancar a humanidade em progresso e transformação, libertando-a dos grilhões de ignorância e necessitada da caridade da instrução e contínuo esclarecimento.

A luminosidade do Mestre – dentre tantos outros pontos esclarecedores do Evangelho – pode ser observada na precisa explicação do Irmão José que assinala o encontro de Jesus com Nicodemos (João 3:2, 3), enunciando a necessidade do progresso contínuo do espírito (p. 190-192) na trajetória da imortalidade de sua alma, materializada nas várias oportunidades de existência reencarnatória para alcançar a genuína virtude e a verdadeira felicidade nos valores do Criador.

A vigilância espiritual, a oração, a caridade e o exercício de uma fé raciocinada, fundada no esforço de promover uma centelha de reforma íntima, mesmo em contextos históricos desfavoráveis, além de exigências prementes (embora coexistindo ao livre arbítrio), nos são lecionadas – dentre tantos outros, no trabalho e obra de homens como Jan Hus – com a narrativa de ensinamentos que objetivaram restaurar o Evangelho em ínterim apto a cumprir com a promessa de Jesus acerca da vinda do Consolador.

Muitos cristãos dão o testemunho de sua fé com a própria vida, enfrentam provações e presenciam cisões na organização terrena; porém, como dito, a vinda do Consolador converte-se em bênção para resgatar sentido aos ensinamentos de Jesus, sublimes no significado de ora representar uma filosofia deveras complexa, ora simples guia prático de conduta ética para reconhecer no amor a fonte básica para o desenvolvimento de todas as potencialidades e virtudes.

A promessa de consolação faz convergir fé e ciência – ainda que marcadas pela imperfeição de nossos espíritos – enunciando-nos na qualidade de irmãos em jornada de aprendizado no planeta Terra, no qual o Brasil (e o Brasil de Minas Gerais) trará contribuição importante com novas bênçãos de esclarecimento, estudo e testemunho, dando continuidade ao legado do codificador francês por meio do aperfeiçoamento da Doutrina Espírita.

Em sendo assim, ao lado da já mencionada apresentação, narrativa e recuperação de parte da trajetória de Allan Kardec, o caráter edificante dos ensinamentos do Irmão José, por meio da mediunidade de Carlos A. Baccelli obtempera-nos que

É deveras laboriosa a jornada dos espíritos que, com determinação, seguem, no curso de suas vidas sucessivas, emergindo das sombras para a Luz! Não é em poucas existências que o espírito logra retemperar-se, de modo a não mais vacilar nos testemunhos a que é chamado, e também não é de uma experiência para outra que ele se preparara para um trabalho a ser futuramente desempenhado em favor da Humanidade (p. 301).

Recomendada vivamente a leitura da presente obra não apenas pelo estilo culto e qualidade de apresentação literária, seu conteúdo traz a ênfase da necessidade da instrução como viga mestra da reforma íntima – igualmente alicerçada em recapitulação do Cristianismo em “direção de retorno” ao Espiritismo –, no que aqui estão apenas alguns dos legados da apreciação de “Nos Ceus da Gália”, do Irmão José, via mediúnica de Carlos A. Baccelli, uma vez que o texto se constitui em propósito condizente com os valores da ética, da bondade, da caridade e da crença em “O Consolador” enquanto parte das bênçãos, conhecimentos e oportunidades de se alcançar o planeta de regeneração.