Sobre a autora da obra

Nascida em São Paulo no dia 4 de setembro de 1941, Marilena de Souza Chaui foi secretária Municipal de Cultura de São Paulo entre os anos de 1989 e 1992. Começou a estudar no interior paulista, mas concluiu no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, na capital do Estado. Entrou no curso de filosofia no ano de 1960 e finalizou a faculdade em 1965 na Universidade de São Paulo. No ano de 1967 começou um doutorado na França. Defendeu sua tese de livre-docência na Universidade de são Paulo dez anos depois, cujo título era “A Nervura do Real: Espinosa e a Questão da Liberdade”.

A autora é uma das filósofas brasileiras com capital simbólico, cultural e intelectual invejável. Amada por muitos e odiada por outros, é percebida por muitos como uma das maiores intelectuais vivas do Brasil. Sua trajetória é marcada pela identificação com a luta de classe dos oprimidos, posicionada sempre em defesa do direito das minorias, opondo a ideologia burguesa.  

Dispomos aqui uma das frases que refletem o seu pensamento:

Eu costumo dizer que o que mais me aflige na sociedade brasileira (para além das desigualdades e exclusões, a ausência de direitos, evidentemente) são duas coisas: o autoritarismo social, isto é, que todas as relações sociais assumam a forma da relação entre um superior que manda e um inferior que obedece; e a ausência de pensamento, isto é, a adesão completa ao que é veiculado e difundido pelos meios de comunicação[1].

Introdução

A obra da Marilene Chauí nomeado “Brasil mito fundador e sociedade autoritária” editada em abril de 2000 e revisada pelo Maurício Balthazar leal e Vera Lúcia Pereira, condensa temáticas que merecem apreciação de quem se interessa por compreender o contexto brasileiro a contar do alvorecer do seu campo Cultural e identitária seguindo aos processos de demarca a configuração do seu campo político e social. Composta por sessenta e três (63) páginas entoando seguintes temas: Com fé e orgulho; A nação como semeóforo; O verdeamarelismo; Do IV ao V centenário; O mito fundador e Comemora? Incluindo as notas de referência, bibliografia arcabouça averiguação de um Brasil moldado pelo mito fundador.

O capítulo em resenha designado “Comemorar?” É um texto que elucida as divisões sociais que se materializam nas sociedades brasileiras. A questão do autoritarismo social, carregado da lógica “cultura senhorial” que propicia a naturalização das desigualdades e exclusões socioeconômicas, de um grupo em detrimento do outro, exprime a maneira como se configurou a sociedade e a política brasileira.

Ideias principais

A autora começa por caracterizar a sociedade brasileira como fortemente vertical por ser movida pelas marcas de sociedade colonial que evidencia uma relação de senhor e seu subordinado obedecendo à lógica da “cultura senhorial”. E essa caraterística revela uma relação de mando-obediência em que os direitos do outro são anulados, assim como seus reconhecimentos enquanto sujeitos de direitos. Daqueles que se consideram iguais vê se uma relação do parentesco ou compadrio e dos excluídos desse círculo da relação à opressão física e psicológica acompanha identificação de forma clientela, tutela ou cooptação.

Expressões como: “eu tenho Berço” ou “me mostre teu CNR” é uma clara amostra da distinção de classes que opera no Brasil. A dura realidade social é banalizada e tornada cega aos olhos de classe, alta, a naturalização generalizada dos marcos que evidenciam uma sociedade hierarquizada assente na exploração e descriminação favorece discursos que inviabilizam uma relação de equilíbrio. A exclusão, subalternização e dominação dos outros pertencentes a uma classe baixa é camuflada pelos discursos que invocam a afirmação de uma nação una em que, as claras situações de miséria são justificadas de uma forma que a responsabilidade acaba recaindo nos próprios vitimados.

Notavelmente, embora o mito de não violência é usado como máscara, na percepção da autora, a sociedade brasileira que é propriamente autoritária e é dela que provêm outras diversas manifestações autoritários, igual à do que pode ser observado no campo político. Este autoritarismo social pode ser observado na estruturada matriz senhorial da Colônia que projeta desigualdade social, simplesmente naturaliza a diferença de gênero e étnica considerados monstruosidade ou perversão e a violência visível e invisível sofre a naturalização.

A lógica do mando e obediência impera e ainda mais, com a banalização das leis do país, a classe de elite passa a tê-lo como privilegio merecido e a classe baixa o vê como opressão. A indistinção entre o público e o privado é a forma de realização da política e de organização do aparelho do Estado em que os governantes e parlamentares eleitos “reinam” e tornam em “donos do poder”, mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela, praticando a corrupção sobre os fundos públicos.

Com a ideologia do nacionalismo assente no caráter nacional ou identidade nacional, as contradições e conflitos inerentes a ela são ressignificados e interpretados (para ocultar divisão social) como sinônimos de perigo, e desordem (promovidas pela classe popular baixa) que definem a necessidade de receber repressão policial ou militar como forma de preservar a imagem de uma sociedade unidade, pacifica e ordeira que o Brasil aparenta ser.

Ocorre assim o bloqueio da esfera das ações sociais, lutas pela liberdade de expressão e conquista de direitos promovidas pela classe oprimida enquanto os canais midiáticos distorcem a realidade com monopolização da informação, igualmente, os discursos do poder que define o consenso de um grupo como unanimidade numa lógica em que a discórdia é vista como um perigo ao progresso. Nestas circunstancias, qualquer tipo de ascensão do outro que se encontra na linha divisória do lado dos condenados é considerado uma ameaça e promotor de desordem daquilo que foi moldada enquanto sociedade que deva reconhecer como natural a cultura senhorio.

A desigualdade salarial entre homens e mulheres, entre brancos e negros, a existência de milhões de crianças sem infância - conforme definição de José de Souza Martins - e a exploração do trabalho dos idosos são consideradas normais, conforme sinaliza a Chauí. Notificamos que uma sociedade em que o sofrimento sobressai, e em que as manifestações e as lutas em rastreio dos direitos iguais, assim como luta pela vida digna é invertido seu significado enquanto incompetência ou a culpa do próprio vitimado, a sociedade tende a ser propensa a criminalidade. Com uma análise cirúrgica da realidade da sociedade brasileira, Marilene desvenda uma conjuntura assente na luta de classes. Luta em que a classe favorecida usa de tudo a seu dispor para legitimar sua posição de privilégio, e além demais culpabiliza aos outros desapadrinhados dos seus fracassos de modo a abafar que a sociedade brasileira está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes.

Da proeminência da ideologia neoliberais do lado da economia e a privatização do público, abandono das políticas sociais por parte do Estado e a “opção preferencial” pelo capital nos investimentos estatais forma se uma divisão social clara sob o sistema da carência popular e do privilégio dos dominantes.  A almejada igualdade econômica (ou a justiça social) e a liberdade política (ou a cidadania democrática) perdem alicerce. Com o desvendar desta realidade projetada através de uma investigação cientifica rigorosa, a autora reafirma seu posicionamento de que o Brasil e o povo brasileiro não têm nada a comemorar.

Considerações

Chauí é de forma sincera e direta uma defensora da classe brasileira oprimida, inclinada pelo lado das ideologias marxistas que serviram muito de pontes para costurar sua posição com relação às arbitrariedades que ocorrem entre vitimados e os denominados senhorios.

Da história de formação identitária brasileira que operou por meio da exclusão, miscigenação, branqueamento, inferiorização dos outros em detrimento de uns, às manifestações que este processo promoveu na formação da elite política econômica do Brasil, a autora tece sistematicamente a sua exposição elucidativa para posteriormente aterrissar na vontade que possui em testemunhar uma merecida comemoração do Brasil que agregue todos na sua total diversidade pelo caminho da ordem e progresso concreto.

Referencia

CHAUÍ, Marilena de Souza. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. [S.l: s.n.], 2000. 

[1] Ver: SANTIAGO, Homero Silveira e SILVEIRA, Paulo Henrique Fernandes. Percursos de Marilena Chaui: filosofia, política e educação. Educ. Pesqui. [online]. 2016, vol.42, n.1, pp.259-277. ISSN 1678-4634.  https://doi.org/10.1590/S1517-97022016420100201.