Resenha: “Contra um mundo melhor: ensaios do afeto”. De Luiz Felipe Pondé. São Paulo: Leya, 2010.

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Consoante se vê em seu currículo Lattes, Luiz Felipe Ponde é graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP, 1990), além de ser mestre em História da Filosofia Contemporânea (1993) e pós-doutor (1997) pela mesma instituição, possuindo formação, títulos e trânsito por outras Universidades brasileiras e europeias.

Seguindo a linha dos textos publicados no jornal Folha de São Paulo, onde é articulista, Luiz Felipe Pondé traz ao leitor um texto provocativo, especialmente destinado aos “não iniciados” na atividade filosófica, onde temas relacionados à antropologia filosófica são abordados a partir de seu peculiar itinerário formativo, que contemplou a filosofia, as ciências da religião, a psiquiatria, epistemologia, modernidade e pós-modernidade.

Pondé refuta a ideia de um mundo melhor, supondo um caminho de ruínas e ceticismo ao longo da jornada humana, onde supostamente se passa pela vida lutando contra um vazio interior, tentando-se preenchê-lo com todo o tipo de modismo estúpido ou vazia atitude política correta.

Desfilando a sua trajetória pessoal e intelectual, em pequenos trinta e dois ensaios, supõe o autor a crueza de uma estética que despreza a tolerância tola da negação daquilo que não pertence à natureza humana. As contribuições do pensamento filosófico, das artes, da psicanálise, da deontologia e da literatura se constituem em pontos de apoio para algumas de suas reflexões, perpassadas pelo estabelecimento de um horizonte comum a toda a humanidade, que destoa do discurso predominante na atmosfera do senso-comum.

O diagnóstico da “crise” ou insuficiência do projeto moderno também está presente em vários dos ensaios de Pondé, assim como considerações “pós-modernas”, que reagem criticamente ao ideal de razão, onde a própria felicidade se deduz como “impostura” moderna. Nas palavras do autor (p. 53):

(...) O ser humano padece dessa mania porque obviamente é um “ser-para-a-felicidade”. O fundamental seria identificar qual é a relação específica entre modernidade e (in)felicidade. Essa relação caracteriza-se, dentre outros modos de descrevê-la, pela técnica denegativa dessa condição íntima humana (o ser-para-a-infelicidade), técnica esta que, em muitos caos, constitui-se num repertório variado de pseudoteorias a serviço do fetiche da felicidade.

A filosofia e ética judaicas igualmente se fazem abordadas em suas reflexões, onde o próprio projeto da modernidade é avaliado sob esta ótica, onde a tragédia do holocausto se mostra como um dos marcos comprometedores dos ideais modernos de bem estar ou felicidade. De certa forma, a infelicidade emerge como a única via capaz de revelar a verdadeira faceta e condição da existência humana, que se esconde atrás de um fracassado projeto de busca pelo seu oposto. A própria imperfeição humana, aos humanos é insuportável, de maneira que se dá uma fuga do inexorável abismo, apoiada que é em utopias de perfeição, a exemplo das encontradas na mitologia (p. 153).

A universidade não se esvai das preocupações de Pondé, donde se aduz ela ser objeto de confronto com a pressão do ambiente externo, com a própria natureza humana e suas as vaidades. São resgatados o conservador estadunidense Russel Kirk (1918-1994), que criticou a proposta de carreira universitária como objeto de ascensão social (agonizando em consequência a universidade) e o humanista espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), que contribuiu ao debate do papel e da tarefa da educação superior, não raro, objeto de confusão acerca da formação técnica e daquela tida como mais ampla na missão universitária.

O dinheiro, a ética na perspectiva individual, a sexualidade, a autonomia humana e o projeto humano masculino – em confronto com o feminino – são alguns dos muitos outros temas enfrentados pelo autor, de maneira que as várias dimensões da existência humana são cotejadas, como dito, em textos para leitura dos leigos ou “não iniciados”, propondo uma abordagem oposta aos ideais de “bem” ou supostamente introduzidos falsamente pelo senso-comum ou “sentimento ético médio” vigente em bojo social midiático, mas distinto do verdadeiro interior e natureza da espécie humana, circunspectos ao destino trágico e solitário de cada um de nós.

Por derradeiro, “Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto” se mostra uma contribuição para a introdução a temas relacionados à abordagem filosófica em perspectiva distante das enunciadas e associadas ao senso-comum, propositivas de início de construção autônoma de juízos, sensibilidades e percepções próprias inerentes à construção e raciocínio do saber filosófico.