RESENHA: CHAUÍ, Marilena. Democracia e sociedade autoritária. Revista: Comunicação e Informação, v. 15, n. 2, p. 149 -161, jul/dez. 2012.

Ao referir-se a sociedade democrática, a autora salienta que estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. A democracia é reduzida a um regime político eficaz, baseado na ideia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha de representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.

Na prática democrática e nas ideias democráticas existe uma profundidade e uma verdade muito maior do que o liberalismo percebe e deixa perceber.  O que significam as eleições? Muito mais que uma rotatividade de governos ou alternância de poder, elas simbolizam o essencial da democracia, ou seja, o poder não é de quem ocupa o governo, mas sim dos cidadãos que os preenchem com representantes. Em outras palavras a soberania é popular, pois em grego, demos é o povo politicamente organizado e kratós, o poder, poder do povo. Outra característica da democracia é que nela se torne claro o principio da separação entre público e privado. Com a ideia e a prática de soberania popular, nela se distinguem o poder e o governo – o primeiro pertence aos cidadãos que o exercem instituindo as leis e as instituições políticas ou o Estado; o segundo é uma delegação de poder, por meio de eleições para que assumam a direção da coisa pública. Isto significa que nenhum governante pode identificar-se com o poder e apropriar-se privadamente dele.

Da mesma maneira, as ideias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos vão muito além de sua regulamentação jurídica formal. Significam que os cidadãos são sujeitos de direitos, e que onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, tem-se o direito de lutar por eles e exigi-los. É esse o cerne da democracia: a criação de direitos. Mas o que é um direito?  Um direito difere de uma necessidade ou carência e de um interesse. A necessidade ou carência de fato é algo particular e especifico. Necessidades ou carências tendem a ser conflitantes porque exprimem as especificidades de diferentes grupos e classes sociais. Um direito, porém, ao contrário das necessidades, carências e interesses não é particular e específico, mas universal, pois é válido a todos os indivíduos, grupos e classes sociais

Justamente porque opera com o conflito e com a criação de direitos, a democracia não se confina a um setor especifico da sociedade da qual a política se realizaria – o Estado - , mas determina a forma das relações sociais e de todas as instituições , ou seja, é o regime político que é também a forma social da existência coletiva. Ela institui a sociedade democrática.

Considera-se os três grandes direitos que definem a democracia, tais como: a igualdade, a liberdade e a participação. A igualdade refere-se que todos os cidadãos possuem os mesmos direitos perante a lei. A liberdade afirma que todos os cidadãos têm o direito de exporem em público seus interesses e suas opiniões. E a participação refere-se a participação no poder, ou seja, todos cidadão têm o direito de participarem das discussões e deliberações públicas, votando ou revogando decisões.

II- Dificuldades impostas pelo capitalismo

            No capitalismo, são imensos os obstáculos à democracia, pois o conflito dos interesses é, na verdade, expressão do fundamento mesmo da divisão social, ou seja, a contradição entre o capital e o trabalho, portanto, a exploração e dominação de uma classe social por outra.  O que se verifica nas dificuldades impostas pelo capitalismo, é que há um esgotamento de direitos e políticas sociais, assim tornando-se frágil perante as ações do neoliberalismo. Passa a existir um encolhimento do espaço público e passa-se a existir o alargamento do espaço privado ou do mercado.  O capitalismo contribui para o abandono dos investimentos em fundos públicos e nos serviços de direitos sociais e o Estado passa a depender das leis do mercado (privatização da educação, da saúde, dos transportes, da habitação, da cultura, etc).

            O direito a igualdade como já mencionado anteriormente passa a ser substituído por uma desigualdade jamais vista, todas as sociedades se dividindo entre bolsões de miséria e bolsões de opulência. O direito a liberdade encontra obstáculos impostos pela desigualdade econômica social. E o direito a participação também encontra obstáculos, sob os efeitos da divisão social entre dirigentes e executantes. Os meios de comunicação também dificultam o acesso a participação, uma vez que na maioria essas empresas são de mídia capitalista. Os meios de comunicação inviabilizam a comunicação porque inviabilizam o direito à informação - não só o direito de recebê-lá como ainda o de reproduzi-la e fazê-lá circular.

III- As dificuldades para a democracia no Brasil

Identifica-se as dificuldades especificas do Brasil, tais como:

  • O mito da não violência (ou seja, o Brasil é um país generoso, alegre, solidário,que desconhece racismo, homofobia, machismo, que respeita as diferenças étnicas, religiosas, polítcas).
  • O autoritarismo social (que conserva as marcas de uma sociedade colonial escravista, marcada pelo predomínio do espaço público e privado, e tendo o centro na hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os aspectos: nela, as relações sócias e intersubjetivas são realizadas como relação de um superior , que manda, e de um inferior, que obedece. Também pela naturalização das desigualdades econômicas e sociais , do mesmo modo que há naturalização das diferenças étnicas , postas como desigualdades raciais entre superiores e inferiores, das diferenças religiosas, de gênero, bem como a naturalização de todas as formas de violência. Também verifica-se o autoritarismo social através do fascínio pelos signos de prestígio e poder).