GOLDSWORTHY, Adrian. Antônio e Cleópatra: A história dos amantes mais famosos da Antiguidade. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 2018.

Julia Costa[1]

 

Citados como uma história de amor dramática no decorrer da história, Antônio e Cleópatra são lembrados quase que unicamente como um casal. William Shakespeare transformou a história em uma bela peça teatral que despertou e desperta ainda hoje a atenção por parte dos leitores. No entanto, mesmo com muitos olhares voltados diretamente a este casal, seus feitos não foram tão grandiosos ao ponto de despertar interesse no estudo formal do século I a.C. E mesmo envolvidos constantemente em lutas pelo poder, foram derrotados e não tiveram tanto impacto nos acontecimentos que sucederam suas mortes.
Buscando sempre explicações aprofundadas dos fatos e acontecimentos propriamente ditos, neste livro Adrian Goldsworthy, historiador formado em Oxford e doutor[2] em História Romana Antiga, nos traz informações sobre a vida particular destes personagens históricos, ao mesmo passo que nos elucida também sobre a verdade por trás do mito e os feitos históricos pelos personagens. É igualmente notável, o cuidado que o autor tem ao contar o contexto histórico em que os amantes estavam inseridos e apesar da enorme quantidade de informações, todas são passadas com clareza e objetividade, tornando essa uma característica presente em toda a escrita do livro.
         O livro começa com uma contextualização dos aspectos político e social de Roma e do Egito antes mesmo do nascimento dessas figuras históricas, seguido das mudanças que ocorreram após terem nascido.Inicialmente o protagonismo destes personagens não é tão perceptível, mas com a desenvoltura dos capítulos sua presença é marcada assim como o crescimento do poder que ambos tiveram enquanto vivos. Ainda assim, somente em uma leitura mais avançada do livro é possível perceber a presença forte dessas poderosas figuras.
Portanto, Antônio e Cleópatra não é somente um livro que traz informações sobre um romance antigo, mas é igualmente um importante esclarecedor sobre momentos essenciais no decorrer da história, como por exemplo uma breve descrição da conjuntura das Guerras Púnicas, o governo de Júlio César e a ascensão de Otaviano. Contudo, sem deixar de citar as ligações e as influências familiares de Antônio e Cleópatra.
        Não é uma surpresa que alguns nomes são constantemente repetidos ao longo da leitura, tendo em vista que, se levarmos em consideração a época tratada no livro, era comum que os nomes fossem os mesmos.Todavia, o autor consegue conduzir o leitor a uma rápida leitura, apesar de extensa, e de fácil compreensão das informações que são apresentadas.
       Cleópatra foi uma rainha inteligente e instruída, entretanto a natureza de sua inteligência permanece inexplicável e é extremamente difícil avaliar seu intelecto nos dias de hoje. Essa personagem que estudamos e admiramos, tem uma versão digamos que “caricata” daCleópatra correspondente ao século em que viveu. Talvez porque essa musa da história tem de ser exótica,sensual e quase irresistível por ter sido a mulher que seduziu os dois homens mais poderosos de seu tempo. Ela se tornou o que o autor chama de femmes fatales, pois distraiu Júlio César com as possíveis ideias de uma monarquia, e por ter dominado e humilhado Antônio. A imagem de uma rainha sedutora, como “mulher fatal”, cujo corpo se constitui como meio de exercer política, foi amplamente influenciada pelos relatos de Plutarco[3], que discutiu a sedução do corpo como arma política de Cleópatra (BALTHAZAR, 2009).
César foi o primeiro e a história deu a Antônio à segunda posição. “Sequaz” é uma característica que o autor usa para descrevê-lo. Ele é igualmente visto como o homem que deveria ter ganhado tudo o que quisera, mas que fracassou. Alguns historiadores acusariam Cleópatra, outros preferem afirmar que Antônio não era bom o bastante para estar ao lado de uma das, senão a mais ambiciosa mulher da antiguidade.
        Além de todas essas características, Cleópatra se destaca por ter sido uma mulher forte e independente que conquistou o poder através de sua autenticidade e competência, diferente das mulheres romanas que viveram no mesmo tempo que ela, e que tinham uma maior influência como esposas ou mãe de grandes homens ao longo da história.
       Uma maioria esmagadora de biógrafos destaca que a musa Egípcia era na realidade, uma mulher grega. Afirmavam que o grego foi sua primeira língua e que foi educada e letrada a partir dessa cultura. Identificar a essência grega nessa figura histórica parecia algo essencial quando iniciado estudos sobre ela, e mesmo que grega, foi uma importante representante da cultura helenística. Entretanto, estes axiomas não se sustentaram por muito tempo, pois o fato de vários biógrafos atualmente serem egiptólogos só dificultou para eles aceitar a ideia de uma Cleópatra grega. Um fato, é que o tempo em que ela viveu não foi o mesmo em que se deu o ápice da cultura ateniense no século V a.C. e por isso pode-se afirmar que, se realmente existiu uma batalha em algum período da vida de Cleópatra, não foi sobre Oriente e Ocidente, mas sim entre grego e romano.
 

Michael Foss[4] corrobora a ideia de que Cleópatra era em sua maioria genética, grega:

A avó de Cleópatra era uma concubina; sua mãe não é conhecida. Dadas as incertezas de sua ascendência, um pesquisador estimou que seu sangue tinha 32 partes de grego, 27 partes de macedônio e 5 partes de persa. É uma estimativa razoável. Se era negra, ninguém o mencionou. (FOSS, 1987).


A Ella Shohat[5]acredita que apoiar de um lado ou de outro não traria a resolução da questão por completo, porquê:

Mesmo que suponhamos que Cleópatra “não tinha uma só gota de sangue egípcio”, seria difícil rejeitar categoricamente toda e qualquer mistura em sua linhagem e, por implicação, uma certa contribuição da posição afrocêntrica. [...] Tanto a equação simplista entre, de um lado, ser egípcia e negra, quanto, de outro, ser grega e branca, essencializam geografias culturais (SHOHAT, 2004, p. 20).

As fontes utilizadas no livro são todas de autoria romana ou grega que falam sobre o Império Romano após a morte de Cleópatra. Autores como Cícero[6] e Tácito[7] também são citados. Sobre Antônio, uma parte de sua biografia vem do livroVida de Marco Antônio, de Plutarco. Não existe registros de nenhuma biografia sobre a rainha protagonista dessa história, e as fontes que se tem acesso, falam quase que unicamente sobre os casos de Cleópatra com César e Antônio e infelizmente, sua vida e o período em que governou o Egito, recebe pouquíssima atenção. Documentos que deem detalhes sobre seu governo, negócios privados e políticas públicas são difíceis de serem encontrados no século I a.C. e principalmente para o reinado de Cleópatra.
       Apesar de todo deslumbre relacionado à poderosa rainha do Egito, Antônio era muito mais influente e importante que ela. O autor busca desviar do senso comum de que ele sempre foi subordinado à César, e que sempre esteve em segundo lugar. Antônio não foi um general especificamente bom, embora tenha sido um líder eventualmente popular. Suas experiências vieram de guerras civis e sua carreira se deu pelo o que o autor chama de “boa sorte e às oportunidades raras” que foram dadas por uma república romana destruída pelas guerras civis. As famílias aristocráticas de Roma sempre convidava testemunhas para o nascimento de um novo membro familiar, e também usavam o casamento como um meio de estreitar e criar laços políticos. Júlia – mãe de Antônio – garantiu que ele e seus irmãos soubessem que eram herdeiros de aristocratas, enfatizando sempre a virtude pessoal. Roma havia se tornado uma das maiores potências naquele tempo devido seu respeito e culto aos deuses, o bom comportamento, a coragem, sua aristocracia e acima de tudo isso, os ancestrais do filho homem. Antônio cresceu com expectativas de que seria igual ou melhor que seus antepassados, e nascer numa família senatorial fazia da criança um indivíduo especial.
Como dito anteriormente, na Roma antiga, era comum que as famílias aristocratas arranjassem casamentos para a criação ou estreitamento de laços políticos.
      Em 57 a.C. Aulo Gabínio foi nomeado procônsul da província da Síria e convidou Antônio para participar de sua equipe, e essa pode ser considerada a primeira nomeação pública de Antônio. Apesar de não ter nenhuma experiência na carreira militar e nem com responsabilidades muito grandes, visto que tinha fama de beberrão, recusou a oferta de Gabínio e exigiu e angariou o comando de uma parte da Cavalaria do exército dele. Mesmo inexperiente, Antônio possuía uma excelente forma física e era bem treinado com armas, e em toda sua carreira, ninguém nunca duvidou de sua coragem e capacidade física. Já em 53 a.C. retornou a Roma e se candidatou ao questorado[8], apesar de ser a magistratura de mais baixo status político, o eleito era automaticamente registrado como senador. Sabendo de sua candidatura, César enviou cartas apoiando Antônio e também o apoiou financeiramente.Antônio foi eleito questor pela Comitia Tributa, um encontro entre os 35 clãs de cidadãos Romanos, e esse foi o marco inicial para sua carreira pública.
        Após o assassinato de César, Antônio deixou Roma pois sua posição teria se fragilizado com a morte dele. A revolta em Roma culminou na criação do Segundo Triunvirato em 43 a.C., composto por Lépido, Antônio e Otaviano, onde os três possuíam poderes iguais. Então, Antônio encontra Cleópatra em Tarso para obter o apoio da Rainha. Esse encontro pode ser considerado o que marcou Antônio, fazendo-o passar o inverno de 41-40 a.C. em Alexandria junto de sua amante Cleópatra, resultando no nascimento de duas crianças que seriam herdeiros. Para certificar a lealdade, Otaviano arranjou o casamento de Antônio com sua irmã Otávia, e para evitar múrmuros do povo, aceita a proposta e acaba provocando, mesmo sem intenção, a ira de Cleópatra. Em 37-36 a.C., Antônio passa por Alexandria a caminho da guerra contra os Partos, e acaba se encontrando com Cleópatra e decide fazer de Alexandria seu mais novo lar, se casando com a rainha do Egito mesmo já sendo casado com Otávia. Otaviano influenciou o senado alegando perigos na relação entre Marco Antônio e uma rainha estrangeira, e fingindo-se afetado pela traição de Antônio à sua irmã, declara que os dois são inimigos de Roma. Influenciado por Cleópatra, Marco Antônio declara guerra política a Otaviano. Após mentiras e alguns ataques, em 32 a.C. estava claro que Antônio havia perdido a essa batalha e só ganharia caso enfrentasse o exército e as frotas de Otaviano.
Em síntese, após os ataques e guerras, Antônio e Cleópatra tiveram seu fim como figuras políticas e amantes. A política e a paixão estavam entrelaçadas. Um dependia do outro para sobreviver a república quebrada de Roma e a corte ptolemaica. Ambos possuíam uma vontade genuína de governar e defender seus próprios interesses a qualquer custo. Uma análise mais próxima da realidade é feita e a real história pode não ser como é contada nas peças teatrais, tratando sobre vidas que foram vividas fogosamente numa época onde o mundo passava por transformações profundas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 

BALTHAZAR, Gregory da Silva.Cleópatra a sedução do Oriente: o corpo como meio feminino de exercer política.Revista de História Comparada. PUC/RS. 2009.

CASTIGAT, Ridendo Mores. Da República – Cícero. Fonte Digital. 2005. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/darepublica.pdf. Acesso em: 24 de out. 2018.

CEOLA, Adriele Andrade. VENTURINI, Renata Lopes Biazotto. Histórias de Tácito: Um estudo do poder Imperial de Vitélio. Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais. 2013. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2013/pdf/09.pdf. Acesso em: 26 de out. 2018

ELLA Habiba Shohat. Palestina: Informações com Proveniência (banco de dados PIWP). Disponível em: http://cosmos.ucc.ie/cs1064/jabowen/IPSC/php/authors.php?auid=128. Acesso em: 24 de out. 2018.

FOSS, Michael. The Search for Cleopatra.New York. Arcade Publishing. 1987.

GOLDSWORTHY, Adrian. Antônio e Cleópatra: A história dos amantes mais famosos da Antiguidade. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2018. 602 p.

LUZ, Camila Santiago. Breve Reflexão Sobre o Caráter Histórico Das Biografias Plutarquianas. Congresso Internacional de História. 2011. Disponível em:http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/157.pdf. Acesso em: 20 de out. 2018.

MONTEIRO, João Gouveia. [Recensão a] Comentário da obra de Adrian Goldsworthy, Generais Romanos. Os homens que construíram o Império RomanoRevista de História da Sociedade e da Cultura. Vol. 8. 2008. Disponível em: https://digitalis.uc.pt/pt-pt/artigo/recens%C3%A3o_coment%C3%A1rio_da_obra_de_adrian_goldsworthy_generais_romanos_os_homens_que_constru%C3%ADram. Acesso em: 20 de out. 2018.

SHOHAT, Ella Habiba.Des-orientar Cleópatra:um tropo moderno da identidade.Cadernos Pagu. New York. 2004. n.23.pp. 11-54. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332004000200002&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 26 de out. 2018.

 

 

[1]Graduanda em História pela Universidade do S.C. (USC/Bauru), resenha realizada sob a orientação da professora Drª. Lourdes M.G.C.Feitosa.

 

[2]Tese defendida:The Roman Army at War, 100 BC – AD 200.

[3]Plutarco nasceu em Queronéia na região grega da Beócia, quando Roma já não era mais uma república e sim um império. O escritor grego, ao completar vinte anos viajou para Atenas com intuito de ali realizar estudos de Retórica. Durante o período de governo do Imperador Domiciano, Plutarco obteve status de cidadão romano e exerceu cargos políticos e militares importantes, sendo nomeado procurador da província da Acaia, embaixador e chegando até mesmo ao cargo de procônsul durante o principado de Trajano. Além das atividades políticas, foi também sacerdote laico do templo de Apolo em Delfos por mais de vinte anos e organizou os jogos píticos em honra ao deus Apolo.

[4]Não foi encontrada informações sobre o autor.

[5]Professora de Estudos Culturais e Gênero na Universidade de New York.

[6]Famoso filósofo romano, nascido na cidade de Arpino em 106 a.C. Entre as suas obras políticas, destacam-se De Republica, escrita entre 54 a. C. e 51 a. C.

[7]Tácito nasceu por volta do ano 55 d. C. e morreu aproximadamente 120 d. C.Acredita-se que seja proveniente da província da Gália. Suas obras sempre se atentaram para as vulnerabilidades de Roma, sendo as principais: Diálogo de Oradores, Germânia, Vida de Júlio Agrícola, Histórias e Anais.

[8] Tipo de Magistrado, cujos deveres eram principalmente financeiros. Os questores atuavam como representantes ou agentes de governadores consulares e frequentemente assumiam o comando dos militares e subordinados.