REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ACESSO À JUSTIÇA X JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA DO SUPREMO TRIBUNAO FEDERAL[1]

Juliana Lima Rodrigues

Myrella Mendes[2]

Christian Barros[3]

RESUMO

No âmbito do recurso extraordinário é essencial para que este seja acolhido e por consequência, apreciado que o mesmo preencha os requisitos de admissibilidade – genéricos e específicos. Dessa forma, percebe-se que esses requisitos, dando enfoque aos específicos, possuem um viés que facilita o Supremo Tribunal Federal a dar maior celeridade, diminuir o volume de processos, caracterizando a jurisprudência defensiva, como também reforçar o caráter de órgão supremo do tribunal e um viés que impossibilita os requerentes de ter seu acesso à justiça tutelado, visto que enfrentam rigorosos requisitos específicos a serem preenchidos, como por exemplo, a repercussão geral, dificultando, portanto, o acesso ao jurisdicionado. O presente trabalho surge com o intuito de, identificar quais são esses requisitos e de como podem restringir o princípio de acesso à justiça, como também de como fazem parte da caracterização da jurisprudência defensiva exercida nos Tribunais Superiores. Primeiramente será discorrido sobre os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário; posteriormente será identificado como os requisitos, dando ênfase a repercussão geral e o prequestionamento, dificultam o acesso à justiça, para, por fim, no último capítulo, apresentar como os requisitos de admissibilidade caracterizam a jurisprudência defensiva nos Tribunais Superiores.  

INTRODUÇÃO 

O presente artigo tem como título “Requisitos de Admissibilidade do Recurso Extraordinário: Acesso à Justiça X Jurisprudência Defensiva do Supremo Tribunal Federal”, pois busca destacar quais são os requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinários, dando enfoque às divergências existentes na doutrina e na jurisprudência brasileira no tocante aos requisitos específicos dos recursos extraordinários remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF), identificando de que maneira os referidos requisitos reforçam o caráter de supremacia do STF, ratificando assim a jurisprudência defensiva e de que modo os requerentes são atingidos por tais requisitos, visto que estes acabam por dificultar o acesso à justiça.

Faz-se necessário saber que o recurso extraordinário é na atual feição recursal um dos institutos mais importantes, por estar diretamente ligado ao Supremo Tribunal Federal e tem adquirido gradativamente uma relevância extraordinária, pois o STF cada vez mais no Brasil assume a sua função de guarda da Constituição Federal (CF). No recurso extraordinário remetido ao STF, somente se pode alegar matéria de direito e somente aquilo que estiver expressamente autorizado pela CF, utilizando-se das 3 fontes para se estudar o referido recurso que são a CF no seu artigo102, inciso III, a Lei 8038, que regula os processos e recursos de competência do STF e STJ e o regimento interno do Supremo.

No entanto, nem todos os recursos extraordinários interpostos irão ser apreciados senão passarem pelo crivo dos requisitos de admissibilidade pertinentes a estes recursos, dessa forma, o estudo desses requisitos faz-se indispensável ao longo do presente trabalho, para que sejam analisadas as causas do congestionamento nos tribunais advindos do acesso à justiça positivado pela Carta Magna e sobre a jurisprudência defensiva do STF, que muitas vezes apresenta exigências recursais desmedidas, violando assim o acesso à justiça pelos Tribunais Superiores.

Por outro lado, nota-se a importância de se preocupar com a situação do Judiciário, por estar “atulhado” por inúmeras demandas, o que gera por parte dos Tribunais a decisão de fecharem as portas para novos recursos e processos, visando dessa forma, a celeridade, a duração razoável destes.

1 OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE  DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 

As hipóteses de cabimento do recurso extraordinário estão previstas na Constituição Federal em seu artigo 102 inciso III, que disserta que compete ao Supremo Tribunal Federal, principalmente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe, portanto, julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decidias em única ou última instância, quando a decisão recorrida for contrária à conteúdo disposto na Constituição; declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgue válida lei ou ato de governo local contestado em face da própria Constituição e julgue válido lei local contestada em face de lei federal.

Apresentada as hipóteses, passa-se a apresentar os requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Estes correspondem pressupostos que dão ensejo a existência e validade dos recursos, dando o direito ao recorrente de ter seu recurso apreciado, ou seja, de ver seu recurso acolhido ou admitido.  Em relação aos requisitos genéricos – não são restritos apenas a um tipo de recurso, mas aos recursos em geral –, estes são previstos no artigo 541 do Código de Processo civil, que dispõe que o recurso extraordinário, como também o recurso especial, nos casos dispostos na Constituição Federal, precisam ser interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas e precisam conter a exposição  do fato e do direito; a demonstração do cabimento do recurso interposto e por fim as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

No entanto, os requisitos que possuem mais detalhes e diversas discussões são os requisitos específicos dos Recursos Extraordinários. A emenda constitucional n° 45/04 acrescentou ao artigo 102 da Constituição o parágrafo 3°, que afirma a necessidade do recorrente demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, com o intuito de que o Tribunal possa examinar a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Percebe-se que esse requisito – repercussão geral – dos recursos extraordinários, tem o fim de selecionar os recursos que os recorrentes provaram que a questão é relevante em vários âmbitos, como o social, jurídico, político, entre outros, ou seja, que tenham realmente importância para toda a sociedade.

“Nota-se claramente a intenção do legislador ao elaborar o instituto da repercussão geral era criar um filtro capaz de verificar a existência de questões que objetivassem a utilização do recurso extraordinário, não como mero emissor de juízo de valor a direito das partes, mas sim, a real guardião da aplicação constitucional, sendo que o conhecimento ou não de sua existência pelo Supremo Tribunal Federal faz com que uma parcela da sociedade experimente seus efeitos indiretamente” (DANTAS apud CAVALARI; MENDONÇA, 2011, pág. 11).

No entanto, a utilização da repercussão geral de forma exagerada pode caracterizar uma restrição ao princípio constitucional de acesso à justiça – questão que será debatida no próximo tópico. É o que Pedro Borba Vaz Guimarães irá afirmar:

“a repercussão geral, criou um estorvo ao cidadão, pois, terminou por impedir que o acesso ao supremo órgão judicial brasileiro seja livremente utilizado por todos aqueles interessados, que tenham preenchidos os requisitos para a interposição do recurso extraordinário, como por exemplo, uma decisão em afronta a constituição federal. Provocando assim, uma tremenda injustiça. Neste toar, verifica-se que o instituto da repercussão geral criou óbice ao perfeito e completo acesso ao judiciário, ao mesmo tempo que terminou por aniquilar direitos e garantias individuais, ao jogar parcialmente no lixo os princípios da ampla defesa, recorribilidade e duplo grau de jurisdição.” (GUIMARÃES apud ROCHA, 2013).

Outro requisito a ser mencionado e, portanto, preenchido pelo recorrente é o do prequestionamento da matéria constitucional. A partir desse requisito o interessado deverá ter suscitada a controvérsia constitucional em todas as instâncias, fazendo com que a matéria já tenha sido debatida pelos demais órgãos jurisdicionais antes de chegar no Supremo Tribunal Federal.  

A repercussão geral não se encontra prevista no artigo 102 da Constituição Federal, mas prevista na Lei n° 11.418/06. Por conta disso, Antonio Mendonça Filho e José Eduardo Cavalari afirmam que a exigência desse instrumento, data vênia é inconstitucional, pois os requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinários são elencados na Constituição, não podendo uma lei infraconstitucional inovar matéria (CAVALARI; MENDONÇA, 2011, pág. 08). Dissertam também que:

“Importante dizer que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal é inconstitucional, já que atribui a parte lesada o ônus de ter que cumprir uma série de requisitos inúteis para que a questão constitucional possa ser por ele apreciada. Não é justo que, v.g. em duas situações análogas uma por ter cumprido todos os requisitos de admissibilidade no que tange ao prequestionamento tenha seu recurso conhecido e provido e outra que cumpra os verdadeiros requisitos constitucionais corra o risco de não ter seu recurso conhecido, pois, lhe faltou o requisito do prequestionamento, mesmo que a questão foi efetivamente decidida Entende-se que a exigência do prequestionamento é fruto de um sistema jurídico defeituoso, que maculou as Cortes Extraordinárias gerando a já comentada crise no Supremo Tribunal Federal, que por sua vez cria dificuldades aos cidadãos de terem seus direitos atendidos, pela falta de preparo legislativo e falta de socorro, já que o maculador da Constituição é seu guardião (art. 102 da CF/88).” (CAVALARI; MENDONÇA, 2011, pág 09).

Nesse sentido, importa dispor que os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário são importantes ao ponto de que formalizam os recursos e de fato diminuem o afogamento encontrado nos Tribunais Superiores, tutelando o caráter de última instância dos órgãos de cúpula. No entanto, tais requisitos devem ser utilizados de forma moderada, visto que os princípios constitucionais devem ser respeitados a ponto de que facilitem para os cidadãos a melhor forma de ingressar em juízo, principalmente aos mais necessitados que muitas vezes são os mais feridos por tamanha formalidade exagerada – é o que será debatido nos próximos tópicos. 

2 O ACESSO À JUSTIÇA FRENTE AOS REQUISITOS EXTRAORDINÁRIOS

Analisado os requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário no capítulo anterior, cabe agora analisar o acesso à justiça frente aos requisitos específicos, dando ênfase ao da repercussão geral e o prequestionamento. O princípio do acesso à justiça é previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 5°, XXXV que dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Em relação a esse princípio Ada Pellegrini comenta que nos casos de controle jurisdicional indispensável, como também quando a pretensão deixa de ser realizada por quem poderia satisfazê-la, esta pretensão deve ter uma solução que faça justiça a ambas as partes envolvidas no processo. Assim, a autora afirma que o processo deve ser proporcionado de modo que permita as partes o acesso à justiça, o qual se resolve em acesso à ordem jurídica justa (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2009, pág. 39).

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