Reputação do grupo Kabbalista

     À medida que a escola embrionária crece, também começa a tomar forma uma outra dimensão. Uma escola kabbalística é mais que apenas dois ou três grupos, seus membros e suas atividades. É um organismo com um caráter totalmente independente de qualquer indivíduo, apesar de ser dirigido por um Professor. Embora possa ser dito que um determinado tipo de estudante, chega um dia em que algo de transpessoal surge do esforço coletivo de diversos grupos, e se manifesta como uma determinada entidade. Esse momento ocorre quando uma quantidade suficiente de energia, estrutura e consciência é gerada para unir todos os grupos em uma configuração identificável. Um fenômeno paralelo é quando uma turma de atores individuais, de repente, em determinado momento do ensaio, se transforma em uma companhia ao começar a relacionar seus papéis entre si. É uma mudança definida de estado, na qual o espírito da peça assume o comando. No caso de uma escola kabbalística, é o espírito da Linha manifestando a Tradição naquela situação específica com aquelas determinadas pessoas.

     Embora essa ordem de realidade esteja presente, será percebida pela maioria unicamente no nível em que está o grupo, embora visitantes perceptivos possam estar, talvez, mais cônscios disso que as pessoas envolvidas com a escola. Tais estranhos podem, além disso, notar o sabor que distingue aquela determinada escola das outras que possam ter visitado. Pessoas menos sensíveis podem perceber isso sob a forma de uma distinta atmosfera, que as faz sentir em casa ou definitivamente excluídas da reunião, como se houvesse um espaço mais elevado no qual apenas os participantes pudessem entrar. Esse campo de força é completamente real, e existe no Mundo psicológico da Formação, como uma cerca contra uma possível intrusão, embora elementos sinistros também possam entrar sob o disfarce de pessoas que desconhecem carregar uma sombra em suas psiques, Isso é inevitável, e não deveria impedir tais indivíduos de se juntarem ao grupo. Pode ser o único lugar onde consigam ajuda.

     Isso nos traz à questão dos novos membros do grupo. No início, necessitou-se de um grande número para compensar a partida das pessoas que acreditavam que esse não era o trabalho que buscavam. Agora, estando a organização bem estabelecida e possuindo um núcleo crescente de membros compromissados, o índice de entrada e saída é consideravelmente menor. Assim sendo, o processo de seleção deve ser mais rigoroso. Foram-se os dias ardorosos da lua-de-mel, quando se procurava converter qualquer provável cliente no trabalho ou em reuniões sociais. Os membros ainda buscam candidatos adequados, mas eles devem ser mais prudentes. Existem diversas razões para isso. Agir com comedimento é bom por ser um sinal de maturidade; mas é ainda melhor quando os exploradores chegam por vontade própria. Isso elimina os meramente curiosos. Também por volta dessa época, a escola já terá começado a criar uma reputação, e isso certamente atrairá os interessados em política dos poderes ocultos. Assim, uma discrição reforçada é solicitada a todos os membros.

     A reputação é adquirida de duas maneiras. A primeira é tudo aquilo que emana dos grupos nos níveis mais misteriosos, e é apreendida por aqueles que também estão no trabalho, sejam eles bons ou maus. Isso significa começarem a assumir o seu lugar na rede de trabalho esotérico que existe naquele país. Se a escola que estiver surgindo tiver alguma capacidade, certamente será observada bem de perto pelos de cima e pelos de baixo. A outra maneira é verbalmente. Isso pode acontecer por recomendação ou mexericos. É regra geral que muito pouco ou nada seja dito sobre o que se passa nas reuniões ou entre os membros fora do contexto da escola. Isso não só impede que os de fora obtenham uma versão fragmentada ou distorcida do que acontece, mas também preserva e constrói a vitalidade do organismo. Contudo, pessoas são seres humanos, e a fala é conseqüência desse fato. Dentre os mais disciplinados, tais conversas serão limitadas à discussão sobre assuntos esotéricos gerais entre eles mesmos, ou com outros que estejam, talvez, em outro ramo de trabalho espiritual. Essas discretas trocas podem ser muito úteis e auxiliar a comunicação entre diferentes disciplinas. Existem, é claro, diálogos referentes a outras pessoas que não estão envolvidas no grupo, desde maridos e mulheres até alguns amigos interessantes, desejando seriamente descobrir alguma coisa.

     Com relação aos cônjuges não-participantes do grupo, a questão pode se tornar bastante difícil, pois, algumas vezes, a escola é encarada como um rival. Isso deve ser abordado com muito tato, ou se desenvolverá uma profunda hostilidade que pode não só afetar o relacionamento, mas também fará com que se diga coisas ainda mais maldosas sobre a escola. Um problema semelhante ocorre quando um relacionamento de desfaz, e um dos parceiros deixa o grupo. Quase sempre, aquele que parte difama o tutor, e também as pessoas de quem era íntimo. É um verdadeiro teste de integridade para todos, em especial quando vários membros se retiram em massa, como acontece algumas vezes durante uma crise ideológica de personalidade. Isso pode precipitar um enorme surto de calúnias, enquanto os que partem se descartam de sua lealdade e da disciplina da escola. Esse é o motivo pelo qual existe a rigorosa norma de que, embora mantenha-se relações cordiais com os ex-membros não há um empenho real em tentar encontrá-los, pois isso poderia aumentar a sua raiva, justificada pelo ego. Essa raiva, deve-se acrescentar, é quase sempre uma projeção negativa da própria inadequação; a menos, é claro, que sua dor seja verdadeira, como em uma situação corrompida. A posição neutra dos membros permanecem permite às pessoas atravessarem o processo da rejeição e da reflexão sem interferência, mas deixa a porta aberta para que elas voltem, se desejarem. Ninguém deve ser excluído da Tradição, embora o indivíduo possa a ser aconselhado a entrar para um grupo sem conexão alguma com sua escola.

     Sem dúvida, tais incidentes alimentam o lado negativo da reputação de uma escola, e é provável que cheguem até os ouvidos dos que estão interessados. Tais estórias e fatos distorcidos podem ser utilizados como munição por pessoas que sentem seus pequenos impérios ameaçados, e pelos que buscam invalidar qualquer tipo de trabalho espiritual. Semelhantes indivíduos muitas vezes aparentam ocupar-se do autodesenvolvimento quando estão, na verdade, trabalhando contra ele. Esses maléficos professores, em geral, dirigem grupos que levam os inexperientes até um determinado ponto, e os mantém ali durante muitos anos, inanimados espiritualmente. Algumas vezes, são pessoas que possuíram conhecimento superior, mas não deixarão ninguém ultrapassar seu nível porque devem ser, em seu mundo ego-orientado, o mestre. Aqui é onde a reputação é útil, porque, para os conhecedores, muito pode ser obtido dos boatos sobre determinados grupos e professores. Um exemplo disso é o homem que sempre diz coisas certas, seduz todos os que não resistem ao seu encanto, e deixa atrás de si um rastro de mentes, corações e corpos despedaçados. Essa é a razão pela qual a reputação deve ser considerada. Ela revela algo sobre a qualidade do Ensinamento difundido.

     O surgimento de uma nova escola na comunidade esotérica pode ser um simples acréscimo aos números e à qualidade daqueles que operam em uma área, ou pode ser o início de uma nova era. No tempo de Joshua bem Miriam de Nazareth, existiam muitas escolas espirituais além das de Jerusalém e da comunidade dos essênios em Qumran. Apenas umas poucas pessoas suspeitariam que um grupo de doze da Galiléia, com seus sotaques e suas maneiras do Norte, criariam um Novo Testamento a partir do Velho. Ora, embora tais acontecimentos cósmicos se passem apenas em intervalos de milênios, a possibilidade está lá, no mínimo como probabilidade. Assim, quando chega a época de inovar em geral aparece uma nova formulação do Ensinamento, trazendo um novo frescor à Tradição daquela geração. Essa constante, em geral, se manifesta nos grupos que não seguem as escolas mais conservadoras. Naturalmente, à medida que esses grupos inovadores começam a surgir, e, inevitavelmente, a atrair aqueles que, de outro modo, teriam se dirigido as escolas mais antigas, aqueles que não compreendem que a Tradição deve prosseguir, poderão sentir-se um tanto ansiosos. As Linhas ortodoxas, escolas bem-estabilizadas e conservadoras, estarão, na melhor hipóteses, alertas, e na pior, completamente hostis a qualquer recém-chegado ao seu território. Isso distinguirá claramente aqueles que realmente estão no caminho dos que apenas preservam uma fórmula velha e gasta. Isso não quer dizer que as formas antigas estejam invalidas, mas que aqueles que as praticam, e mesmo os que abraçam o novo pelos motivos errados, nem sempre estão alinhados com o fluxo vivo da Kabbalah.

     Se algumas pessoas não puderem ver uma escola esotérica em ação e a forma como transmite o Ensinamento, então o que elas podem fazer é seguir o que ouviram falar e assimilarem do espaço celeste. Este é o motivo pelo qual o que é projetado por cada membro de uma escola é de sua inteira responsabilidade. A reputação de uma escola é o resultado de um todo que emana do pensamento, do sentimento e da ação, e é purificada através da conduta dos membros; mas também pode ser deturpada por falta de compreensão de um beneficiário.

     A imagem que uma escola ostenta perante organizações semelhantes será formada à medida que ela se torna coesa e cria um foco de recepção e de transmissão entre os mundos superior e inferior. Assim, enquanto uma escola se desenvolve, aquelas de nível semelhante se tornarão internamente cientes de sua presença. Tal capacidade demora algum tempo para ser criada e, como as pessoas, uma escola pode falhar em pontos cruciais de sua existência. Há diversos vestígios que sobrevivem a escolas decadentes ou não mais existentes, funcionando muito depois de seu propósito tê-los abandonado; certas lojas secretas ou maçÇonicas são um exemplo. Finalmente, o surgimento de tal escola é uma ocorrência tão rara que seus efeitos devem ser inconscientemente sentidos pela comunidade em geral. Esse contato pode ser feito na presença sutil da espiritualidade, ou pela conexão pessoal com os membros e seus valores, que modificam o modo de vida das pessoas ao seu redor. Essa é a função da reputação.

     A dimensão terrena não é apenas prática, mas o método principal pelo qual uma escola transmite sua contribuição ao mundo, pois embora existam, de fato, influências maiores, não estarão evidentes até que se estabeleça um contato entre a escola kabbalística e a vida comum. Nesse estágio de desenvolvimento, pode ser a única maneira de seus membros transmitirem o que aprenderam sobre a unificação dos mundos, a fim de que Deus possa observar Deus. Esta tarefa suprema não é tão remota quanto parece, pois cada ato, emoção e idéia deve exprimir esse objetivo na vida do kabbalista. A tarefa de uma escola é a de treinar e apoiar os indivíduos, a fim de que sejam capazes de executar essa operação; e a de ser um agente para o que possa vir de cima. Quando os membros da escola se encontram em situações que exijam uma mudança de nível, eles têm condições de requisitarem recursos muito acima da capacidade de uma única pessoa. No início eles são o ponto Malkhut da Tradição, até que cada indivíduo aja dentro do alcance maior de uma organização que deve, inevitavelmente, crescer à medida que a escola se desenvolve.