Marcio Garrit[1]

Resumo

O artigo se insere numa pesquisa acerca dos mecanismos pulsionais através da teoria psicanalítica, exclusivamente pelo percurso teórico de Freud e Lacan, em como se dá a repetição no psiquismo humano.  Como se desenvolve, quais os mecanismos de defesa presentificados pelo sintoma, as formas de como isso se estabelece e o manejo na clínica psicanalítica. Buscaremos definir o conceito de cura, assim como dar uma breve explicação dos limites da atuação na clínica psicanalítica frente ao gozo na contemporaneidade.

Palavras-chave: Cura, gozo, pulsão, repetição, transferência.

[1] Filósofo e Psicanalista (RJ) E-mail: [email protected]

Freud, na tentativa de explicação do comportamento repetitivo no indivíduo, ao perceber que nem tudo que se repete tem como finalidade o bem estar do sujeito, escreve em 1920 o texto Além do princípio do prazer, onde, através da lógica do mecanismo de funcionamento do princípio do prazer, o sujeito refém de suas pulsões, busca a descarga das excitações recebidas.  Tal lógica vem modificar em definitivo o conceito de satisfação psíquica, até então,  e trás consigo uma visão alarmante do funcionamento psíquico humano.

Nota-se que Freud não chegou a esses conceitos de forma imediata, por isso acreditamos ser imprescindível a demonstração do percurso desenvolvido para elaboração da etiologia das neuroses e o manejo da transferência.  Esse percurso, necessário para entendimento prévio da teoria pulsional, é posteriormente acrescentado à visão de Lacan em seu conceito de gozo.  Lacan estende as explicações do mecanismo pulsional Freudiano e com isso preenche lacunas paradoxais inseridas por Freud nesse contexto.

Concluímos o referido artigo discorrendo sobre o alcance do tratamento analítico e suas possibilidades de transformação do sistema pulsional nos remetendo assim a um conceito diferenciado de cura, além de uma necessidade ética a ser imposta na relação analista e analisando para que se consiga resultados eficazes contra os efeitos maléficos que os sintomas proporcionam. 

1 FREUD E OS MECANISMOS DE DEFESA

Ao analisarmos as obras de Freud, principalmente as que iniciam a sua pesquisa sobre o psiquismo humano no final do século XIX, de antemão, percebemos sua preocupação em entender a etiologia dos mecanismos subjetivos do comportamento humano.  Nunca satisfeito com os cenários científicos apresentados a ele na época, Freud parte para uma investigação pessoal, se preocupando ao longo de suas descobertas em dar sempre um direcionamento científico à psicanálise.  O que deve ter sido o principal incentivador de correções de suas teorias ao longo das décadas que transcorreram seus escritos.  Buscaremos resumir o caminho e descobertas Freudianas sobre a etiologia das neuroses e sua ajuda no campo do entendimento dos comportamentos repetitivos.

Com base em suas observações clínicas, Freud nota que os quadros sintomáticos dos pacientes mostravam uma causa e consequência, que variava de acordo com a forma e destino que cada psiquismo dava às excitações recebidas nas situações em que eram expostos.  Inicia-se assim a definição dos variados tipos de neuroses.

Assim, embora a neurose de angústia não possua um mecanismo "psíquico" específico, ela influencia a vida mental, dando origem a expectativas angustiadas, fobias, etc. Quanto às psiconeuroses, são divididas em dois grandes grupos: as histerias, caracterizadas pela "conversão" do afeto, e as neuroses compulsivas, em que ocorre o "deslocamento" ou "transposição" do afeto, no interior da vida psíquica, sem afetar as inervações corporais.  Os casos clínicos demonstram que a defesa, tanto num como noutro grupo, se exerce sempre sobre conteúdos de natureza sexual. (MEZAN, 2011, p. 21)

Freud, com base nessas observações, inicia sua etiologia das neuroses separando e caracterizando seus respectivos mecanismos de defesa e conseqüentemente a estrutura dos quadros sintomáticos que permeariam a vida psíquica dos analisandos.  Nota-se que no início de toda sua pesquisa, ele é obrigado a abandonar determinadas práticas investigativas, pois com o tempo as mesmas demonstravam sua ineficácia em relação à essência do seu conceito de inconsciente - conceito este que virá a sofrer diversas modificações algumas décadas depois.

Observamos que uma das grandes descobertas de Freud ao longo dos estudos da neurose foi notar o papel que a resistência incide sobre o psiquismo.  Esta demonstra, enquanto mecanismo de defesa, ser uma grande aliada dos sintomas neuróticos permitindo assim o desencadear de uma série de comportamentos indesejáveis. Com isso, percebe-se que os métodos utilizados até então se tornariam ineficazes e isso faz com que Freud venha a reelaborar seu trabalho clinico.

A descoberta da resistência e a dedução do mecanismo de defesa como pré-condição da sua emergência o convenceram a abandonar a técnica de Breuer, que, ao silenciar a consciência do paciente, na verdade obturava os canais porque poderiam surgir as resistências... O fato empírico de nem todos os histéricos serem hipnotizáveis deixava margem a dúvidas... A hipnose impedia a discriminação das várias neuroses, com as quais Freud se fora familiarizando por sua prática clínica. (MEZAN, 2011, p. 20)

Sendo a resistência um grande impulsionador do desencadeamento dos quadros neuróticos sintomáticos, dessa forma "a remoção das resistências é que se converte no objetivo terapêutico primordial, uma vez que elas simplesmente expressam a repressão que se tornou patogênica a ideia vinculada ao sintoma [...]" (MEZAN, 2011, p. 21).  Nota-se que esse mecanismo percebido e descrito por Freud, faz com que o mesmo continue o desenvolvimento da escrita das etologias neuróticas tomando como base a equação resistências vs. repressões do indivíduo em relação aos afetos e seus destinos no corpo e pensamento.  Sendo assim, os instrumentos investigativos dos comportamentos indesejáveis tomam outra forma e Freud inicia sua busca ao material reprimido enquanto forma de não só justificar suas etiologias como também de inserir a psicanálise como alternativa proporcionadora de saúde mental.

Freud percebe que a relação de resistência e repressão no psiquismo não é totalizante e que algo escapa ao consciente, à fala do paciente. Um dos redirecionamentos do método clínico investigativo é ouvir aquilo que o paciente associa, em sua fala, dentro do setting analítico.  Essas associações são uma amostra do que escapa, fruto dessa equação falha e, graças a isso, inicia-se assim uma nova maneira de entender o que levou o analisando ao quadro sintomático.

As associações do paciente devem ser tratadas como se fossem sintomas, isto é, elementos originados de uma transação entre forças repressoras e o material reprimido... A associação é portanto, uma "alusão" ao reprimido, uma maneira de mencioná-lo sem dizer diretamente.  (MEZAN, 2011, p. 23-24)

A atenção direcionada à associação livre do paciente, só se fará eficiente no tratamento se em paralelo pudermos entender como se dá o processo de repressão na neurose.  Freud observou que esses quadros são distintos e fez uma definição principal do quadro neurótico em duas estruturas, sendo: "a histeria está condicionada por uma experiência sexual acompanhada de repulsa e de susto, enquanto a neurose obsessiva está condicionada pelo mesmo tipo de experiência, mas vivida com prazer [...]" (MEZAN, 2011, p. 42).  A destinação dos afetos recebidos, no que se refere ao que é reprimido no inconsciente e o que é destinado ao somático é que vai auxiliar na maneira como as etiologias serão definidas e também como o analista manejará a associação livre do analisando para uma tentativa de ressignificação daquilo que foi recalcado.  Faz-se importante também salientar que "o que se torna consciente, no entanto, na qualidade de ideias e afetos obsessivos, jamais é idêntico às recriminações originais; são formações de compromisso entre as ideias reprimidas e as ideias repressoras [..]" (MEZAN, 2011, p. 51).  Conclui-se então que, apesar do sintoma neurótico se mostrar desagradável na rotina do analisando, este sintoma é consequência de uma defesa instituída pelo psiquismo do sujeito por não ter condições de lidar com o afeto recebido e sua ressignificação toma uma forma ainda mais diferenciada a partir disso, pois, percebe-se aí o início do processo fantasístico frente ao quadro neurótico.

A descoberta das fantasias e dos impulsos vai assestar um golpe definitivo nas duas teorias (Sedução e Projeto). Se o que é reprimido são impulsos e não recordações, o problema de descobrir o mecanismo que permite investir novamente uma recordação, insolúvel no quadro da hipóteses quantitativas, se torna supérfluo.  E se a fantasia é a produtora das cenas de sedução, o trauma real também passa a ser dispensável...  Isso marca o advento dos conceitos propriamente psicanalíticos de "inconsciente" e "sexualidade infantil". (MEZAN, 2011, p. 63-64)

Com base nesse percurso de Freud, no qual não tivemos a intenção de esgotar, concluímos que é na inserção da fantasia que a psicanálise inicia de forma segura a definição das bases etiológicas do psiquismo humano. A importância dada a estruturação do inconsciente e o manejo dos afetos provenientes da sexualidade humana formam o grande basilar da estruturação neurótica e resulta disso a formação de compromisso que a mesma vem mostrar nos comportamentos repetitivos do analisando.

Inicia-se assim uma nova fase nas pesquisas Freudianas, que é a forma de manejar a manifestação dessa formação de compromisso no setting analítico.  Forma essa que é baseada na estruturação da fala do paciente em análise e a maneira de coordenar uma elaboração sobre aquilo que é dito e repetido.  Tal método será exposto a seguir.