Num desses dias bem recentes, liguei a TV e deparei com uma notícia estarrecedora, o mundo inteiro estava chocado coma renúncia do Papa Bento XVI, não sou religioso, mas confesso que tal fato me pegou de surpresa também. Passei o restante do dia meditando nisso: “O Papa renunciou”, na verdade eu nem sabia se papa podia renunciar o papado, daí já dá pra imaginar minha ignorância sobre o assunto. Mas uma coisa me fez pensar mais no acontecimento do que toda a significância que o restante da humanidade estava dando pra isso tudo, o que me deixou pensativo foi lembrar qual a proposta da existência de um sacerdote com o gabarito de um Papa. Para todos os efeitos, acredito que o Papa para os católicos representa o próprio Jesus Cristo (salvador da humanidade e pessoa tida nos anais religiosos como o filho do Deus criador de tudo que existe). Pois bem, fui remontar uma espécie de quebra-cabeças com aquilo que já li na Bíblia sobre o Cristo e mais uma vez tecer um paralelo sobre a atuação do representante e o representado neste contexto. A religião cristã, segundo seus próprios seguidores, foi fundada por Jesus Cristo de Nazaré, um judeu que nasceu na cidade de Belém, cuja história tenho certeza que você já deve ter ouvido o bastante. Este homem (Jesus Cristo) apesar de ser filho do próprio Deus foi criado como filho de José (um carpinteiro) e Maria, sua esposa. Pelos relatos bíblicos Ele assumiu seu sacerdócio quando foi batizado por um profeta que se vestia de pele de animais e se alimentava de gafanhotos. Toda a história desse tal Jesus Cristo nos leva a admitir um homem simples, sem vaidades, sem grandes luxos, sem grandes ambições terrenas, homem que nem se dava ao trabalho de prolongar uma conversa que não condizia com a sua missão sobre a face da Terra (uma vez abordado sobre a cobrança de impostos ele foi incisivo: - Dai a Cesar o que é de Cesar, e ponto final). Era mesmo esse Jesus uma grande figura humana que nem quando era bajulado se deixava levar pela vaidade. Era também um homem desprovido da vontade de agradar multidões, embora falasse com elas sempre, inclusive, numa das histórias que mais gosto sobre ele o sermão não agradou a multidão, que se retirou rotulando-o de maluco, e ele tão consciente e focado em seu propósito olhou para os discípulos e falou : - Vós também não quereis ir? Na Idade Média, também conhecida como Idade das Trevas (vejam o paradoxo), a religião, uma vez “romanizada” através dos seus Papas, Bispos e Abades, reinava sobre o mundo de tal forma que até nos dias de hoje ainda mantém parte do seu poderio, claro que em bases bem amenas. Todo Papa é reconhecido como um grande líder, com poder equiparado ao de um Chefe de Estado. Esse homem que ao Cristo representa não compete vestir peles de animais, tampouco usar aquela dieta do Profeta João Batista e se banquetear com gafanhotos, vive coberto de luxo e segurança, representa também muita riqueza financeira, muito ouro, muito dinheiro, muitíssimo poder. Um Papa nos dias atuais tem que discursar com maestria sobre quaisquer temas que sejam levados ao seu conhecimento, fala de ciência, de violência, de sexo, de organização social, e de tudo isso e muito mais lhe é exigido quase que conhecimento epistemológico. Nada de ser como o Jesus representado e mandar dar a Cesar o que lhe pertence. Um Papa contemporâneo deve ser um homem de notável saber, versado nas mais promissoras pesquisas e nos mais pródigos avanços da ciência. Não quero aqui duvidar da benevolência, nem da competência, nem da capacidade de representar Jesus que um Papa pode ter, pelo contrário, nos feitos de alguns Papas podemos identificar verdadeiras atitudes de um homem compromissado com a causa divina, como foi o caso do Papa João Paulo II que durante toda a sua jornada sacerdotal dedicou-se a busca pela paz mundial e pelo bem estar dos menos favorecidos, fez alianças e atuou com muita dedicação a causa até os últimos dias da sua vida. Deixemos de lado um pouco o representante e falemos do representado mais um pouquinho, sem esquecer que a proposta deste texto é versar sobre a renúncia. Aquele homem, Jesus, o representado, tinha uma rotina puxada, vivia cercado de pessoas problemáticas, diferentemente de seu representante que se cerca de cardeais e de outros sacerdotes com graus imediatamente próximos ao seu dentro da religião, tinha que correr para as montanhas quando ia discursar sobre a sua doutrina, perto dele haviam prostitutas, ladrões, traidores, gente faminta, muita gente doente, gente desesperada o tempo todo. Aos palácios, ia apenas quando era levado, mas na maioria das vezes era visto em lugares de muita gente, de muito barulho e de muita confusão. O fruto da minha imaginação chega a admitir que houvesse dias em que ele chegava em casa e sentisse saudade da carpintaria, mas ele não renunciava. Depois começou a sofrer acusações, as mais excêntricas possíveis, desconfiança dos seus seguidores, tentações, provações diversas, e ele continuava firme no seu propósito de salvar a humanidade. Esse mesmo Jesus foi levado a dois tribunais que procrastinavam a sentença por questões políticas e por não entender qual crime tinha sido cometido por ele, mesmo assim não renunciava. No meio de toda essa história, esse mesmo Cristo foi condenado a sentença de morte, pendurado numa cruz por aquilo que acreditava, mas antes de morrer ele teve que ser cuspido, chicoteado, humilhado e mesmo assim ainda pedir que fossem perdoados os pecados dos seus malfeitores. Uma vez condenado ele quis RENUNCIAR, sim quis, e foi nessa hora que ele falou: - Pai, passa de mim esse cálice sem que eu beba... Depois refletiu e concluiu a sua resignação: - Todavia que seja feita a TUA VONTADE, e fazendo assim, não renunciou. O representante e o representado. Aqui bem pensados e equiparados como foram talvez nos alivie da dúvida, e nos dê um pouco mais de significado da verdadeira identidade papal, do verdadeiro dever de um guardião da religião, de um guerreiro pela causa a qual se propõe. Jesus renunciou sua própria renúncia, enquanto o papa apenas RENUNCIOU.