Religião: uma das ferramentas usadas pelos homens do passado, ou do presente, como forma de imobilização social

 Certamente, é inegável, existe um Ser que é todo grandeza e poder, mas Ele é insondável, indizível, intangível, desconhecido pela capacidade finita dos seres humanos, sacerdotes ou ateus, tolos ou sábios, rebanhos ou “pastores”.  E este Ser não é partidário nem desta nem daquela religião, pois não precisa dos ritos e dogmas dos homens, de forma que, independente dos rótulos, crenças e cantos, qualquer um pode ser o favorecido Dele.

O autor.

  1. Introdução

É sabido que a força e a influência da cultura, da literatura, da arquitetura e outras artes e conhecimentos de Roma impuseram conceitos e significados à linguagem universal, ou ocidental, de forma que até os dias atuais as civilizações pensam, acreditam e agem como a sociedade romana do passado. Mas até que ponto o quê o Império Romano disse é verdade e concreto? Até que ponto os valores e significados da civilização romana continuam úteis para as novas populações, para as sociedades modernas, hoje manipuladas pelas religiões, o estado e a mídia, com consequências das mais diversas, das mais danosas?

Os sacerdotes de outrora disseram que o termo religião significada ligação, ou religação, com DEUS, pois este termo tinha origem no latim, na palavra religare, seria o meio para a criatura se religar ao Criador; o humano se religar ao sagrado. Desta forma a religião romana (o cristianismo) era o meio para se alcançar as benevolências divinas. Isto realmente foi, ou é, verdade ou não passa de construção do imaginário clerical, o qual induziu às gerações vindouras, desse modo multiplicando as ideias de um grupo social, dominante (a casta dos sacerdotes), fazendo das ideias sacerdotais valores universais, ainda questionáveis?

Hoje se sabe que incontáveis coisas e fatos narrados no passado não correspondem à verdade. Zeus e todos os deuses do Olimpo sucumbiram. Júpiter, na mitologia romana – que não passava de imitação da grega – já morreu ou decaiu há muitos séculos. Semideuses, heróis, ninfas, tudo não passou de mitos que serviam para alimentar e iludir o imaginário popular, incapaz de procurar compreender a realidade, a vida, o mundo, a existência como era, e é, desta forma necessitando de quimeras, ideologias e presunções, para procurar justificar os infortúnios ou pesares da humanidade que passou a acreditar, como já percebia e afirmava os filósofos mais antigos, nos mitos das religiões como se verdade fossem.

O tempo passou-se e com ele a sociedade passou por processos de transformação, surgindo com isto e escola, a universidade, as ciências (mais avançadas), as novas tecnologias, contudo a sociedade – grande parte – continuou dependente deste ou daquele fenômeno religioso, que é capaz engessar, amordaçar a muitos, tornando demente e imóvel as massas ou multidões.

Um grande estrategista militar e pensador, Napoleão Bonaparte, homem que se tornou o general mais jovem da História e dos impérios, afirmou em sua sabedoria: “a religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas”.

  1. Desenvolvimento 

Há milhares de anos a humanidade já tinha como forças de dominação e controle o Estado e o político, assim como o sacerdote e a religião. Pobreza, miséria, fome, desempregados e desesperados sempre existiram na história da sociedade, já que os seres humanos têm origens diferentes e condições humanas diferentes. E como não se tem tudo de bom de forma igual para todos, aos miseráveis e necessitados – de alimentação, saúde, habitação, laser, renda, trabalho etc. - restava à religião procurar consolar, ou acomodar, aos mais carentes de tantas coisas humanas e vitais, já que nem o estado nem os mais afortunados, materialmente, queriam socializar uma parte daquilo que possuíam em abundância.

 Escrevendo em 1776 sobre os antigos romanos, Edward Gibbon declarou: “Os vários modos de adoração que prevaleceram no mundo romano foram todos considerados pelo povo como igualmente verdadeiros; pelo filósofo como igualmente falsos; e pelo magistrado como igualmente útil.[1]

 Uma das coisas que a humanidade fez a longo de sua história foi multiplicar sua espécie, sem, contudo, multiplicar os meios de subsistência para prover suas gerações, nas bases sociais, muito embora as riquezas dos ricos sejam ampliadas, contraditoriamente, pelos mais famintos, carentes e dependentes da política, da religião, dos comerciantes, dos empresários etc. Sem pudermos duvidar podemos afirmar que indigência ou pobreza é sinônimo de dependência. E a condição de constantes dependentes foi, e é, mantida durante séculos ou milênios pelas mais diversas religiões ocidentais, sobretudo as mais antigas do tronco do judaísmo.

O Império Romano viu a população crescer e com ela o crescimento da fome e da miséria dos plebeus, o povo. Povo aquele que não tinha acesso às riquezas produzidas para manter a opulência, o gasto e o conforto dos patrícios que promoviam toda forma de exploração e espoliação – semelhante, ou igual, aos dias das nações de hoje. Na condição de miseráveis a plebe aumentava suas gerações, as quais não possuíam chão, pão, instrução, habitação, lazer, restando-lhe a escravidão com a mais horríveis condições de sobrevivência. Nesta realidade de escassez da plebe e abundância dos patrícios, a religião é o instrumento que vai favorecer os donos do poder terreno, que eram os proprietários de terras, ouro, rebanhos, escravos; os sacerdotes, os escribas, os generais, os senadores, sobremaneira. Com uma força de contenção muito poderosa ela era capaz de imobilizar as multidões famintas e desesperadas.

E como algumas religiões foram suficientes para impedir que multidões, populações, aos milhões, se movimentassem para resistir a tanta exploração, opressão, injustiças e misérias? Que recursos elas usaram, e usam, para conter insatisfações, levantes e pelejas contra os senhores da opressão, como ocorre até o presente? Os sacerdotes e suas doutrinas usaram a persuasão, a oratória, a repetição do discurso, a ideia que vai se fortalecendo e se transformando em ideologia, que se transmitiu por incontáveis gerações, das mais diversas formas. A pintura, a literatura, a arquitetura, o teatro – no passado; o cinema, a música, as mídias – televisão, revistas, jornais – e outros meios, no presente, serviram para disseminar as formas de controle, persuasão e dominação da igreja.

E que método, discurso, ideia a religião usou – construindo assim falsas crenças – para estancar a mobilização de tantos falidos, famintos, flagelados, desde da antiga Roma? Usou-se o discurso e a ideia que preconiza que os seres humanos, com suas fortunas – os mais favorecidos – ou com seus infortúnios aceitassem tal situação, pois isto seria desígnio divino, o qual não podia ser modificado por esforços humanos. Mas será mesmo que isto é verdade? Que serventia teria para Deus a fome e a penúria dos romanos pobres do passado? Que servidão teria tanta pobreza, dor, desespero e sofrimento dos servos da Idade Média nos domínios divinos? Que utilidade teria, para o Soberano Ser, a indigência, a carência e escassez de quase tudo, dos esfaimados, dos açoitados e encurralados da Idade Moderna e dos nossos dias? Se todas as formas de flagelos, injustiças, agruras e desesperos humanos são vontades ou imposições divinas Deus não estaria promovendo mais o mal do que o bem para sua criação? Para que serve a miserabilidade de africanos, asiáticos, e americanos, sobretudo? Como se sabe, a maior parte da humanidade foi de pobres – ou empobrecidos por força da exploração social – e miseráveis necessitados de educação, moradia, saúde, trabalho, lazer, renda, enfim condições dignas de vida. Nesta lógica o deus que dizem que é fonte de amor, bondade, luz, proteção, bênção etc. estaria impondo mais misérias do que benevolências, mais dor do que prazer.

 Enfim, da concepção hegeliana Marx também conserva o conceito de alienação, tendo como referência as análises de Feuerbach sobre alienação religiosa. Para Feuerbach, a religião é a forma suprema de alienação humana, na medida em que ela é a projeção da essência humana num Ser superior, estranho e separado dos homens, um poder que os domina e governa porque não reconhecem que foi criado por eles próprios (CHAUI, 1994, p. 54-55).

 Uma outra ideologia implantada, há muitos tempos idos, é a que afirma que os homens aceitem sua condição como tal – os ricos suas riquezas e o miseráveis sua miséria – pois os injustiçados, esfomeados, enfermos, oprimidos, reprimidos, desempregados, sofredores enfim, deste mundo terá tudo de bom eternamente no paraíso. Prisioneiros destas ideais e falácias homens, mulheres, crianças, jovens, velhos – todos que puderem – deixaram de lutar, ao longo da História da humanidade, para transformar as suas vidas e suas histórias aqui neste mundo.  Não percebem aqueles que acreditam nos paraísos imaginados que todas a imagens e menções de supostos paraísos reveladas nos livros das religiões não passam de gravuras, desenhos, pinturas e fotografias de paisagens exuberantes ou encantadoras deste mundo mesmo que fazemos parte. Imagens de lagos, rios, florestas, flores, montanhas, praias, jardins...

Um notável filósofo alemão, Karl Marx, entre tantos outros, já deixara como noção e instrução o seguinte ensinamento: “O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, expressão de um sofrimento real e protesto contra um sofrimento real. Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião é o ópio do povo”.

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