Religião não é arma

O papel ou função da religião é libertar o homem de qualquer amarra que o prenda aos valores e conceitos puramente mundanos. Ela, como a sua própria etimologia sugere, religa o homem a Deus, dando-lhe uma referência, preenchendo-o, conduzindo-o a uma fonte infinita de amor e tantos outros valores e princípios  que, de certa forma, ultrapassam as condições e até mesmo a compreensão humana, e o plenifica a existência.  Quando digo “plenifica”, baseio-me  na ideia de que o homem é um ser faltoso e sedento de algo que não está nele ou no plano humano; algo que extrapola sua condição física e, também, intelectual, uma vez que há fatos e acontecimentos que nem a mais elevada ciência ou mente humana consegue dar uma explicação lógica.

  Esse Algo vem de uma força ou fonte superior e inesgotável que alimenta ou tem alimentado o homem ao longo de sua trajetória na terra. Uma fonte de onde o homem veio e para onde ele retornará, ao final de sua trajetória ou missão terrena. Essa fonte é a mesma para todos as pessoas, independente de raça, sexo, cor, religião, nacionalidade, classe social e tantos outros critérios que se utiliza  para segregar os seres humanos. Nessa fonte as diferenças são como pedras raras e preciosas que encantam a conquistam indistintamente todos aqueles que as contemplam; são como frutas que apesar de sua variação de forma, sabor, tamanho, coloração e espécie precisam das mesmas terra e água para nascerem; ou como rios que, independente de onde nasçam, sempre correm para o mesmo destino comum; em tese, seja pedra ou seja fruta ou seja rio, todos convergem, bebem  e precisam de uma mesma fonte para existirem.

Essa fonte, ou seja, Deus fez o homem a sua imagem e semelhança e iguais em essência. Quando em sua infinita sabedoria, Deus criou o homem, não o fez para que se matassem  por conta das diferenças locais, mas para que, consciente das adversidades e diversidades, fosse capaz de buscar e viver em harmonia, amor, respeito, liberdade, igualdade e fraternidade como seres irmãos e verdadeiros cidadãos. Então, cidadania não é um desejo ou ideia ou direito criado meramente pelo homem. Contudo, desde o princípio, fez parte do ideário divino, em outras palavras, é vontade de Deus, pois Nele todos somos iguais. Deus fez o homem com diferenças não somente para mostrar que, sendo Ele o autor da vida e Senhor da criação, criou seres diferentes em vários aspectos físicos, culturais e psicológicos, mesmo assim os ama igual e indistintamente, mas igualmente para revelar que, apesar de serem tantos e diversos, Ele conhece a cada um, ama-o de forma singular e o ver como um ser único e insubstituível.  O amor divino é tão grande por cada ser que, antes mesmo de ele nascer, Deus já o carrega no colo e,  para aqueles que não chegam à luz, Ele os conduz para junto de si em sua morada eterna. Com efeito, Deus não abandona a ninguém, mesmo aqueles que o homem não chega a conhecer fisicamente, Deus os tem no mais intimo de Seu Ser.

Apoiando-se nessa afirmação, fica bem claro, portanto, que, em Deus, todos são iguais e possuem um lugar já reservado. Condição que, para aqueles que pensam puro e simplesmente com os olhos humano, é inconcebível. Essa qualidade de Deus é algo amplamente, em teoria, conhecido por todos. Ainda que para o homem seja difícil de aceitá-la, está em Deus e é exatamente uma as características que faz de Deus,  Deus, e do homem, homem. Deste modo, é impossível fugir de Deus e não se apaixonar pelo seu projeto previamente preparado com tanto amor e zelo. Embora, às vezes, tudo pareça tenebroso e fora do controle, Deus está presente, Ele é senhor de tudo e de todos, estando sempre no controle e revelando que não acontecerá nada sem que Ele tenha conhecimento prévio, caso contrário, Ele não seria onisciente, onipresente e onipotente.   Isso, todavia, não quer dizer que Deus deseja ou quer o sofrimento humano, definitivamente não é isso. O sofrimento é algo que está na natureza humana e, além disso,  Deus dá ao homem o direito de escolha – livre arbítrio. Ele não quer o mal de seus filhos. O mal acontece quando o homem se afasta de Deus e decide viver somente  guiado pelos seus próprios valores egoísticos e, algumas vezes, terrenos.

 Por conta do imediatismo, concretismo e materialismo visional,  o ser humana, de modo geral, tende a supervalorizar o momento presente e as coisas presentes ou palpáveis, em outras palavras, o que está em seu enleio, e não dar muita atenção àquilo que ele não pode tocar ou que está distante tanto físico quanto intelectualmente falando.  Obviamente, ninguém pode negar a importância das coisas terrenas na vida humana. A terra é a casa do homem e sua realidade concreta, contudo é algo passageiro. Assim sendo, deve-se viver a vida presente sem perder a noção de que há algo mais além. Afinal de contas, Deus não fez o homem para que aqui ele vivesse eternamente, o reino Dele tem parte aqui, porém não é desse mundo. Com efeito, esse mundo faz parte do projeto divino, mas não é seu ponto final. Aqui é onde as diversas experiências imprescindíveis para a evolução espiritual, tão necessárias para se voltar como espíritos evoluídos a casa e aos braços do Pai, vão ser vividas.

O homem, assim, não pode ser visto como um ser puramente carnal. Ele é uma trilogia feita por matéria, alma e espírito: (1) Sendo matéria, precisa dos bens da terra para se alimentar, para se proteger, para saciar os seus desejos e sonhos, ou seja, precisa dos frutos e de tudo aquilo que Deus criou e pôs a sua disposição para que fosse não só utilizado, mas também, aprimorado. Em resumo, o que é matéria precisa da matéria para sua manutenção e sobrevivência. Pode-se dizer também, que isso deixa bem claro que Deus conta com o homem em seu projeto salvífico e, ao mesmo tempo, revela  que Deus não precisou do homem para criá-lo, mas precisa dele para salvá-lo. Criação é um projeto estritamente divino, no entanto, a salvação é um projeto divino e humano.    Sendo assim, o homem é muito importante nesse plano. Apesar de não sido concebido para viver eternamente nele, é aqui que Deus o coloca para que saiba que Ele é Deus, para lhe mostrar suas imagens, ainda que fragmentadas, de quão maravilhoso Ele é e, por extensão, tudo aquilo que Ele criou. Com certeza, Deus não amaldiçoa a terra, mas a santifica para que seus filhos, vendo sua força e suas maravilhas, santifiquem-NO  igualmente. (2) O homem é também alma que se anima com o sopro divino e se maravilha com as maravilhas de Deus. Por ser alma, então, tem consciência,  desejos, devaneios, medos, inteligências, dúvidas, receios,  sensações e vários outros instintos e dons que provêm dessa fonte inesgotável e maravilhosa que é Deus.  É a alma que vivifica o ser, fazendo-o diferente de todo e qualquer animal pertencente à criação, é ela que o individualiza e o torna diferente de seus pares. (3) Finalmente, o homem é ainda espírito, uma vez que cada ser humano possui dentro de si uma fagulha do Espírito Santo de Deus, ou seja, a Essência de Deus. A Essência que santifica a alma que anima a matéria, tornando-o Deus por extensão. Portanto, torna-se imperativo dizer que o mesmo Deus que habita um ocidental, está num oriental; num homem, numa mulher; num branco, num negro, num japonês e num índio; num católico,  num muçulmano, num budista, num judeu e num umbandista.

Enfim, Deus é o mesmo para todas as pessoas, ainda que digam o contrário. Aquele, então, que diz amar a Deus e odiar, ofender e ferir  seu semelhante, na verdade, não O ama, porém O odeia e O abomina. Aquele que chama Deus de Senhor e não O ver em seu semelhante é hipócrita e mentiroso. Aquele  que diz conhecer e servir a Deus, mas mata seu semelhante, fez um deus a sua imagem e semelhança – invertendo, assim,  a lógica da criação – criou um deus-fantoche que lhe serve nos seus mais lascivos desejos e desprezíveis princípios. Portanto, não conhece e não serve ao verdadeiro e único Deus. Quem assim procede não apenas faz da religião uma arma ideológica, discriminatória, violenta, segregacionista, para trabalhar e atender os seus mais baixos e abomináveis desejos e princípios, mas também revela que não entendeu o que é ser pessoa-humana, feita a imagem e semelhança do Deus Vivo. E aquele que não consegue entender, respeitar, conviver, dialogar, fraternizar e amar o seu igual, que ele pode ver e tocar e abraçar e beijar e sentir e, outra vez, amar, como conseguirá amar a Deus?