INSTITUTO LUTERANO DE ENSINO SUPERIOR DE ITUMBIARA – GO

CURSO DE PSICOLOGIA 

MÁRCIO HONORATO DE SOUSA FILHO 

RELATÓRIO DE ATIVIDADES

 

Itumbiara

2016

MÁRCIO HONORATO DE SOUSA FILHO

RELATÓRIO DE ATIVIDADES


Relatório de atividades apresentado ao curso de Graduação em Psicologia do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, Goiás – ILES/ULBRA, como requisito parcial para aprovação na disciplina Estágio Básico II. 

Orientador: Prof. Espec. Sr. Wellington Luiz Bessa.

 

 

Itumbiara

2016


  1. APRESENTAÇÃO

 

O Estágio Básico II, com foco em saúde mental, possui o enfoque de informação sobre o contexto da psiquiatria em nosso país e a luta antimanicomial e a busca pela reforma psiquiátrica, fazendo com que o estagiário possa atuar como profissional e entre em contato o ambiente do Centro de Assistência Psicossocial (CAPS), informando suas definições, método de trabalho e através do estudo de campo, vivenciá-los em sua realidade.

É de suma importância para um estudante de psicologia que estuda a saúde mental, que ele entre em contato com o ambiente de um CAPS para que consiga visualizar na prática o que é estudado em sala de aula e na literatura. É uma experiência transformadora, que nos faz repensar e refletir sobre essas temáticas da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica. Ainda vale ressaltar que o estágio é um grande facilitador para que o estudante de psicologia entre em contato diretamente com o paciente.

 


  1. INTRODUÇÃO

 

Nos últimos vinte anos aconteceu uma grande movimentação na área da saúde mental, originários de debates e efetivas transformações nessa área, principalmente no Brasil. Hoje o movimento da Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial tem um forte impulso para a busca de uma melhor utilização do nosso sistema de saúde, o acompanhamento, elaboração e contribuição instrumental são alguns dos principais instrumentos para essa mudança positiva em busca da saúde coletiva.

 

  1. A Luta Antimanicomial

 

A partir da década de 80, ocorreram vários encontros, de preparação para a I Conferência Nacional de Saúde Mental (I CNSM), que ocorreu em 1987 e recomenda a priorização de investimentos nos serviços extra-hospitalares e multiprofissionais como oposição à tendência hospitalocêntrica.

No final de 1987 realiza-se o II Congresso Nacional do MSTM em Bauru, no qual se concretiza o Movimento de Luta Antimanicomial e é construído o lema ‘por uma sociedade sem manicômios’. Nesse congresso amplia-se o sentido político-conceitual acerca do antimanicomial.

“Enfim, a nova etapa (...) consolidada no Congresso de Bauru, repercutiu em muitos âmbitos: no modelo assistencial, na ação cultural e na ação jurídico-política. No âmbito do modelo assistencial, esta trajetória é marcada pelo surgimento de novas modalidades de atenção, que passaram a representar uma alternativa real ao modelo psiquiátrico tradicional...” (Amarante, 1995:82).

 

Nesse paradigma é construído o Projeto de Lei 3.657/89, conhecido como Lei Paulo Delgado, que contém três pontos: detém a oferta de leitos manicomiais financiados com dinheiro público, redireciona os investimentos para outros dispositivos assistenciais não manicomiais e torna obrigatória a comunicação oficial de internações feitas contra a vontade do paciente oferecendo: “(...) pela primeira vez um instrumento legal de defesa dos direitos civis dos pacientes”.(Bezerra, 1992: 36).

Já em 1990, a conferência ‘Reestruturación de la Atención Psiquiátrica en la Región’, promovida pelas Organizações Panamericana e Mundial de Saúde (OPS/OMS), Caracas, proclama a necessidade premente de reestruturação imediata da assistência psiquiátrica pela adequação das legislações dos países de forma que “(...) assegurem o respeito dos direitos humanos e civis dos pacientes mentais e promovam a reorganização dos serviços que garantam o seu cumprimento”. (CRP, 1997: 26). Essa conferência tem como ponto principal demarcar a crescente tendência internacional de superação dos velhos modelos de psiquiatria e reforma psiquiátrica. O Brasil é signatário dessa Conferência, comprometendo-se com seus objetivos.

Não somente a Conferência de Caracas, mas outro documento político adotado pela Organização das Nações Unidas: “Princípios para a proteção de pessoas com problemas mentais e para a melhoria das Assistências à Saúde Mental”, que visa assegurar os direitos da pessoa portadora de sofrimento mental, tratando-a, dessa forma, como cidadã.

 

  1. Reforma Psiquiátrica

 

Visando a assistência, a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992 do Ministério da Saúde estabelece as diretrizes para o atendimento nos serviços de saúde mental, normatizando vários serviços substitutivos como: atendimento ambulatorial com serviços de saúde mental (unidade básica, centro de saúde e ambulatório), Centros e Núcleos de atenção psicossocial (CAPS/NAPS), Hospital-Dia (HD), Serviço de urgência psiquiátrica em hospital-geral, leito psiquiátrico em hospital-geral, além de definir padrões mínimos para o atendimento nos hospitais psiquiátricos, até que sejam totalmente superados.

A Portaria nº 106, de 11 de fevereiro de 2000(3), cria os Serviços Residenciais Terapêuticos em saúde mental para pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos.

Além desses serviços, existem os Centros de Convivência, as Cooperativas de Trabalho, dentre e outros criados por municípios. Assim como os outros tipos de serviços substitutivos, eles “... têm garantido a população dos municípios onde se localizam um atendimento mais humano, sem exclusão e com resolubilidade”. (CRP, 1997: 4).

O contexto de Reforma Psiquiátrica pretende construir um novo estatuto social para o doente mental, que lhe garanta cidadania, o respeito a seus direitos e sua individualidade. Pretende modificar o sistema de tratamento clínico da doença mental, eliminando gradualmente a internação como forma de exclusão social. Este modelo seria substituído por uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial, visando à integração da pessoa que sofre de transtornos mentais à comunidade.

 

 

  1. CAPS

 

Os CAPS configuram-se como serviços comunitários ambulatoriais e regionalizados nos quais os pacientes deverão receber consultas médicas, atendimentos terapêuticos individuais ou grupais, podendo participar de ateliês abertos, de atividades lúdicas e recreativas promovidas pelos profissionais do serviço, de maneira mais ou menos intensiva e articulada em torno de um projeto terapêutico individualizado, voltado para o tratamento e reabilitação psicossocial, devendo também haver iniciativas extensivas aos familiares. (ONOCKO-CAMPOS; FURTADO, 2006)
 

  1. Metodologia

 

O método Cartográfico foi o utilizado para a realização dessa pesquisa. Esse tipo de pesquisa segundo Gilles Deleuze e Felix Guattari (1995) apud Vigínia Kastrup (2009): “visa acompanhar um processo, e não representar um objetivo. Em linhas gerais, trata-se sempre de investigar um processo de produção. A ideia de desenvolver o método cartográfico para utilização em pesquisas de campo no estudo da subjetividade se afasta do objetivo de definir um conjunto de regras abstratas para serem aplicadas. Não se busca estabelecer um caminho linear para atingir um fim.”

O trabalho do cartógrafo se inicia sempre quando ele está em campo. A pesquisa de campo se consiste em habitar um local que inicialmente ele não habita. O pesquisador mantém-se no campo em contato direto com as pessoas e seu território existencial, segundo Laura Pozzana de Barros e Virgínia Kastrup (2009)

 

  1. DISCUSSÃO

 

Os CAPS possuem equipe multiprofissional - composta por psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, técnicos administrativos, etc. - e oferecem diversas atividades terapêuticas: psicoterapia individual ou grupal, oficinas terapêuticas, acompanhamento psiquiátrico, visitas domiciliares, atividades de orientação e inclusão das famílias e atividades comunitárias. De acordo com o projeto terapêutico de cada usuário, estes podem passar o dia todo na Unidade, parte do dia ou vir apenas para alguma consulta. Comparecendo todos os dias estarão em regime intensivo, alguns dias da semana em regime semi-intensivo e alguns dias no mês em não-intensivo. As necessidades de cada usuário e os projetos terapêuticos, compreendendo as modalidades de atendimento citadas e os tempos de permanência no serviço, são decididas pela equipe, em contato com as famílias também, e igualmente as mudanças neste projeto segundo as evoluções de cada usuário.

Como serviços de saúde mental, atendem pessoas com transtornos mentais severos e persistentes, como psicoses e neuroses graves, buscando amenizar e tratar as crises para que estas pessoas possam recuperar sua autonomia e se reinserir nas atividades cotidianas. Por possibilitar que seus usuários voltem para casa todos os dias, os CAPS evitam a quebra nos laços familiares e sociais, fator muito comum em internações de longa duração.

Os CAPS trabalham bastante articulados com a rede de serviços da região, pois têm a função de dar suporte e supervisão à rede básica também, além de envolver-se em ações Inter setoriais - com a educação, trabalho, esporte, cultura, lazer, etc. - na busca de reinserção dos seus membros em todas as áreas da vida cotidiana.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante do exposto e do que foi observado durante o momento de estágio na instituição do CAPS, pôde-se notar a evidente necessidade e a função social desempenhada pelo profissional de psicologia inserido no contexto de saúde mental.

A proposta da instituição é acolher o usuário com transtornos mentais, e estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca de autonomia, oferecer-lhes atendimento merecido e psicológico, constituindo-se como instrumento estratégico de Reforma Psiquiatra.

Considerando o exposto podemos dizer que o CAPS configura-se como um novo modelo de atendimento à população de sua área de abrangência, realizando acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

Isso se deve ao trabalho conjunto da equipe interdisciplinar onde o Psicólogo também se encontra incluído junto com outros saberes vem proporcionando melhorias de vida para os usuários, sendo assim a atuação deste profissional tem sido muito importante principalmente no que se refere ao desenvolvimento de atividades com os usuários, familiares e equipe.

Enfim, fica claro ainda a necessidade, de desenvolver novos trabalhos e novas observações tanto na instituição observada, como em outras, a fim de que se possam fazer comparações entre elas e possibilite um aprofundamento maior nessa possibilidade de atuação do psicólogo na área de saúde mental.

  

 

BIBLIOGRAFIA

 

AMARANTE, P. D. de C., 1994. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro, FIOCRUZ.

 

 

AROUCA, S., 1988. A Reforma Sanitária Brasileira. Radis, FIOCRUZ, Tema 11, ano VI, novembro.

 

 

Legislação em Saúde Mental: 1990 - 2004 / Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Secretaria de Atenção à Saúde - 5. ed. ampl. - Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

 

 

ONOCKO-CAMPOS, Rosana Teresa; FURTADO, Juarez Pereira. Entre a saúde coletiva e a saúde mental: um instrumental metodológico para avaliação da rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Sistema Único de Saúde. Cad. Saúde Pública vol.22 n°5. Rio de Janeiro. 2005

 

 

TENÓRIO, F. (2002). A reforma psiquiátrica brasileira da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. História, ciências e saúde – Manguinhos, 9, 25 -59.

 


ANEXO

 

ANEXO I – Diário de Campo

 

VISITA I -  04/05

Visitei o CAPS pela primeira vez, onde fui apresentado ao ambiente de maneira bem rápida e sucinta. Procurei algum paciente que não esteja ocupado para puxar algum tipo de conversa e dar início, de fato, ao meu estágio. Logo encontrei um paciente que estava sentado no sofá do pátio e puxei algum assunto qualquer. Para a minha sorte, o sujeito falava muito e não parou de falar até que desse o horário de sua oficina.

No início do diálogo ele me contou de sua grande vontade de assistir o show do Latino, um dos seus artistas preferidos, e até cantou um trecho da música "Oh baby, me leva" do cantor. Seguindo a conversa, o paciente me disse que viu o cantor em um comercial na televisão enquanto assistia novela. Ele é um grande noveleiro. Questionei-o sobre quais novelas ele conhecia e ele me surpreendeu com a quantidade que lembrou, eram tantas que acabei entrando na onda e o ajudei a lembrar de mais novelas e assim foi até o horário da oficina.

A oficina do dia teve como temática o dia das mães onde todos deviam fazer algum trabalho artístico a essa temática para que seja exposto no mural. Durante a oficina, alguns pacientes escreveram mensagens em forma de poema ou texto, outros fizeram desenhos que ilustrassem seu sentimento. O paciente no qual eu havia conversado quando cheguei escreveu na sua folha a palavra "finados", evidenciando que sua mãe já havia morrido. A terapeuta que realizou a oficina não concordou com essa atitude e pediu para que ele fizesse outra coisa, então sugeri que ele fizesse um desenho, porém a terapeuta insistiu para que ele fizesse a cópia de um texto que falava sobre as mães que estava disponível para os pacientes na oficina. Este paciente questionou que isto é errado porque ele não foi o autor do texto, portanto seria uma cópia. A terapeuta negou que seria uma cópia e me pediu para que concordasse com ela a fim de convencê-lo, porém eu concordei com o paciente e depois disso ele realizou a cópia do texto.

Terminando a oficina, deu o horário do lanche no qual eles se reúnem no refeitório para fazer uma oração prévia e, em seguida, tomar o lanche. Após o lanche acontece o aguardado horário de fumar cigarro, que havia sido mencionado durante as supervisões de que é um momento importantíssimo para estabelecer contato com os pacientes. Minhas colegas e eu, fomos acompanhar este momento em que eles vão até o quintal para fumar, na teoria, um cigarro. Eles realmente ficam mais receptivos neste momento, porém não consegui aprofundar em nenhum assunto com algum paciente fumante do dia. O curioso é que havia um paciente no qual o perguntei se ele fumava com frequência e ele, escondendo o cigarro, me respondeu dizendo que não fumava. Após o horário de fumar, subimos para o pátio novamente, troquei algumas ideias rápidas com alguns pacientes e logo em seguida deu meu horário de ir embora.

 

VISITA II - 11/05

No segundo dia de visita ao CAPS, me senti um pouco mais à vontade no ambiente e mais aberto a novas conversas. Percebi que havia um violão deixado de lado em cima da mesa, peguei e comecei a tocar algumas músicas para ver se alguém se aproximava. Timidamente eu via alguns pacientes me olhando e cantando junto. Foi então que se aproximou um paciente que sabia tocar violão e que tinha como principal gosto musical o rock. Ele então me perguntou se eu gostava da banda Legião Urbana e eu, obviamente, respondi que sim. Ele me perguntou se eu sabia tocar uma música chamada "Daniel na cova dos leões", porém eu esta eu não sabia, ele então rindo me disse "então você não conhece Legião Urbana" e neste momento eu, rindo também, tive que concordar com ele. Neste momento eu comecei a tocar "Pais e filhos", uma música conhecidíssima da banda Legião Urbana, e o paciente se animou e cantou comigo repetidas vezes. Sempre que a música terminava ele pedia para que repetir e eu entrei na onda do paciente cantando junto até que se desse a hora da oficina do dia.

A oficina que participei neste dia foi uma espécie de ginástica passada pela profissional de fisioterapia, na qual foram organizadas várias cadeiras em círculo para que todos se sentassem. A profissional começou o trabalho com eles ainda sentados com um alongamento. Após a série de alongamentos, a fisioterapeuta passou alguns exercícios onde cada um fazia uma vez seguindo a roda. Alguns tiveram certas dificuldades para realizar os exercícios, mas não deixaram de participar.  Quando todos haviam feito todos os exercícios, a profissional colocou um balde no centro da roda e pegou 10 bolinhas, onde cada um teria dez chances de acertar as bolinhas no balde. Ao final quando todos participaram, eu também participei.

Ao fim da oficina, os pacientes foram para o refeitório tomar o lanche da tarde. Desta vez eu participei da oração e ajudei a servir o lanche. Não demorou muito, terminaram de lanchar e foram fumar, e onde conheci outro paciente. O paciente possui a dicção um pouco debilitada, que dificulta um pouco na comunicação, porém consegui estabelecer um contato com ele. Tivemos uma conversa breve um pouco pausada, mas fiquei o tempo todo ao lado dele disposto a ouvir quando ele quisesse dizer algo até que desse a hora de ir embora.

 

VISITA III - 18/05

No terceiro dia de visita, cheguei ao CAPS em cima da hora e fui direto para o pátio buscar algum contato com algum paciente. Sentei ao redor de uma mesa onde estavam sentados alguns senhores com um pouco mais de idade aparentemente dependentes químicos. Puxei alguns assuntos rápidos, quando o paciente que gosta de rock com um violão me chamar para tocarmos e cantarmos algumas músicas. Ele me pediu para que eu tocasse “Pais e Filhos” da banda Legião Urbana e cantamos a música duas vezes. Quando terminamos de cantar, ele me pediu para que eu o ensinasse a tocar a música, ele já sabe tocar violão e já tocou guitarra. Entreguei o violão a ele e fui falando as notas enquanto ele tocava e cantava. Ele tem dificuldades para memorizar as notas, talvez devido aos remédios, então vou falando as notas enquanto ele toca. De vez em quando deixo ele tocar sozinho sem que eu fale e daí cantamos juntos, mas logo ele esquecia e eu continuava a indicar as notas.

Neste dia, em vez de realizar oficina, as terapeutas iniciaram os ensaios de um teatro com a temática do dia dos pais que eles vão apresentar no mês de agosto. No primeiro ensaio, elas só apresentaram o texto do teatro e decidiram quem pegariam os papéis principais. A terapeuta pediu minha ajuda para que lesse o texto com ela fazendo a interpretação, a fim de apresentá-los às falas dos personagens. As profissionais fizeram alguns testes com alguns pacientes em diferentes papéis, até para que todos façam parte e entendam o andamento da peça de teatro.

Os pacientes que estavam no teatro atrasaram poucos minutos para o lanche, mas deu tempo de chegarem para o momento da oração que antecede o lanche. Participei da oração e da entrega dos lanches para os pacientes. Acompanhei-os para a área de fumar, onde fiquei ao lado dos pacientes disposto a ouvir. Consegui alguma conversa aqui, outra ali, mas sem maior contato. Então veio até mim, novamente, o paciente que adora a banda Legião Urbana para darmos continuidade a nossa “aula de música”. Continuamos a tocar e cantar a música “Pais e Filhos” até dar a hora de eu ir embora.

 

Dia 04: 25/05

No quarto dia de estágio, cheguei ao CAPS para dar continuidade ao estágio e sentei ao redor de mesa no pátio com os mesmos senhores que estavam sentados na última semana que visitei. Puxei conversa com um dos senhores e conversamos sobre diversos assuntos. Ele me contou que é ele quem cuida da horta do CAPS/CISME, pois ele já foi dono de uma grande horta em parceria com seu irmão. Ele me contou da sua rotina onde ele trabalhava a noite e dormia durante o dia, revezando com seu irmão para cuidar das hortaliças. O paciente me contou também algumas curiosidades sobre hortas que ele havia experienciado durante o momento em trabalhou na horta. Durante nossa conversa, uma das profissionais do CAPS trouxe para ele uma certa quantidade de esterco dentro de uma sacola, ele agradeceu e quando a profissional se retirou, ele sorrindo me disse que ela trouxe o esterco errado e que a quantidade não daria para ele plantar as alfaces que pretendia.

As terapeutas não haviam preparado oficinas para o dia, então improvisaram algumas atividades ali no momento. Dividiram um grupo que foi para uma sala fazer desenhos e palavras-cruzadas, e outro grupo que realizou uma brincadeira de acertar ao alvo com algumas bolinhas no qual quem acertasse mais bolinhas corretamente no alvo, ganharia algumas balinhas. No fim todos que participaram deste jogo de tiro ao alvo ganhou balinhas. Durante a brincadeira, pude perceber a forma com que alguns pacientes lidaram com o jogo. Alguns pacientes dependentes químicos que no começo não queriam participar, ou achavam a brincadeira um tanto quanto infantil, no final foram os que mais se empolgaram em ganhar.

Pouco antes de terminar as atividades, os pacientes foram para o refeitório aguardar a oração e posteriormente o lanche. Após o lanche, em vez de seguir com a maioria dos pacientes para a área onde eles fumam, eu fiquei no pátio e me sentei ao lado de um paciente. Ao cumprimentá-lo, logo percebi que ele estava querendo conversar com alguém para se distrair um pouco. Ele me contou que era alcoólatra, porém não bebe há algum tempo e que ia a uma igreja evangélica tradicional bem rígida. Nesta igreja, segundo o paciente, as mulheres sentavam nos bancos de um lado e os homens do outro, ou seja, não se misturavam dentro do templo. Ele também me contou que as mulheres da igreja não podem usar roupas curtas ou calças e os homens só deviam usar roupas sociais. O paciente me disse que ele não seguia à risca a tudo que a igreja impunha, mas que continuava a seguir porque se sentia acolhido pelos integrantes e também porque, segundo ele, a igreja o ajuda na recuperação da sua dependência.

 

Dia 05: 01/06

Cheguei ao CAPS para o quinto dia de estágio. Entrei no pátio e me sentei em um dos sofás onde ficam os pacientes. O paciente que eu tinha ensinado a tocar “Pais e Filhos” no violão sentou perto de mim com o violão e pediu para que eu tocasse outra música da banda Legião Urbana além de “Pais e Filhos”, então toquei uma música chamada “Há Tempos”. O paciente se empolgou da mesma forma que a primeira vez que toquei a música “Pais e Filhos” para ele. Cantamos “Há Tempos” repetidas vezes até que ele me pediu para que eu o ensinasse a tocar a música. O ensinei da mesma forma que fiz com a outra música. Eu ia falando as notas enquanto ele tocava e cantava. Fiquei ensinando ele até dar o horário da oficina.

No momento da oficina, os profissionais do CAPS reuniram todos os pacientes sentados em roda em cadeiras para informar sobre o falecimento de um paciente dependente químico que havia ocorrido no último fim de semana. Foi então que começaram uma espécie de terapia de grupo, onde a psicóloga deu a oportunidade para que quem quisesse falar alguma coisa, expor alguma opinião, ou dar algum testemunho sobre este falecimento, aquele era o momento. Alguns pacientes dependentes químicos falaram sobre a importância de seguir corretamente as recomendações dos profissionais do CAPS para que eles não tenham o mesmo fim. Enquanto falavam, alguns pacientes psicóticos ficavam conversando de lado.

Ao final do momento, foram todos para o refeitório para que se fizesse a oração e tomassem o lanche da tarde como comumente fazem sempre.

 

Dia 6: 09/06

No penúltimo dia de estágio, cheguei ao CAPS e fui direto para o pátio buscar contato com algum paciente. Havia um paciente sozinho no quintal onde eles geralmente fumam, fui até ele levando o violão. O paciente possui alguns problemas de dicção e não costuma estabelecer contato facilmente com outras pessoas. Perguntei a ele seu gosto musical e ele não me respondeu. Insisti perguntando novamente, ele hesitou, me olhou e me disse, com um sorriso no rosto, que gostava de Fábio Júnior. Eu não conhecia muitas músicas do cantor, mas improvisei no violão algumas que eu sabia tocar. No momento em que comecei a tocar e cantar, percebi a mudança no semblante do paciente que começou a cantar junto comigo em voz alta e já sem problemas grandes problemas para pronunciar as palavras da música corretamente. Daí em diante o paciente mesmo puxava as músicas sozinho e eu iria acompanhando no violão. Ele repetia a mesma música, várias vezes.

A oficina neste dia foi uma espécie de exercícios misturados a expressões corporais e cenas de teatros. As profissionais reuniram os pacientes sentados nas cadeiras em círculo e a fisioterapeuta passou alguns exercícios de alongamento. Após os alongamentos, a terapeuta tentou criar uma cena de teatro simulando uma entrevista de emprego no qual ela foi a chefe e chamava um por um para convencê-la a contratá-los. Os pacientes entraram na brincadeira, porém nem todos participaram, então ela mudou a cena fazendo com que finjam que estão falando no telefone e formem um diálogo qualquer. Nessa cena os pacientes psicóticos conseguiram desenvolver bons diálogos.

Por conta da oficina teatral, o lanche atrasou em alguns minutos. Aos poucos, os pacientes foram guardando suas cadeiras e se encaminhando para o refeitório, onde fizeram a oração de costume e tomaram o lanche da tarde. No horário de fumar, acompanhei o paciente que estava cantando comigo, que era fumante, porém desta vez ele preferiu continuar cantando do que fumar. Desta vez, comecei a tocar a música "Maluco Beleza" do cantor Raul Seixas e ele novamente se animou bastante e cantou repetidas vezes sem parar. Um pouco antes de eu ir embora, falei para que teria que sair, ele sorriu e me cumprimentou se despedindo.

 

Dia 7:

 

No meu último dia de estágio no CAPS, me propus a ficar um pouco mais aberto do que nos outros dias, tentando conversar com pacientes que ainda não tive a oportunidade de ter contato. Neste dia conheci uma paciente diagnosticada com esquizofrenia e que já frequentava o CAPS há alguns anos. Sentamos para conversar e ela me contou algumas passagens da sua história de vida. Contou que frequentava o CAPS desde os 18 anos de idade, mesma época que terminou com o namorado que segundo ela, a trocou por outra menina. Por algumas vezes durante a conversa, ela relembrava de uma vez que apanhou na infância, porém ora ela diz que apanhou do pai, ora ela diz que apanhou de policiais saindo da escola. Ela me contou de algumas vezes que foi internada na ala psiquiátrica do Hospital Municipal, e que chegou a agredir fisicamente uma enfermeira porque, segundo ela, não gosta que encostem a mão nela. As histórias que a paciente contava não haviam sequência cronológica e nem pode-se dizer que realmente eram totalmente verdadeiras, mas foi de grande relevância estabelecer este contato.

A oficina do dia foi ministrada por nós, estagiários, em conjunto com algumas terapeutas e que consistiu em pintar algumas camisetas com tintas usando as mãos. Levamos as tintas e as terapeutas as camisetas. Estendemos as camisetas e colocamos as tintas à disposição dos pacientes para que possam iniciar o trabalho. De início alguns pacientes não queriam se sujar, mas aos poucos foram vendo os outros colocando as mãos nas tintas e também foram começando. Por fim, todos entraram na brincadeira, apenas um paciente ficou de fora. Enquanto meus colegas auxiliavam no andamento da prática, eu observava os pacientes individualmente e tentava fazer com que o paciente que estava de fora, também participasse. Quando a maioria dos pacientes havia terminado e foram se encaminhando para lavarem suas mãos, consegui fazer com que o paciente que havia se recusado a participar, também pintasse sua camiseta e em pouco tempo ele já havia terminado de pintar completamente sua camiseta.

Após o término da oficina, foram todos se preparar para o lanche da tarde, que desta vez não participei, pois fiquei auxiliando na limpeza e organização da sala após a oficina realizada no local. Ao término do momento em que os pacientes fumam, fui para o pátio tocar violão a fim de estabelecer algum último contato. O paciente roqueiro me abordou e me pediu para que o ensinasse mais uma música, desta vez ensinei outra música da banda Legião Urbana, chamada "Ainda É Cedo". Tocamos e cantamos a música repetidas vezes até que desse hora de eu ir embora para, de fato, finalizar meu estágio supervisionado dentro do CAPS/CISME de Itumbiara.