universidade estadual de maringá

Pós-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA AFRICA E CULTURA aFRO-

BRASILEIRA

 

 

           

 

 

 

aDILSON mARINHO

 

 

 

 

 

 

 

RelaçÕes Raciais
Personagens negros e brancos na literatura infanto-juvenil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

mARINGÁ – pARANÁ

2011

aDILSON mARINHO

 

 

 

 

RelaçÕes Raciais
Personagens negros e brancos na literatura infanto-juvenil

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão do Curso de especialização em história da África e cultura Afro-Brasileira, apresentado à Universidade Estadual de Maringá, como requisito para obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA.

Orientador: Prof. Leandro Brunelo

 

 

 

 

 

 

 

mARINGÁ – pARANÁ

2011

 

aDILSON mARINHO

 

 

 

 

RelaçÕes Raciais
Personagens negros e brancos na literatura infanto-juvenil

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão do Curso de especialização em história da África e cultura Afro-Brasileira, apresentado à Universidade Estadual de Maringá, como requisito para obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA.

 

 

 

COMISSÃO EXAMINADORA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maringá, ____ de ____________ de 2011

 

 

Resumo. O objetivo desse trabalho é analisar algumas obras da literatura infanto-juvenil e livros didáticos brasileiros procurando observar se existem discursos que discriminam negros e promovem brancos, estabelecendo hierarquia entre os grupos raciais. Também responder a questão, Como podemos observar e ensinar aos nossos alunos a analisar criticamente tais formas de discriminação?

Para responder a essa questão, iniciarei com um breve relato da história do racismo e preconceito racial, iniciada na era vitoriana. Teorias raciais criadas por eminentes pensadores do século XVIII e XIX e sua influência nas produções raciais no Brasil. A motivação deste trabalho se deu ao ler pesquisas sobre o tema do preconceito racial. Pesquisas feitas pelos sociólogos sociais Moreira leite, em 1950, e Brazzanella, em 1957, que apontaram que o racismo explícito em obras de ficção ou em livros didáticos era raro. A hierarquia entre brancos/as e negros/as se apresentava em formas implícitas, particularmente pela correlação dos últimos com posições de desvalorização social, No entanto, a avaliação dos livros didáticos pelo MEC continua a buscar expressões explícitas. Por isso o papel dos sistemas de ensino, das escolas, dos cursos de formação de professores, dos professores e alunos é importante para difundir a capacidade de análise crítica de textos e ilustrações de literatura infanto-juvenil e de livros didáticos que estabelecem formas diversas de hierarquias entre brancos e outros grupos raciais.

Palavras Chave: Racismo, escravidão, infanto-juvenil, estereótipo, protótipo.

Abstract. The aim of this study is to analyze some works of children's literature and textbooks Brazilians looking to see if there are discourses that discriminate against blacks and whites promoting, establishing a hierarchy among the racial groups. Also answer the question, How can we observe and teach our students to critically analyze these forms of discrimination?

To answer this question, I will begin with a brief account of the history of racism and racial prejudice, which began in the Victorian era. Racial theories created by eminent thinkers of the eighteenth and nineteenth century and its influence on crop race in Brazil. The motivation for this work was given to read research on the topic of racial prejudice. Research conducted by sociologists social Moreira Leite in 1950, and Brazzanella in 1957, which showed that the explicit racism in fiction or in textbooks was rare. The hierarchy between white / black and the / appeared in the implicit forms, particularly the correlation with the past positions of social devaluation, however, the evaluation of textbooks by the MEC continues to seek explicit expressions. Therefore the role of education systems, schools, teacher training courses, teachers and students is important to spread the capacity for critical analysis of texts and illustrations of children's literature and textbooks that provide various forms of hierarchies between whites and other racial groups.

Keywords: Racism, slavery, children and youth, stereotype, prototype.

Resumen. El objetivo de este estudio es analizar algunas de las obras de la literatura infantil y libros de texto brasileños buscando para ver si hay discursos que discriminan a los negros y los blancos la promoción, establecer una jerarquía entre los grupos raciales. También responder a la pregunta, ¿Cómo podemos observar y enseñar a nuestros alumnos a analizar críticamente estas formas de discriminación?
Para responder a esta pregunta, voy a comenzar con una breve reseña de la historia del racismo y los prejuicios raciales, que comenzó en la época victoriana. Las teorías raciales creados por eminentes pensadores del siglo XVIII y XIX y su influencia en la raza de los cultivos en Brasil. La motivación de este trabajo fue dado a leer investigaciones sobre el tema de los prejuicios raciales. Las investigaciones realizadas por sociólogos sociales Moreira leite en 1950, y Brazzanella en 1957, lo que demuestra que el racismo explícito de la ficción o en los libros de texto eran raros. La jerarquía entre blanco  y negro  aparecieron en las formas implícitas, en particular, la correlación con las posiciones anteriores a la devaluación social, sin embargo, la evaluación de los libros de texto por el MEC sigue buscando expresiones explícitas. Por lo tanto el papel de los sistemas educativos, escuelas, cursos de capacitación para maestros, profesores y estudiantes es importante para difundir la capacidad de análisis crítico de los textos y las ilustraciones de la literatura infantil y libros de texto que ofrecen diversas formas de jerarquías entre los blancos y otros grupos raciales.

Palabras clave: el racismo, la esclavitud, los niños y jóvenes, el estereotipo, el prototipo.

 

Introdução

Durante todos os milênios da existência humana, os indivíduos de um grupo privilegiado e considerado o correto, por ser o mais forte, mais desenvolvido, mais apto, levou vantagens sobre os demais membros da espécie, utilizando para a dominação os mais variados métodos, tanto o uso da força quanto da razão para provar, afirmar e reafirmar sua superioridade.

   Ligado a essa atitude de domínio e desvalorização do diferente considerado inapto e, portanto, passível de ser explorado vem a ideia de escravidão que conhecemos, ou seja, a escravidão por raça, principalmente no Brasil com a escravização dos povos indígenas pelo elemento lusitano que trouxe uma nova relação entre os vencedores e vencidos nas lutas dos povos do novo mundo, que antes da chegada dos europeus era a do ritual antropofágico ou da total incorporação do indivíduo pela cultura do vencedor, agora incentivados pelos europeus eles vendem os cativos, no entanto, esses escravos não se entregavam facilmente o que levou os conquistadores a buscarem os índios já docilizados pelos jesuítas que tentavam protegê-los

Contudo, a proteção missionária nem sempre se mostrou capaz de evitar o assalto dos escravizadores. Predadores profissionais de índios, que exploravam em suas fazendas ou colocavam à venda, os bandeirantes paulistas, comandados por Raposo Tavares, atacaram e destruíram as reduções de Guairá, matando numerosos indígenas já aculturados e trazendo centenas deles como prisioneiros a São Paulo. (GORENDER, 2001, p.26)

Devido à dificuldade de manter a escravidão indígena os portugueses se voltaram para afro-descendentes, no entanto, não é apenas com o conceito atual de escravidão por raça que ela surge.

Já na Grécia antiga, havia os prisioneiros de guerra que se tornavam escravos e faziam os trabalhos manuais para que os “homens” atenienses, proprietários das terras e dos conhecimentos, pudessem ser livres e iguais e assim tivessem condições para efetivarem a produção da Cidadania Grega. No entanto, essa escravidão permanece oculta; não chega a tornar-se um objeto de análise nem uma questão política, pois como dizia Aristóteles - é uma condição natural. Assim sendo podemos concluir, para que uma classe pudesse exercitar a razão e o pensamento, outra tinha que fazer o trabalho manual numa condição de servidão, ficando alienada muitas vezes à sua condição. Como afirma (PENA, 2008)

È certo que havia escravidão na Grécia, em Roma, no mundo Árabe e em outras regiões. Mas os escravos eram geralmente prisioneiros de guerra e não havia de maneira alguma a ideia de que eles fossem “naturalmente” inferiores aos seus senhores. [...] se o resultado da guerra tivesse sido outro, os papéis de senhor e escravo estariam invertidos.

Já entre o povo Judeu, encontramos os escravos por dívida, essa escravidão, no entanto, era provisória uma vez que após sete anos, as pessoas deveriam ser colocadas em liberdade, para se evitar a exploração desenfreada. Na prática nem sempre isso ocorria, uma vez que esses escravos e ou sua divida poderiam ser negociados passando o servo para novo senhor.

A humanidade sempre se utilizou de vários subterfúgios para defender a ideia da dominação de determinado grupo sobre outro, como teorias evolucionistas que manipuladas defendem uma visão preconceituosa  contra  outros  grupos  humanos. Um exemplo podemos encontrar no filme A Missão[1], no qual exploradores portugueses comparam os povos indígenas à animais sem alma e por isso passíveis de dominação e extermínio. A visão religiosa também é perigosa e manipulável, as vontades de alguns se prestando como instrumento de dominação e intolerância a outros, podendo levar as pessoas a um olhar de superioridade para povos com culturas e religiões diferentes das suas, julgando-os como inferiores, simplesmente por cultuarem deuses diferentes sendo julgados sumariamente como “sem alma”, impossibilitados de alcançar a redenção e salvação. Mesmo eminentes pensadores e exímios pregadores como os Jesuítas Jorge Benci e Padre Antônio Viera reforçam a ideia de redenção através da servidão e oração.

Antônio vieira retrata os horrores, a violência da escravidão; contudo não pretende com isso o fim desta relação de trabalho. [...] longe de lamentar a escravidão, Viera encontra nessa relação de trabalho o “milagre” que possibilita a libertação dos negros. Identifica a escravidão ao catolicismo, pois, é esta instituição que possibilitaria a “salvação”. Sem dúvida, ele reconhece o sofrimento, a violência a que eram submetidos os escravos. Entretanto, mesmo quando constata a violência, o autor não contesta a escravidão. Ao contrário, para Vieira, os escravos nos engenhos são imitadores de Cristo e seu sofrimento aproxima-os ainda mais de Deus. (MENEZES, 2010, p.11).

Inúmeras vezes os escravos eram tidos como próximo a animais, teoricamente colocados como produto de relações entre humanos e símios e dessa forma, ser aceitável sua submissão e sujeição a trabalhos forçados e condições subumanas, “até o sustento que tão liberalmente dão aos animais, negam aos cativos” (BENCI apud MENEZES, 2010, p.8).

Podemos nos perguntar: o porquê de todo esse aparato ideológico? É simples, lucro. Por trás do tráfego de escravos, principalmente de negros africanos, se esconde uma infinidade de trabalhadores diretos e indiretos que lucram com a atividade principal de escravizar pessoas. Alguns exemplos são: A indústria manufatureira (fabrico de tecidos baratos), produção de armas, construção naval. Como nos demonstra (PENA, 2008)

O tráfico de escravos da África para as colônias americanas foi uma atividade de enorme lucratividade para as nações envolvidas (Inglaterra, Portugal, Espanha e Holanda, entre outras) e teve expressivo impacto econômico. Não é nenhum exagero afirmar que o tráfico de escravos financiou a revolução industrial na Europa.

Tudo isso, aliado a um processo de desensibilização dos europeus. Como exemplo podemos citar a compra de condenados à morte para serem executados em festas públicas, bestializando assim os espectadores como podemos encontrar na história de

 “Damiens que fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir  perdão publicamente na igreja de Paris, posteriormente foi torturado, com punções pelo corpo, queimado com óleo, fervente, chumbo derretido, piche em fogo, em seguida teve seus membros arrancados e o corpo reduzido a cinzas, com inúmeros espectadores assistindo (FOUCAULT,2006, p.9).

Também foi criada uma ideologia impondo normas disciplinares como limites de liberdade conduzindo às pessoas escravizadas a sujeição do pensamento do senhor. Podemos dizer que ser sujeitado é permanecer  numa constante submissão,

subordinado a um poder que impõe a forma de pensar e de agir, e obriga a pessoa a uma conformação que a torna o máximo possível semelhante aos demais, conforme as leis e regulamentos. Portanto, o sujeito disciplinar é em seus comportamentos e ideias, a repetição, a reprodução do sistema que o produz. Estando distante de ser autônomo e livre, porque absorve as ideias produzidas por outras pessoas. A disciplina dilui a subjetividade do indivíduo para lhe impor outras formas de pensamento que o tornam obediente e manipulável.

Como se pode ver, somos fruto de um longo processo histórico, que chegou ao Brasil com a colonização europeia, que trouxe não só seu modo de trabalho, sua visão religiosa, como também as ideologias de raça, de certo e errado, de éticas e estéticas que foram incorporadas por pensadores tupiniquins, que reproduzem preconceitos, desejos e intolerâncias históricas do ser humano, não mais escravizando corpos, mas dominando mentes. Por isso é de suma importância a revisão de autores e livros que reproduzem em larga escala esses pensamentos preconceituosos, enfatizando não só a beleza da pele branca, olhos claros e cabelos loiros, como também a busca de alternativas com escritores que enfatizem a beleza do indígena e dos povos afro descendentes.

Desta maneira, a análise se dará em torno do livro, Histórias de Tia Nastácia, de Monteiro Lobato por retratar bem essa visão da valorização da cultura europeia de reis, rainhas e princesas que fica presa no imaginário do povo, na cultura popular, apresentada pelo autor com valor duvidoso. Finalizando o trabalho, serão apresentadas algumas obras e pensadores que vão à contramão da concepção racista e apresentam uma visão positiva do negro e sua cultura, para assim elevar a autoestima do ser afro descendente, buscando uma visão igualitária e humana dessas pessoas, uma vez que

Faz parte igualmente do pensar certo (pretensão da filosofia!) a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.  Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres. Quão ausentes da democracia se acham os que queimam igrejas de negros porque, certamente, negros não têm alma. Negros não rezam. Com sua negritude, os negros sujam a branquitude das orações... A mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de negros, se apresenta ao mundo como pedagoga da democracia[2]. Pensar certo e fazer errado, pelo visto, não tem mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo exige. Não tem nada que ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas caminhadas até o ridículo e a insensatez. [...] A humildade exprime, pelo contrário, uma das raras certezas de que estou certo: a de que ninguém é superior a ninguém. A falta de humildade, expressa na arrogância e na falsa superioridade de uma pessoa sobre a outra, de uma raça sobre a outra, de um gênero sobre o outro, de uma classe ou de uma cultura sobre a outra, é uma transgressão da vocação humana do ser mais. (FREIRE, 1996. p.17 e 46)

1 Uma longa produção moral e científica por trás da discriminação racial

”ninguém pensa da mesma forma numa choupana ou num castelo”.           

                                                                                                          (Schopenhauer)[3].

 

 Sempre se utilizou de vários subterfúgios para defender a ideia da dominação de determinado grupo sobre outro, como teorias evolucionistas que manipuladas defendem uma visão preconceituosa contra outros grupos humanos, um exemplo podemos encontrar no filme A Missão, no qual exploradores portugueses comparam os povos indígenas (Guaranis), como animais sem alma e por isso passíveis de dominação e extermínio.

Também na arte podemos encontrar essa visão preconceituosa, perpetrada pelos marinheiros europeus que ao entrar em contato com os negros os retratavam caricaturalmente em seus desenhos querendo tornar sua aparência repugnante aos olhos da maioria de seus conterrâneos para assim aceitarem a dominação desses povos como algo natural.

Entre os séculos XVIII e XIX, devido à dificuldade de cristianizar os povos não brancos, cria-se a ideia de que estes não poderiam ser civilizados.

E em 1840 o escritor e historiador Thomas Carlyle (que acreditava que não poderiam ser civilizados) publicou o ensaio intitulado de Discurso ocasional sobre a questão do Negro. Conclamando algum tipo de escravidão e defendendo a necessidade retórica da desigualdade. A desigualdade seria a forma adequada para conduzir a sociedade. Aqueles que sabem devem dominar aqueles que não sabem. Os homens devem dominar as mulheres. Os brancos devem dominar os negros. Pessoas letradas devem dominar as massas. (CARLYLE, 1840).

 A máxima era governar as pessoas com o máximo de poder. Suas ideias desencadearam perseguições à pessoas de cor, primeiramente em Morant Bay na Jamaica   em   1865. E foram sendo   incorporadas  e  defendidas  por  eminentes pensadores como o crítico de arte e escritor John Ruskin, pelo escritor William Mkepeace Thackeray, pelo reverendo Charles Kingsley, e também por Charles Dickens, o escritor mais célebre do século XIX.

A luta contra a igualdade racial ou a prova de sua desigualdade foi orquestrada inclusive no mundo dos mortos, com a ciência da anatomia, que promovia o estudo de cadáveres e esqueletos numa tentativa de provar as diferenças anatômicas entre as raças brancas e as não brancas, dando condições ao nascimento do racismo científico.

Um de seus representantes foi um esquecido cirurgião de Edimburgo, arruinado por um escândalo de roubo de cadáveres na década de 1820. Porém em 1840 o Dr. Robert Knox ressurge com o lançamento de sua obra Races Of Men (Raças de Homens), na qual defendia que as raças negras não poderiam tornar-se civilizadas, ele era apoiado pelo Craniologista americano Samuel George Morton que ao comparar crânios de raças diversas chegou a conclusão que eram tão distintos como se pertencessem à espécies diferentes.

            No entanto, a obra que deu o xeque-mate na questão do racismo científico foi sem dúvida The Origin of Species, by means of natural selection (A Origem Das Espécies, através da seleção natural), do naturalista Charles Darwin que criou a ciência da biologia e forneceu um álibi aos defensores do racismo científico, “se a evolução havia mudado as raças e as espécies do mundo, porque não teria feito o mesmo com os humanos?” [4]

            Aqueles que entendiam o colonialismo e a competição humana, em termos da teoria de Darwin foram conhecidos como Darwinistas sociais. Homens como o biólogo Thomas Henry Huxley[5], o famoso economista e filósofo Herbert Spencer. A evolução sugeria que tinha que haver perdedores e com certeza os perdedores eram os povos que não podiam competir e se postos em competição com raças superiores estavam fadadas ao desaparecimento, foi assim com os nativos norte americanos, povos do pacífico – aborígenes da Tasmânia e interior da Austrália – e da  África. Dessa maneira os crimes cometidos pelo imperialismo eram vistos como prova de que os darwinistas sociais estavam certos. O darwinismo social não só justificou as políticas genocidas do Império britânico nas colônias, como também insurgiu o medo de raças inferiores no seio da própria metrópole do império. É frequente nesse período confundir raça com classe, é comum, por exemplo, falar de raça camponesa inglesa, de raça escocesa. Havia inclusive mapas da cidade indicando onde as raças criminosas os Cokney, os Rockeris viviam. Desenvolve-se a caricatura das cabeças de membros dessas “raças” inferiores na sociedade londrina da época.

            Para evitar uma proliferação de raças indesejadas cientistas visitavam frequentemente presídios para estudar as raças criminosas para classificá-las e controlá-las. Entre eles, estava o primo de Charles Darwin, Francis Galton, cuja preocupação consistia em que a classe inferior pudesse se reproduzir mais depressa que as classes médias, assim sendo, ele inverte a teoria darwiniana, os menos aptos estavam sobrevivendo e reverter essa situação seria sua missão. Ele criou uma nova ciência de reprodução humana seletiva que diminuiria o aumento da classe criminosa. Essa nova ciência foi denominada “Eugenia”, que se tornou amplamente respeitada e angariou no final do século XIX um séquito de seguidores dos mais importantes como George Bernard Shaw, H.G. Wells e Winston Churchill[6].

            Todas as teorias raciais desenvolvidas na era vitoriana, a eugenia, o darwinismo social e o racismo científico, chegam a América com força total, principalmente a  eugenia  com a  criação  de  leis de  casamentos que foram sendo

instituídas em dezenas de estados americanos. Negros não poderiam se casar com brancos, índios não poderiam se casar com negros. Desta forma, os eugenistas defendiam a superioridade da raça branca “superior”, loura, de olhos azuis, eliminando, assim, outras linhagens até que só sobrassem eles ou pessoas parecidas a eles. O curioso é que essas pessoas pensavam que estavam salvando a humanidade, pensavam que eram liberais, reformadores.

            Todo este contexto faz parte de um longo e contínuo processo histórico que chega também ao Brasil e influencia o pensamento de escritores de literatura geral e literatura infanto-juvenil em atividade no país, por isso a importância da análise de algumas obras pró e contra a escravidão e discriminação na sociedade brasileira, mais precisamente obras voltadas ao público infanto-juvenil.

 

2  Tia Nastácia e a posição de eterna subalterna.

 

 

Segundo artigo de Paulo Vinicius Baptista da Silva, toda vez que entramos na sessão infanto-juvenil de uma biblioteca, podemos observar uma infinidade de personagens brancos em capas como sendo os principais personagens dos livros. No entanto quando encontramos personagens negros geralmente estão caricaturados, porém ainda, podemos perceber certas mudanças de anos atrás quando não conseguíamos encontrar nenhum personagem negro valorizado. Hoje os encontramos em algumas obras, que são minoria é verdade, ao mesmo tempo esses livros trazem formas de hierarquização, entre brancos e negros. (Silva, 2008, p. 43).

Mesmo havendo um crescente destaque, e por vezes até o papel de protagonista, os negros são subordinados ao homem branco. Esta situação, facilmente percebemos no longa-metragem da Disney “A princesa e o sapo” [7].

Na referida história a personagem negra, Tiana, embora seja a protagonista, sempre está a um passo atrás de sua amiga Charlotte, loura de olhos azuis e rica, ao passo, que a heroína trabalha como garçonete e sonha em possuir um restaurante – a antiga ideia das pretas velhas que serviam como cozinheiras. A heroína passa a maior parte da trama metamorfoseada em rã, fato esse que não valoriza sua condição de mulher negra e batalhadora. Seguindo essa linha de raciocínio, outro exemplo de serviçal dessa natureza, podemos encontrar no livro de Monteiro Lobato, “As Histórias de Tia Nastácia”, no qual ela ocupa, como contadora de histórias, histórias essas vindas da tradição oral, um lugar de inferioridade em relação a seus ouvintes acostumados a ouvir a literatura de histórias escritas. “Tia Nastácia [...] que figura como protótipo da subserviência, da falta de valor à sua cultura, sendo associada à feiura, simplicidade e primitivismo, ocupando um espaço reservado de subalternidade” (Carta na escola, 2008, p.43) é negra e empregada, e a mesma posição de inferioridade é mantida quando ela ocupa o lugar de contadora de histórias.

Embora, seja a personagem principal, Tia Nastácia ocupa uma posição de inferioridade cultural como contadora de histórias ao retomar narrativas da tradição oral não têm aliados, não há outros personagens que partilhem, ou que vejam de modo positivo as expressões culturais trazidas por tia Nastácia em suas narrativas. Seus ouvintes criticam constantemente o valor de verdade de suas histórias e fazem criticas sempre negativas sobre o conteúdo dessas histórias.

2.1 Análise de trechos do livro Histórias de Tia Nastácia

A obra Histórias de Tia Nastácia se propõe a elencar e apresentar histórias do cotidiano popular do Brasil, ou seja, o folclore, e para isso o autor coloca como protagonista uma pessoa que segundo sua concepção é o retrato do povo simples, uma cozinheira negra, a tia Nastácia. Monteiro Lobato se utiliza de todo seu cabedal intelectual para criar histórias de cunho popular altamente carregadas de hereditariedade  Europeia,  como  reis,  rainhas,  princesas  que  são  narradas  pela

personagem de maneira simples e muitas vezes sem uma sequência lógica, muito longe da metodologia de grandes escritores elencados no decorrer das páginas.

 “O que se pode notar, com a leitura dos capítulos, é a constante referência aos raros personagens, fenotipicamente negros, de forma caricaturada ou depreciativa. Aos personagens negros, em poucos casos, são atribuídos nomes próprios. O comum é dar a estes personagens nomes referentes à cor de suas peles, como ‘a Negrinha’, ‘o Preto’, ‘ o Mulato’, entre outros.” (MIRANDA, 2009, p.34).

 Já na primeira história Monteiro Lobato, pela boca da boneca Emília[8] faz veementes críticas à cultura popular perpetrada pela negra velha, ao mesmo tempo em que Narizinho demonstra sua predileção pelas histórias de autores clássicos, portadores da cultura erudita, diga se, de valor.

Emília torceu o nariz.

- Essas histórias folclóricas são bastante bobas [...] Por isso é que não sou “democrática!” Acho o povo muito idiota...

_Eu também acho muito ingênua essa história de rei e princesa e botas encantadas – disse Narizinho, - Depois que li o Peter Pan, fiquei exigente. Estou de acordo com Emília. (LOBATO, 1985, p. 12).

No diálogo que se segue, após a segunda história, há a explicação da origem e a causa das histórias populares parecerem tão ingênuas e muitas vezes sem a coerência, sem a concordância, sem a coesão dos textos escritos, ou seja, sem a elegância dos contos produzidos por grandes escritores, por se tratar exatamente da memória oral do povo, que aumenta e transforma a história ao longo do tempo. Emília mais uma vez deixa claro sua posição; a de que as histórias populares são simplórias e sem nexo.

Emília ficou a olhar a cara de Narizinho.

- Essa história – disse ela – ainda está mais boba que a outra. Tudo sem pé nem cabeça. Sabe o que me parece? Parece uma história que era dum jeito e foi se alterando de um contador para outro, cada vez mais atrapalhada, isto é, foi perdendo pelo caminho o pé e a cabeça.

- Você tem razão Emília – disse dona Benta. – As história que andam na boca do povo não são como as escritas. As histórias escritas conservam-se sempre as mesmas, porque a escrita fixa a maneira pela qual o autor a compôs. Mas as histórias que correm na boca do povo vão se adulterando com o tempo. [...] E mostram mudanças que o povo fez.

- Mudanças que as deixam sem pé nem cabeça – insistiu Emília – [...] Eu, francamente passo essas tais histórias populares. Gosto mas é das de Andersen[9], das do autor do Peter Pan e das do tal Carroll que escreveu Alice no País das Maravilhas. Sendo coisa do povo eu passo... (LOBATO, 1985, p. 15).

E Emília arremata afirmando, que as histórias do povo simples só  podem ser aceitas para comprovar a ignorância dessas pessoas, uma vez que, não proporcionam prazer, pois não são divertidas, são isentas de humor, e indignas de pessoas de cultura, que preferem histórias mais refinadas. Podemos notar também no trecho que segue “além de chamar Tia Nastácia de negra, num tom ofensivo, utiliza-se do termo beiço para fazer menção aos lábios da personagem” (MIRANDA, 2009, p. 33).

- só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como tia Nastácia. Não gosto, não gosto, não gosto... (LOBATO, 1985, p.18).

A seguir temos a história O pássaro preto, que segundo dona Benta, foi recolhida da tradição oral do povo pernambucano pelo erudito Sílvio Romero[10]. E novamente

Há um tom depreciativo na linguagem utilizada dentro da obra, se pensarmos no atual contexto social brasileiro. [...] Esta estória, por exemplo, conta a história de uma princesa que pretende se casar com um homem negro e ouve de suas irmãs casadas com príncipes as seguintes palavras: “‘Com um moço assim é que você devia ter-se casado, e não com um negro tão preto’”. (LOBATO, 2002. 26) A personagem de Lobato adjetiva um personagem negro como “tão preto” e, concomitantemente, emite uma crítica de desvalor, relacionando a cor da pele a algo que não é bom.(MIRANDA, 2009, P.36).

Emília se excede e chega a perder o devido respeito à pessoas de mais idade e, portanto, mais experientes, como mostra o seguinte texto; “O que vale é que você mesma confessa não ter culpa das idiotices da história, senão eu cortava um pedaço desse beiço.” (LOBATO, 1985, p. 21). 

Em contradição à própria crítica referida à Tia Nastácia - crítica essa freqüente dentro da obra - Emília, no capítulo XIX, corrige Pedrinho, quando este se refere aos próprios lábios como “beiços”: “Beiço é de boi - protestou Emília – gente tem lábios. (LOBATO apud MIRANDA 2009, p.36). Essa notável contradição parece excluir a personagem Tia Nastácia da condição de ser humano, ou ‘gente’ como disse no trecho acima, já que ela é adjetivada constantemente como Negra Beiçuda. (MIRANDA, 2009, p.36).

Mesmo sendo repreendida por dona Benta, a ex-boneca mantém seu posicionamento ao que considera bobagens e não cultura popular expressa pela pobre e indefesa Nastácia, incapaz de competir intelectualmente com sua rival e não podendo dessa maneira se defender. Fica “evidente a desobediência à moral que nos põe a consciência de hierarquia, muitas vezes entendida como ‘respeito aos mais velhos’”. (MIRANDA, 2009, p. 33).

- A senhora me perdoe [...] mas, cá para mim, isso de respeito nada tem a ver com idade. Eu respeito uma abelha de um mês de idade que me diga coisinhas sensatas – mas se Matusalém vier para cima de mim com bobagens, pensa que não boto fogo na barba dele? Ora, se boto!... (LOBATO, 1985, p. 21).

Já, após a seguinte história os ânimos se acalmam e a história é até aplaudida, claro que com reservas, nossa amiga Emília faz uma observação, a de que as histórias populares são muito parecidas, trazendo o mesmo conteúdo desfiado de maneiras distintas com outros personagens, contudo ainda a mesma tônica ou como explica dona Benta, pertencem ao mesmo ciclo. Esse ciclo torna as obras cheias de repetições não só na literatura, mas como Pedrinho observa, no cinema isso ocorre também, “sempre que aparece uma fita original, todas as companhias se aproveitam da ideia e dão fitas sobre o mesmo tema” (LOBATO, 1985, p.23), ao que dona Benta explica que após o lançamento de o Guarani apareceram inúmeras obras de índios sem fim, obras essas de muito pouco valor que por isso mesmo o tempo se encarregou de extirpar permanecendo apenas o Guarani. Aproveitando esse tema “Narizinho, um dos personagens do Sítio, confirma o pensamento de desvalor que arremete os personagens negros nas histórias do Sítio, como vemos no trecho a seguir:” (Miranda, 2009), “— Pobres índios! — exclamou Narizinho. — Se as histórias deles são todas como essa, só mostram muita ingenuidade. Acho que os negros valem mais que os índios em matéria de histórias. Vá, Nastácia, conte uma história inventada pelos negros.” (LOBATO, 1985, p. 47).

A próxima história continua, segundo Emília, sem sequência lógica, não mantendo a mesma qualidade da narrativa do começo ao fim. Dessa vez dona benta concorda com a ex-boneca.

Essa sua teima de exigir na história pé e cabeça, Emília, tem sua razão de ser [...] As coisas sem pé nem cabeça dão-nos a impressão de monstruosidades, de coisas contra a natureza. Uma história pode ser a mais fantástica possível, mas há de ter pé e cabeça. Você tem razão nessa exigência. (LOBATO, 1985, p. 25).

O autor novamente não perde a oportunidade de trazer à tona a condição de subalternidade de Nastácia agora pela boca de Pedrinho.

- Outra coisa que não me agrada [...] é o tal canteiro de cebolas. Bem se vê que é história contada por negras velhas, cozinheiras. Só faltou transformarem a moça num saquinho de sal, a espingarda em uma cabeça de alho e os cavalos num frango assado. (LOBATO, 1985, p.25).

Visão essa claramente equivocada, uma vez que enfatiza apenas uma das transformações da personagem da história, a saber, a parte preconceituosa contra as cozinheiras negras, desvalorizando assim outros pontos importantes da narrativa.

É mistér enfatizar a história A Madrasta, que não trás como as demais, uma crítica aos negros, sendo bem aceita e elogiada por todos os ouvintes, mesmo Emília, dessa vez, se compadece do povo que é muito sofrido, e deve saber do que está falando ao criticar a madrasta, no entanto a ex-boneca ainda se mantém irredutível em sua postura, dessa vez defendendo unilateralmente a maldade das madrastas como se todas fossem assim sem exceções.

[...] o povo assentou que as madrastas não prestam e não prestam mesmo – concluiu Emília. O coitado do povo sofre tanto que há de saber alguma coisa. Esse ponto da madrasta má o povo sabe. São más como caninanas – embora haja alguma degenerada que seja boa. Madrasta boa não é madrasta. Para ser madrasta tem de ser uma bisca das completas. (LOBATO, 1985, p.28).

Passada esta história, porém, as críticas voltam a acontecer, desta vez o povo se caracteriza pela falta de fineza, delicadeza e suas histórias da mesma forma são toscas e grosseiras ao que Emília se lamenta de ter que contentar-se com os contos populares do Brasil e fica ávida por histórias produzidas pelos grandes artistas que conseguem mexer com as emoções e realmente possuem beleza e fineza suficientes para encantar.

[...] o povo, coitado, não tem delicadeza, não tem finuras, não tem arte. É grosseiro, tosco em tudo o que faz. Este livro vai ser só das histórias populares do Brasil, mas depois havemos de fazer um só de histórias compostas por artistas, das lindas, cheias de poesia e mimos – como aquela do Príncipe Feliz, do tal Oscar Wilde, que dona Benta nos leu. Aquilo sim. Até deixa a gente leve, leve, de tanta finura de beleza! (LOBATO, 1985, p. 30).

Na história seguinte Monteiro Lobato, leitor de obras clássicas, utiliza-se de algumas narrativas, bem eruditas tais como, João e Maria, Hércules, Édipo rei, para montar mais uma das famosas histórias de tia Nastácia, com elementos totalmente misturados, embaralhados, na qual mais uma vez a figura do negro aparece com conceitos de valores negativos, como um espertalhão, mentiroso que usa do trabalho dos outros para poder levar vantagem, na história tenta se dar bem à custa do herói, que leva a melhor no final e o pobre negro mentiroso é castigado. Contudo, mais uma vez Lobato é condescendente com o povo, quando Emília diz que a história de João e Maria foi inventada por Andersen, dona Benta explica que não é bem assim.

Andersen nada mais fez do que colhê-la da boca do povo e arranjá-la a seu modo, com as modificações que quis. Essas histórias são todas velhíssimas, e correm todos os países, em cada terra contada de um jeito. Os escritores o que fazem é fixar as suas versões, isto é, o modo como eles entendem que as histórias devem ser contadas. (LOBATO, 1985, p.32).

Terminada a história de número 24, intitulada de – O macaco, a onça e o veado – na qual o veado é apresentado como uma criatura ignorante e acaba morrendo pelas artimanhas da onça, dá-se uma discussão sobre qual a serventia dos animais e qual o seu propósito? A discussão coloca como exemplo o veado e a ovelha que nas histórias em geral aparecem como bobos e ingênuos. Emília e Pedrinho com sua erudição costumeira apresentam seu parecer, porém, após a opinião de Tia Nastácia de que carneiro só serve para ser comido e completar que cada animal tem uma sina pré-fixada por Deus e que a sina do carneiro é de apenas servir de comida, a personagem Emília explode com a arrogância de sempre.

- Bem se vê que é preta e beiçuda! Não tem a menor filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe? Todos os viventes Têm o mesmo direito a vida, e para mim matar um carneirinho é crime ainda maior do que matar um homem. Facínora!...(LOBATO, 1985, p.52,53).

“Claramente, a personagem Emília emite uma crítica não particular à Tia Nastácia, na obra, mas ao negro em geral, atribuindo-lhes adjetivos deturpadores.” (MIRANDA, 2009, p. 35).  Essa mesma narrativa segue na p.59 quando encerrada a história do doutor Botelho, que seria uma cópia malfeita da história O gato de botas, com elementos agregados pelo povo simples do Brasil, que segundo Narizinho, ao ser contada por tia Nastácia se torna muito ingênua, e é veementemente criticada pela personagem Emília, que  diz que  a  releitura  feita  pela  cultura  popular é uma

tradução bem malfeitinha[...] tudo na história é daqui do Brasil, até o macaco e as bananas[...] mas esse rei, que aparece sem mais nem menos, está idiota. Não há reis por aqui. Em todo caso serve. Que se há de esperar da nossa pobre gente roceira? (LOBATO, 1985, p.59).

Quando os garotos perguntam sobre como é o caipora, bicho da imaginação popular e protagonista de uma das histórias, Dona Benta lhes aconselha que procurem tio Barnabé[11]·, pois, segundo ela, “só negro velho entende bem disso.” (LOBATO, 1985, p.64).

Após a página 68, Tia Nastácia se retira e quem inicia a relatar as histórias é Dona Benta, que muda a temática, não mais se atém a cultura popular brasileira, mas, parte para histórias de outros povos, e na terceira história, a “história dos macacos”, proveniente do folclore do congo, Narizinho faz uma intervenção afirmando que essa história é boba, ingênua como a dos negros brasileiros, frente a essa observação, Dona Benta concorda com a menina,

- Sim, mas que havemos de esperar dos pobres negros do Congo?[...] O pobre Congo foi uma das zonas que forneceram mais escravos para a América, de modo que muitas histórias dos nossos negros hão de ter as raízes lá. (LOBATO, 1985, P.71).

E quanto a Tia Nastácia, nem mesmo é digna de terminar o livro com suas histórias, é sumariamente substituída pela sua senhora branca, de hábitos eruditos e com sua cultura refinada, que tem a honra da finalização do livro. Suas histórias folclóricas remetem as diversas outras regiões do globo, são de certa maneira mais bem trabalhadas, com um acabamento diferenciado e uma lógica inexistente nas histórias da pobre Nastácia, com exceção da história oriunda do congo, todas têm uma estrutura mais bem acabada culminando com lições de moralidade e boa conduta como na história dos “dois ladrões” na p.75.

O livro termina com o mesmo preconceito implícito nas histórias da velha Nastácia com o menosprezo costumeiro contra as histórias da tradição oral do povo simples, expressa nas palavras de narizinho. “Também eu estou farta - disse Narizinho. Histórias do povo não quero mais. De hoje em diante, só histórias assinadas pelos grandes escritores. Essas é que são as artísticas. “(LOBATO, 1985, p. 77).

“Nas histórias populares contadas pela personagem Tia Nastácia, ou através das palavras de Emília, os personagens negros carregam o fardo da ignorância. Todos os personagens negros presentes nas histórias representam figuras caricaturadas ou inferiorizadas, descritas na imagem de pessoas mentirosas, espertalhonas ou tolas, e ocupando sempre papéis secundários, como cozinheira, tratador de animais, criados, entre outros.” (MIRANDA, 2009, p.37).

2.1.1 Mudanças demasiadamente tímidas

 

Em livros de história, por exemplo, há uma massiva cobrança feita pelo movimento negro e pesquisadores, começaram a aparecer as figuras de Zumbi e o Quilombo de Palmares, mas a história da resistência dos negros na África e no Brasil continuam na obscuridade, tratadas com superficialidade, “enfatizando manifestações individuais, em lugar de coletivas”.[12]

O negro ainda é apresentado predominantemente no papel de escravo, como se esse fosse seu principal atributo.

É sabido que, dentro da Literatura Infantil, a presença insuficiente ou estereotipada de personagens negros em seus enredos é comum. Os próprios contos infantis vêem marcados por tais características que excluem a participação não inferiorizada ou caricaturada de personagens negros, quando mencionam princesas e príncipes, marcados culturalmente e estereotipicamente por padrões europeus. (MIRANDA, 2009, P.33).

Um exemplo de personagem negro e sua visão estereotipada encontramos em poemas de Cecília Meireles: “O tempo passou. O bem-te-vi talvez tenha viajado [...]Talvez tenha sido atacado por um desses criolos fortes que atiram sem nenhuma razão contra o primeiro vivente que encontram.” [13] Notamos claramente a ligação da figura do negro a criminalidade e violência gratuita, o que nos mostra que ninguém está imune dos estereótipos e processo sócio cultural de que fazemos parte, mesmo uma importante escritora como Cecília Meireles.

Uma vez que os livros didáticos são compilados principalmente da literatura infanto-juvenil, da literatura e mídia escrita, torna-se vital o desenvolvimento da capacidade de análise crítica e mediação cultural, que deve ser exercida pelos professores e alunos, em relação aos discursos encontrados em livros contendo mensagens racistas de desvalorização de culturas e raças, especialmente as obras utilizadas para educar. Faz-se necessário também o envolvimento de outros seguimentos da sociedade, afim de, promover uma pluralidade de pensamentos fortalecendo a multiplicidade de visões sobre o tema.

Não façamos observações com o intuito de responsabilizar os autores das [...] produções, mas, sim, por ansiar mudanças no plano da literatura, sobretudo infantil, reconhecendo a necessidade de adaptá-las aos contextos nos quais se farão presentes. A literatura Infantil tem relevante papel para a educação de crianças. Nessa fase da vida as crianças constroem suas bases identitárias a partir de referências, como pais, professores, pessoas influentes na família. A literatura encarrega-se de despertar alguns sentimentos imprescindíveis na formação da personalidade, (MIRANDA, 2009. p.33,34).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta:

Que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda.

                                                                               (Cecília Meireles)[14]

 

Este trabalho buscou demonstrar que ideias, e visões não são construídas num (insight) piscar de olhos, nascidas do nada, mas que se constroem durante muito tempo a partir de experiências, as mais diversas, fruto de um tempo e espaço que trazem consigo paradigmas diferenciados que se sobrepõem e se somam uns aos outros produzindo assim a realidade de inúmeras pessoas.

A ideia em questão exaustivamente procurada nessa empreitada é a de porque existem estereótipos negativos perante culturas diferentes da dos povos brancos que dominaram a maioria da história da humanidade, ao menos na visão do Ocidente, buscando a motivação de políticos e cientistas, clérigos e escritores que desenvolveram há seu tempo a dita discriminação contra povos tidos como inferiores.

Um dos focos do estudo foi a ausência de personagens negros na literatura infantil e a forma estereotipada com que, quando presentes, em sua grande maioria, são representados. A obra escolhida foi As histórias de Tia Nastácia do autor Monteiro Lobato, clássico infantil presente nos ambientes educacionais, com destaque, na década de 80, com as figuras negras calcadas em seus estereótipos, a exemplo, O Saci e Tia Nastácia. A escolha do autor se justifica pelo motivo de que pelo menos metade de suas obras, ao que hoje se sabe, são destinadas a este público, carregadas por uma linguagem clara, simples e enredos cheios de fantasias. A maior parte dos seus contos acontece no Sítio do Pica-pau.

Não foram feitas observações com o intuito de responsabilizar o autor da citada produção, mas, sim, por ansiar mudanças no plano da literatura, sobretudo infantil, reconhecendo a necessidade de adaptá-las aos contextos nos quais se farão presentes. A literatura Infantil tem relevante papel para a educação de crianças. Nessa fase da vida as crianças constroem suas bases identitárias a partir de referências, como pais, professores, pessoas influentes na família. A literatura encarrega-se de despertar alguns sentimentos imprescindíveis na formação da personalidade, para tanto, o uso do lirismo e da fantasia produz sentimentos como alegria, tristeza, piedade, solidariedade, fazendo com que elas aprendam a lidar com eles. São, também, através dos personagens, que os pequenos leitores se sentem representados. Quem nunca se imaginou rei ou rainha?

E é por esse caminho que trilha o final do texto que apresenta a figura de Kiriku, menino minúsculo nascido na África Ocidental, cujo tamanho não alcança nem o joelho de um adulto, que tem um destino: enfrentar a poderosa e malvada feiticeira Karabá, que secou a fonte d'água da aldeia de Kiriku, engoliu todos os homens que foram enfrentá-la e ainda pegou todo o ouro que tinham. Para isso, Kiriku enfrenta muitos perigos e se aventura por lugares onde somente pessoas pequeninas poderiam entrar.

Em um dos trechos do filme o menino mostra sua inquietação sobre a maldade da feiticeira. Tentando argumentar com o filho, sua mãe afirma que a maldade está presente em vários homens e que ela - a maldade - é parte da vida.

Durante a pesquisa ficou evidente que existem várias obras, literárias e animadas que fazem resistência a cultura de valoração do pensamento ocidental que tem como imagem de identificação o homem branco europeu e que constrói uma representação ideal de nação e cultura, e em decorrência, constrói uma noção de outras culturas com ideias que se traduzem na falta e no exotismo. As consequências desse pensamento hegemônico provocam a marginalização e inferiorização das culturas e costumes de outros grupos sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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CARLYLE, Thomas, Discurso Ocasional sobre a questão do Negro. 1840.

CLEMENTS, Ron e MUSKER, John. A Princesa e o Sapo, animação Disney, Estados Unidos 2010, 97 min.

COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. 2ª ed. rev., ampl., atual. e il. sob a coordenação de Graça Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/DNL; Academia Bralisileira de letras, 2001.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Séc. XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª Ed., Editora Nova América. Rio de Janeiro, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à Prática Educativa Editora Paz e Terra. Coleção Saberes. 36ª Edição, São Paulo. 1996.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão; Tradução de Raquel

Ramalhete. 31ª edição. Vozes, Petrópolis 1987.

GORENDER, Jacob. Brasil em Preto e Branco.  Série Livre Pensar Vol. 4. Editora SENAC, São Paulo 2001.

JOFFÉ, Roland. A Missão. Filme, 121 min. Inglaterra, 1986.

LOBATO, Monteiro, Histórias de Tia Nastácia. São Paulo Brasiliense, Brasília: INI, 1985, 24ª edição.

MENEZES, S.. Escravidão e educação nos escritos de Antônio Vieira e Jorge Benci - doi: 10.4025/dialogos.v10i3.84. Diálogos, América do Norte, 10, mai. 2010. Disponível em: http://www.uem.br/dialogos/index.php?Journal=ojs&page=article& op=view&path%5B%5D=84. Acesso em: 15 Ago. 2011.

MIRANDA, Jaqueline Silva. A Representação do Negro em Obras Infantis de Monteiro Lobato. Monografia do curso de Pedagogia, Salvador. 2009.

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OCELOT, Michel. Kiriku e a Feiticeira. Animação. França. 1998.

PASSOS, Luiz Augusto. Fundamentos de Filosofia. Os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação. Programa de Formação da CNTE/APP-Sindicato/UFPR. Curitiba, 2009.

PENA, Sergio Danilo. Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/o-dna-do-racismo  acesso em 10/08/2011.

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SILVA, Paulo Vinicius Baptista da. Carta na Escola, Edição nº 25, Abril de 2008.

STEVE, Jones. Disponível em http://www.humanism.org.uk/about/people/distingui shed-supporters/Professor-Steve-Jones acesso em 10 Ago. 2011.

TICKELL, Paul. Racismo: uma História. Documentário BBC FOUR, duração 58 min, 2007.



[1] A Missão. Direção: Roland Joffé. Produção: Fernando Ghia e David Puttnam, com Robert de Niro e Jeramy Irons.  Conflito entre colonos e Jesuítas, a experiência missionária dos jesuítas, que passa a compor o cotidiano indígena institucionalizando sua crença cristã e a cultura européia. Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12129/1/Filme-A-Missao/pagina1.html#ixzz1Bh1kORM8   Acesso em 10/08/2011.

[2] Óbvio recado à cultura americana do norte!

[3] SCHOPENHAUER Apud PASSOS, 2009. p.77.

[4]Steve Jones, professor de genética britânico, diretor do departamento de biologia da University College London. Seus estudos são conduzidos no laboratório Galton. Também é apresentador de televisão e premiado autor na área biológica, especialmente sobre a evolução, sendo um dos mais populares escritores sobre este tema, que aborda de modo simples e humorado. Disponível em  http://www.humanism.org.uk/about/people/distinguished-supporters/Professor-Steve-Jones   acesso em 10/08/2011.

[5] Thomas Henry Huxley (1825-1895): defensor de Spencer e Darwin, criador do termo agnosticismo. Daniel Piza disponível em  http://blogs.estadao.com.br/daniel-piza/a-liberdade-da-descrenca/ acesso em 10/08/2011.

[6] George B. Shaw: Dramaturgo, romancista, contista, ensaísta e jornalista irlandês, prêmio Nobel de literatura de 1925, o qual recusou. Em the Soviet Story, do documentarista Edvins Snore, Shaw aparece defendendo os nazistas e o extermínio de todos os "parasitas sociais" em vídeo, pessoas não adaptadas e inúteis para a sociedade, segundo seus conceitos. No mesmo documentário ele é acusado de apelar no jornal Londrino Listener em 1933, para que os químicos da época desenvolvessem um gás letal com a finalidade de matar seres humanos "inadequados".

H. G. Wells: Escritor, professor, jornalista e historiador, entusiasta dos avanços científicos: Escreveu A Máquina do tempo, a Ilha do Dr. Moreau entre outros.

Sir Winston Leonard Spencer-Churchill: Político, estadista, escritor, jornalista, orador e historiador britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro ministro do Reino Unido durante a segunda guerra mundial. Recebeu o prêmio de Pessoa do ano em 1940 e 1949.

[7] Título original, The Princess and the Frog, Disney 2010, realização: John Musker, Ron Clement, apresenta a primeira princesa da Disney de origem não caucasiana, ou seja, conta a história de Tiana a primeira princesa negra do famoso estúdio.

 

 

[8]“Lembrando que Emilia seria um auter-ego do escritor, ou seja, que através de Emília Monteiro Lobato diz tudo o que pensa.” (CATINARI apud MIRANDA, 2009, p.31)

[9] Hans Christian Andersen, autor dinamarquês de literatura infantil, escreveu entre outros, O Patinho Feio, uma paródia de sua própria vida.

[10] Silvio Romero (Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero), crítico literário brasileiro e historiador da literatura. Nasceu em Lagarto, Sergipe, e faleceu no Rio de Janeiro. Bacharel em direito pela faculdade do Recife (1873), foi juiz em Parati, Rio de Janeiro, dedicando-se também ao magistério. Foi professor de filosofia no Colégio Pedro II (1880) e de Filosofia do Direito na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Por um breve período participou do parlamento, tendo sido deputado por Sergipe (1899). Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, também ocupou uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Participou ativamente da vida intelectual e política brasileira. Fonte http://www.vidaempoesia.com.br/silvioromero.htm, acesso em 10/08/2011 às 20h 36min.

[11]" Criação de O Sítio do Pica-Pau Amarelo (1920). Ele é o correspondente de tia Nastácia no universo masculino, mas que trata Nastácia de maneira prepotente e desdenhosa, certamente pela condição de macho.” (Nei Lopes, Carta na Escola, 2008 p.40)

[12]Paulo Vinicius, carta na escola 2008 p.44.

[13] Cecília Meireles apud Paulo Vinícius, carta na escola 2008, p.44.

[14] Escrito na obra Romanceiro da Inconfidência.

universidade estadual de maringá

Pós-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA AFRICA E CULTURA aFRO-

BRASILEIRA

 

 

           

 

 

 

aDILSON mARINHO

 

 

 

 

 

 

 

RelaçÕes Raciais
Personagens negros e brancos na literatura infanto-juvenil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

mARINGÁ – pARANÁ

2011

aDILSON mARINHO

 

 

 

 

RelaçÕes Raciais
Personagens negros e brancos na literatura infanto-juvenil

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão do Curso de especialização em história da África e cultura Afro-Brasileira, apresentado à Universidade Estadual de Maringá, como requisito para obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA.

Orientador: Prof. Leandro Brunelo

 

 

 

 

 

 

 

mARINGÁ – pARANÁ

2011

 

aDILSON mARINHO

 

 

 

 

RelaçÕes Raciais
Personagens negros e brancos na literatura infanto-juvenil

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão do Curso de especialização em história da África e cultura Afro-Brasileira, apresentado à Universidade Estadual de Maringá, como requisito para obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA.

 

 

 

COMISSÃO EXAMINADORA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maringá, ____ de ____________ de 2011

 

 

Resumo. O objetivo desse trabalho é analisar algumas obras da literatura infanto-juvenil e livros didáticos brasileiros procurando observar se existem discursos que discriminam negros e promovem brancos, estabelecendo hierarquia entre os grupos raciais. Também responder a questão, Como podemos observar e ensinar aos nossos alunos a analisar criticamente tais formas de discriminação?

Para responder a essa questão, iniciarei com um breve relato da história do racismo e preconceito racial, iniciada na era vitoriana. Teorias raciais criadas por eminentes pensadores do século XVIII e XIX e sua influência nas produções raciais no Brasil. A motivação deste trabalho se deu ao ler pesquisas sobre o tema do preconceito racial. Pesquisas feitas pelos sociólogos sociais Moreira leite, em 1950, e Brazzanella, em 1957, que apontaram que o racismo explícito em obras de ficção ou em livros didáticos era raro. A hierarquia entre brancos/as e negros/as se apresentava em formas implícitas, particularmente pela correlação dos últimos com posições de desvalorização social, No entanto, a avaliação dos livros didáticos pelo MEC continua a buscar expressões explícitas. Por isso o papel dos sistemas de ensino, das escolas, dos cursos de formação de professores, dos professores e alunos é importante para difundir a capacidade de análise crítica de textos e ilustrações de literatura infanto-juvenil e de livros didáticos que estabelecem formas diversas de hierarquias entre brancos e outros grupos raciais.

Palavras Chave: Racismo, escravidão, infanto-juvenil, estereótipo, protótipo.

Abstract. The aim of this study is to analyze some works of children's literature and textbooks Brazilians looking to see if there are discourses that discriminate against blacks and whites promoting, establishing a hierarchy among the racial groups. Also answer the question, How can we observe and teach our students to critically analyze these forms of discrimination?

To answer this question, I will begin with a brief account of the history of racism and racial prejudice, which began in the Victorian era. Racial theories created by eminent thinkers of the eighteenth and nineteenth century and its influence on crop race in Brazil. The motivation for this work was given to read research on the topic of racial prejudice. Research conducted by sociologists social Moreira Leite in 1950, and Brazzanella in 1957, which showed that the explicit racism in fiction or in textbooks was rare. The hierarchy between white / black and the / appeared in the implicit forms, particularly the correlation with the past positions of social devaluation, however, the evaluation of textbooks by the MEC continues to seek explicit expressions. Therefore the role of education systems, schools, teacher training courses, teachers and students is important to spread the capacity for critical analysis of texts and illustrations of children's literature and textbooks that provide various forms of hierarchies between whites and other racial groups.

Keywords: Racism, slavery, children and youth, stereotype, prototype.

Resumen. El objetivo de este estudio es analizar algunas de las obras de la literatura infantil y libros de texto brasileños buscando para ver si hay discursos que discriminan a los negros y los blancos la promoción, establecer una jerarquía entre los grupos raciales. También responder a la pregunta, ¿Cómo podemos observar y enseñar a nuestros alumnos a analizar críticamente estas formas de discriminación?
Para responder a esta pregunta, voy a comenzar con una breve reseña de la historia del racismo y los prejuicios raciales, que comenzó en la época victoriana. Las teorías raciales creados por eminentes pensadores del siglo XVIII y XIX y su influencia en la raza de los cultivos en Brasil. La motivación de este trabajo fue dado a leer investigaciones sobre el tema de los prejuicios raciales. Las investigaciones realizadas por sociólogos sociales Moreira leite en 1950, y Brazzanella en 1957, lo que demuestra que el racismo explícito de la ficción o en los libros de texto eran raros. La jerarquía entre blanco  y negro  aparecieron en las formas implícitas, en particular, la correlación con las posiciones anteriores a la devaluación social, sin embargo, la evaluación de los libros de texto por el MEC sigue buscando expresiones explícitas. Por lo tanto el papel de los sistemas educativos, escuelas, cursos de capacitación para maestros, profesores y estudiantes es importante para difundir la capacidad de análisis crítico de los textos y las ilustraciones de la literatura infantil y libros de texto que ofrecen diversas formas de jerarquías entre los blancos y otros grupos raciales.

Palabras clave: el racismo, la esclavitud, los niños y jóvenes, el estereotipo, el prototipo.

 

Introdução

Durante todos os milênios da existência humana, os indivíduos de um grupo privilegiado e considerado o correto, por ser o mais forte, mais desenvolvido, mais apto, levou vantagens sobre os demais membros da espécie, utilizando para a dominação os mais variados métodos, tanto o uso da força quanto da razão para provar, afirmar e reafirmar sua superioridade.

   Ligado a essa atitude de domínio e desvalorização do diferente considerado inapto e, portanto, passível de ser explorado vem a ideia de escravidão que conhecemos, ou seja, a escravidão por raça, principalmente no Brasil com a escravização dos povos indígenas pelo elemento lusitano que trouxe uma nova relação entre os vencedores e vencidos nas lutas dos povos do novo mundo, que antes da chegada dos europeus era a do ritual antropofágico ou da total incorporação do indivíduo pela cultura do vencedor, agora incentivados pelos europeus eles vendem os cativos, no entanto, esses escravos não se entregavam facilmente o que levou os conquistadores a buscarem os índios já docilizados pelos jesuítas que tentavam protegê-los

Contudo, a proteção missionária nem sempre se mostrou capaz de evitar o assalto dos escravizadores. Predadores profissionais de índios, que exploravam em suas fazendas ou colocavam à venda, os bandeirantes paulistas, comandados por Raposo Tavares, atacaram e destruíram as reduções de Guairá, matando numerosos indígenas já aculturados e trazendo centenas deles como prisioneiros a São Paulo. (GORENDER, 2001, p.26)

Devido à dificuldade de manter a escravidão indígena os portugueses se voltaram para afro-descendentes, no entanto, não é apenas com o conceito atual de escravidão por raça que ela surge.

Já na Grécia antiga, havia os prisioneiros de guerra que se tornavam escravos e faziam os trabalhos manuais para que os “homens” atenienses, proprietários das terras e dos conhecimentos, pudessem ser livres e iguais e assim tivessem condições para efetivarem a produção da Cidadania Grega. No entanto, essa escravidão permanece oculta; não chega a tornar-se um objeto de análise nem uma questão política, pois como dizia Aristóteles - é uma condição natural. Assim sendo podemos concluir, para que uma classe pudesse exercitar a razão e o pensamento, outra tinha que fazer o trabalho manual numa condição de servidão, ficando alienada muitas vezes à sua condição. Como afirma (PENA, 2008)

È certo que havia escravidão na Grécia, em Roma, no mundo Árabe e em outras regiões. Mas os escravos eram geralmente prisioneiros de guerra e não havia de maneira alguma a ideia de que eles fossem “naturalmente” inferiores aos seus senhores. [...] se o resultado da guerra tivesse sido outro, os papéis de senhor e escravo estariam invertidos.

Já entre o povo Judeu, encontramos os escravos por dívida, essa escravidão, no entanto, era provisória uma vez que após sete anos, as pessoas deveriam ser colocadas em liberdade, para se evitar a exploração desenfreada. Na prática nem sempre isso ocorria, uma vez que esses escravos e ou sua divida poderiam ser negociados passando o servo para novo senhor.

A humanidade sempre se utilizou de vários subterfúgios para defender a ideia da dominação de determinado grupo sobre outro, como teorias evolucionistas que manipuladas defendem uma visão preconceituosa  contra  outros  grupos  humanos. Um exemplo podemos encontrar no filme A Missão[1], no qual exploradores portugueses comparam os povos indígenas à animais sem alma e por isso passíveis de dominação e extermínio. A visão religiosa também é perigosa e manipulável, as vontades de alguns se prestando como instrumento de dominação e intolerância a outros, podendo levar as pessoas a um olhar de superioridade para povos com culturas e religiões diferentes das suas, julgando-os como inferiores, simplesmente por cultuarem deuses diferentes sendo julgados sumariamente como “sem alma”, impossibilitados de alcançar a redenção e salvação. Mesmo eminentes pensadores e exímios pregadores como os Jesuítas Jorge Benci e Padre Antônio Viera reforçam a ideia de redenção através da servidão e oração.

Antônio vieira retrata os horrores, a violência da escravidão; contudo não pretende com isso o fim desta relação de trabalho. [...] longe de lamentar a escravidão, Viera encontra nessa relação de trabalho o “milagre” que possibilita a libertação dos negros. Identifica a escravidão ao catolicismo, pois, é esta instituição que possibilitaria a “salvação”. Sem dúvida, ele reconhece o sofrimento, a violência a que eram submetidos os escravos. Entretanto, mesmo quando constata a violência, o autor não contesta a escravidão. Ao contrário, para Vieira, os escravos nos engenhos são imitadores de Cristo e seu sofrimento aproxima-os ainda mais de Deus. (MENEZES, 2010, p.11).

Inúmeras vezes os escravos eram tidos como próximo a animais, teoricamente colocados como produto de relações entre humanos e símios e dessa forma, ser aceitável sua submissão e sujeição a trabalhos forçados e condições subumanas, “até o sustento que tão liberalmente dão aos animais, negam aos cativos” (BENCI apud MENEZES, 2010, p.8).

Podemos nos perguntar: o porquê de todo esse aparato ideológico? É simples, lucro. Por trás do tráfego de escravos, principalmente de negros africanos, se esconde uma infinidade de trabalhadores diretos e indiretos que lucram com a atividade principal de escravizar pessoas. Alguns exemplos são: A indústria manufatureira (fabrico de tecidos baratos), produção de armas, construção naval. Como nos demonstra (PENA, 2008)

O tráfico de escravos da África para as colônias americanas foi uma atividade de enorme lucratividade para as nações envolvidas (Inglaterra, Portugal, Espanha e Holanda, entre outras) e teve expressivo impacto econômico. Não é nenhum exagero afirmar que o tráfico de escravos financiou a revolução industrial na Europa.

Tudo isso, aliado a um processo de desensibilização dos europeus. Como exemplo podemos citar a compra de condenados à morte para serem executados em festas públicas, bestializando assim os espectadores como podemos encontrar na história de

 “Damiens que fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir  perdão publicamente na igreja de Paris, posteriormente foi torturado, com punções pelo corpo, queimado com óleo, fervente, chumbo derretido, piche em fogo, em seguida teve seus membros arrancados e o corpo reduzido a cinzas, com inúmeros espectadores assistindo (FOUCAULT,2006, p.9).

Também foi criada uma ideologia impondo normas disciplinares como limites de liberdade conduzindo às pessoas escravizadas a sujeição do pensamento do senhor. Podemos dizer que ser sujeitado é permanecer  numa constante submissão,

subordinado a um poder que impõe a forma de pensar e de agir, e obriga a pessoa a uma conformação que a torna o máximo possível semelhante aos demais, conforme as leis e regulamentos. Portanto, o sujeito disciplinar é em seus comportamentos e ideias, a repetição, a reprodução do sistema que o produz. Estando distante de ser autônomo e livre, porque absorve as ideias produzidas por outras pessoas. A disciplina dilui a subjetividade do indivíduo para lhe impor outras formas de pensamento que o tornam obediente e manipulável.

Como se pode ver, somos fruto de um longo processo histórico, que chegou ao Brasil com a colonização europeia, que trouxe não só seu modo de trabalho, sua visão religiosa, como também as ideologias de raça, de certo e errado, de éticas e estéticas que foram incorporadas por pensadores tupiniquins, que reproduzem preconceitos, desejos e intolerâncias históricas do ser humano, não mais escravizando corpos, mas dominando mentes. Por isso é de suma importância a revisão de autores e livros que reproduzem em larga escala esses pensamentos preconceituosos, enfatizando não só a beleza da pele branca, olhos claros e cabelos loiros, como também a busca de alternativas com escritores que enfatizem a beleza do indígena e dos povos afro descendentes.

Desta maneira, a análise se dará em torno do livro, Histórias de Tia Nastácia, de Monteiro Lobato por retratar bem essa visão da valorização da cultura europeia de reis, rainhas e princesas que fica presa no imaginário do povo, na cultura popular, apresentada pelo autor com valor duvidoso. Finalizando o trabalho, serão apresentadas algumas obras e pensadores que vão à contramão da concepção racista e apresentam uma visão positiva do negro e sua cultura, para assim elevar a autoestima do ser afro descendente, buscando uma visão igualitária e humana dessas pessoas, uma vez que

Faz parte igualmente do pensar certo (pretensão da filosofia!) a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.  Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres. Quão ausentes da democracia se acham os que queimam igrejas de negros porque, certamente, negros não têm alma. Negros não rezam. Com sua negritude, os negros sujam a branquitude das orações... A mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de negros, se apresenta ao mundo como pedagoga da democracia[2]. Pensar certo e fazer errado, pelo visto, não tem mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo exige. Não tem nada que ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas caminhadas até o ridículo e a insensatez. [...] A humildade exprime, pelo contrário, uma das raras certezas de que estou certo: a de que ninguém é superior a ninguém. A falta de humildade, expressa na arrogância e na falsa superioridade de uma pessoa sobre a outra, de uma raça sobre a outra, de um gênero sobre o outro, de uma classe ou de uma cultura sobre a outra, é uma transgressão da vocação humana do ser mais. (FREIRE, 1996. p.17 e 46)

1 Uma longa produção moral e científica por trás da discriminação racial

”ninguém pensa da mesma forma numa choupana ou num castelo”.           

                                                                                                          (Schopenhauer)[3].

 

 Sempre se utilizou de vários subterfúgios para defender a ideia da dominação de determinado grupo sobre outro, como teorias evolucionistas que manipuladas defendem uma visão preconceituosa contra outros grupos humanos, um exemplo podemos encontrar no filme A Missão, no qual exploradores portugueses comparam os povos indígenas (Guaranis), como animais sem alma e por isso passíveis de dominação e extermínio.

Também na arte podemos encontrar essa visão preconceituosa, perpetrada pelos marinheiros europeus que ao entrar em contato com os negros os retratavam caricaturalmente em seus desenhos querendo tornar sua aparência repugnante aos olhos da maioria de seus conterrâneos para assim aceitarem a dominação desses povos como algo natural.

Entre os séculos XVIII e XIX, devido à dificuldade de cristianizar os povos não brancos, cria-se a ideia de que estes não poderiam ser civilizados.

E em 1840 o escritor e historiador Thomas Carlyle (que acreditava que não poderiam ser civilizados) publicou o ensaio intitulado de Discurso ocasional sobre a questão do Negro. Conclamando algum tipo de escravidão e defendendo a necessidade retórica da desigualdade. A desigualdade seria a forma adequada para conduzir a sociedade. Aqueles que sabem devem dominar aqueles que não sabem. Os homens devem dominar as mulheres. Os brancos devem dominar os negros. Pessoas letradas devem dominar as massas. (CARLYLE, 1840).

 A máxima era governar as pessoas com o máximo de poder. Suas ideias desencadearam perseguições à pessoas de cor, primeiramente em Morant Bay na Jamaica   em   1865. E foram sendo   incorporadas  e  defendidas  por  eminentes pensadores como o crítico de arte e escritor John Ruskin, pelo escritor William Mkepeace Thackeray, pelo reverendo Charles Kingsley, e também por Charles Dickens, o escritor mais célebre do século XIX.

A luta contra a igualdade racial ou a prova de sua desigualdade foi orquestrada inclusive no mundo dos mortos, com a ciência da anatomia, que promovia o estudo de cadáveres e esqueletos numa tentativa de provar as diferenças anatômicas entre as raças brancas e as não brancas, dando condições ao nascimento do racismo científico.

Um de seus representantes foi um esquecido cirurgião de Edimburgo, arruinado por um escândalo de roubo de cadáveres na década de 1820. Porém em 1840 o Dr. Robert Knox ressurge com o lançamento de sua obra Races Of Men (Raças de Homens), na qual defendia que as raças negras não poderiam tornar-se civilizadas, ele era apoiado pelo Craniologista americano Samuel George Morton que ao comparar crânios de raças diversas chegou a conclusão que eram tão distintos como se pertencessem à espécies diferentes.

            No entanto, a obra que deu o xeque-mate na questão do racismo científico foi sem dúvida The Origin of Species, by means of natural selection (A Origem Das Espécies, através da seleção natural), do naturalista Charles Darwin que criou a ciência da biologia e forneceu um álibi aos defensores do racismo científico, “se a evolução havia mudado as raças e as espécies do mundo, porque não teria feito o mesmo com os humanos?” [4]

            Aqueles que entendiam o colonialismo e a competição humana, em termos da teoria de Darwin foram conhecidos como Darwinistas sociais. Homens como o biólogo Thomas Henry Huxley[5], o famoso economista e filósofo Herbert Spencer. A evolução sugeria que tinha que haver perdedores e com certeza os perdedores eram os povos que não podiam competir e se postos em competição com raças superiores estavam fadadas ao desaparecimento, foi assim com os nativos norte americanos, povos do pacífico – aborígenes da Tasmânia e interior da Austrália – e da  África. Dessa maneira os crimes cometidos pelo imperialismo eram vistos como prova de que os darwinistas sociais estavam certos. O darwinismo social não só justificou as políticas genocidas do Império britânico nas colônias, como também insurgiu o medo de raças inferiores no seio da própria metrópole do império. É frequente nesse período confundir raça com classe, é comum, por exemplo, falar de raça camponesa inglesa, de raça escocesa. Havia inclusive mapas da cidade indicando onde as raças criminosas os Cokney, os Rockeris viviam. Desenvolve-se a caricatura das cabeças de membros dessas “raças” inferiores na sociedade londrina da época.

            Para evitar uma proliferação de raças indesejadas cientistas visitavam frequentemente presídios para estudar as raças criminosas para classificá-las e controlá-las. Entre eles, estava o primo de Charles Darwin, Francis Galton, cuja preocupação consistia em que a classe inferior pudesse se reproduzir mais depressa que as classes médias, assim sendo, ele inverte a teoria darwiniana, os menos aptos estavam sobrevivendo e reverter essa situação seria sua missão. Ele criou uma nova ciência de reprodução humana seletiva que diminuiria o aumento da classe criminosa. Essa nova ciência foi denominada “Eugenia”, que se tornou amplamente respeitada e angariou no final do século XIX um séquito de seguidores dos mais importantes como George Bernard Shaw, H.G. Wells e Winston Churchill[6].

            Todas as teorias raciais desenvolvidas na era vitoriana, a eugenia, o darwinismo social e o racismo científico, chegam a América com força total, principalmente a  eugenia  com a  criação  de  leis de  casamentos que foram sendo

instituídas em dezenas de estados americanos. Negros não poderiam se casar com brancos, índios não poderiam se casar com negros. Desta forma, os eugenistas defendiam a superioridade da raça branca “superior”, loura, de olhos azuis, eliminando, assim, outras linhagens até que só sobrassem eles ou pessoas parecidas a eles. O curioso é que essas pessoas pensavam que estavam salvando a humanidade, pensavam que eram liberais, reformadores.

            Todo este contexto faz parte de um longo e contínuo processo histórico que chega também ao Brasil e influencia o pensamento de escritores de literatura geral e literatura infanto-juvenil em atividade no país, por isso a importância da análise de algumas obras pró e contra a escravidão e discriminação na sociedade brasileira, mais precisamente obras voltadas ao público infanto-juvenil.

 

2  Tia Nastácia e a posição de eterna subalterna.

 

 

Segundo artigo de Paulo Vinicius Baptista da Silva, toda vez que entramos na sessão infanto-juvenil de uma biblioteca, podemos observar uma infinidade de personagens brancos em capas como sendo os principais personagens dos livros. No entanto quando encontramos personagens negros geralmente estão caricaturados, porém ainda, podemos perceber certas mudanças de anos atrás quando não conseguíamos encontrar nenhum personagem negro valorizado. Hoje os encontramos em algumas obras, que são minoria é verdade, ao mesmo tempo esses livros trazem formas de hierarquização, entre brancos e negros. (Silva, 2008, p. 43).

Mesmo havendo um crescente destaque, e por vezes até o papel de protagonista, os negros são subordinados ao homem branco. Esta situação, facilmente percebemos no longa-metragem da Disney “A princesa e o sapo” [7].

Na referida história a personagem negra, Tiana, embora seja a protagonista, sempre está a um passo atrás de sua amiga Charlotte, loura de olhos azuis e rica, ao passo, que a heroína trabalha como garçonete e sonha em possuir um restaurante – a antiga ideia das pretas velhas que serviam como cozinheiras. A heroína passa a maior parte da trama metamorfoseada em rã, fato esse que não valoriza sua condição de mulher negra e batalhadora. Seguindo essa linha de raciocínio, outro exemplo de serviçal dessa natureza, podemos encontrar no livro de Monteiro Lobato, “As Histórias de Tia Nastácia”, no qual ela ocupa, como contadora de histórias, histórias essas vindas da tradição oral, um lugar de inferioridade em relação a seus ouvintes acostumados a ouvir a literatura de histórias escritas. “Tia Nastácia [...] que figura como protótipo da subserviência, da falta de valor à sua cultura, sendo associada à feiura, simplicidade e primitivismo, ocupando um espaço reservado de subalternidade” (Carta na escola, 2008, p.43) é negra e empregada, e a mesma posição de inferioridade é mantida quando ela ocupa o lugar de contadora de histórias.

Embora, seja a personagem principal, Tia Nastácia ocupa uma posição de inferioridade cultural como contadora de histórias ao retomar narrativas da tradição oral não têm aliados, não há outros personagens que partilhem, ou que vejam de modo positivo as expressões culturais trazidas por tia Nastácia em suas narrativas. Seus ouvintes criticam constantemente o valor de verdade de suas histórias e fazem criticas sempre negativas sobre o conteúdo dessas histórias.

2.1 Análise de trechos do livro Histórias de Tia Nastácia

A obra Histórias de Tia Nastácia se propõe a elencar e apresentar histórias do cotidiano popular do Brasil, ou seja, o folclore, e para isso o autor coloca como protagonista uma pessoa que segundo sua concepção é o retrato do povo simples, uma cozinheira negra, a tia Nastácia. Monteiro Lobato se utiliza de todo seu cabedal intelectual para criar histórias de cunho popular altamente carregadas de hereditariedade  Europeia,  como  reis,  rainhas,  princesas  que  são  narradas  pela

personagem de maneira simples e muitas vezes sem uma sequência lógica, muito longe da metodologia de grandes escritores elencados no decorrer das páginas.

 “O que se pode notar, com a leitura dos capítulos, é a constante referência aos raros personagens, fenotipicamente negros, de forma caricaturada ou depreciativa. Aos personagens negros, em poucos casos, são atribuídos nomes próprios. O comum é dar a estes personagens nomes referentes à cor de suas peles, como ‘a Negrinha’, ‘o Preto’, ‘ o Mulato’, entre outros.” (MIRANDA, 2009, p.34).

 Já na primeira história Monteiro Lobato, pela boca da boneca Emília[8] faz veementes críticas à cultura popular perpetrada pela negra velha, ao mesmo tempo em que Narizinho demonstra sua predileção pelas histórias de autores clássicos, portadores da cultura erudita, diga se, de valor.

Emília torceu o nariz.

- Essas histórias folclóricas são bastante bobas [...] Por isso é que não sou “democrática!” Acho o povo muito idiota...

_Eu também acho muito ingênua essa história de rei e princesa e botas encantadas – disse Narizinho, - Depois que li o Peter Pan, fiquei exigente. Estou de acordo com Emília. (LOBATO, 1985, p. 12).

No diálogo que se segue, após a segunda história, há a explicação da origem e a causa das histórias populares parecerem tão ingênuas e muitas vezes sem a coerência, sem a concordância, sem a coesão dos textos escritos, ou seja, sem a elegância dos contos produzidos por grandes escritores, por se tratar exatamente da memória oral do povo, que aumenta e transforma a história ao longo do tempo. Emília mais uma vez deixa claro sua posição; a de que as histórias populares são simplórias e sem nexo.

Emília ficou a olhar a cara de Narizinho.

- Essa história – disse ela – ainda está mais boba que a outra. Tudo sem pé nem cabeça. Sabe o que me parece? Parece uma história que era dum jeito e foi se alterando de um contador para outro, cada vez mais atrapalhada, isto é, foi perdendo pelo caminho o pé e a cabeça.

- Você tem razão Emília – disse dona Benta. – As história que andam na boca do povo não são como as escritas. As histórias escritas conservam-se sempre as mesmas, porque a escrita fixa a maneira pela qual o autor a compôs. Mas as histórias que correm na boca do povo vão se adulterando com o tempo. [...] E mostram mudanças que o povo fez.

- Mudanças que as deixam sem pé nem cabeça – insistiu Emília – [...] Eu, francamente passo essas tais histórias populares. Gosto mas é das de Andersen[9], das do autor do Peter Pan e das do tal Carroll que escreveu Alice no País das Maravilhas. Sendo coisa do povo eu passo... (LOBATO, 1985, p. 15).

E Emília arremata afirmando, que as histórias do povo simples só  podem ser aceitas para comprovar a ignorância dessas pessoas, uma vez que, não proporcionam prazer, pois não são divertidas, são isentas de humor, e indignas de pessoas de cultura, que preferem histórias mais refinadas. Podemos notar também no trecho que segue “além de chamar Tia Nastácia de negra, num tom ofensivo, utiliza-se do termo beiço para fazer menção aos lábios da personagem” (MIRANDA, 2009, p. 33).

- só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como tia Nastácia. Não gosto, não gosto, não gosto... (LOBATO, 1985, p.18).

A seguir temos a história O pássaro preto, que segundo dona Benta, foi recolhida da tradição oral do povo pernambucano pelo erudito Sílvio Romero[10]. E novamente

Há um tom depreciativo na linguagem utilizada dentro da obra, se pensarmos no atual contexto social brasileiro. [...] Esta estória, por exemplo, conta a história de uma princesa que pretende se casar com um homem negro e ouve de suas irmãs casadas com príncipes as seguintes palavras: “‘Com um moço assim é que você devia ter-se casado, e não com um negro tão preto’”. (LOBATO, 2002. 26) A personagem de Lobato adjetiva um personagem negro como “tão preto” e, concomitantemente, emite uma crítica de desvalor, relacionando a cor da pele a algo que não é bom.(MIRANDA, 2009, P.36).

Emília se excede e chega a perder o devido respeito à pessoas de mais idade e, portanto, mais experientes, como mostra o seguinte texto; “O que vale é que você mesma confessa não ter culpa das idiotices da história, senão eu cortava um pedaço desse beiço.” (LOBATO, 1985, p. 21). 

Em contradição à própria crítica referida à Tia Nastácia - crítica essa freqüente dentro da obra - Emília, no capítulo XIX, corrige Pedrinho, quando este se refere aos próprios lábios como “beiços”: “Beiço é de boi - protestou Emília – gente tem lábios. (LOBATO apud MIRANDA 2009, p.36). Essa notável contradição parece excluir a personagem Tia Nastácia da condição de ser humano, ou ‘gente’ como disse no trecho acima, já que ela é adjetivada constantemente como Negra Beiçuda. (MIRANDA, 2009, p.36).

Mesmo sendo repreendida por dona Benta, a ex-boneca mantém seu posicionamento ao que considera bobagens e não cultura popular expressa pela pobre e indefesa Nastácia, incapaz de competir intelectualmente com sua rival e não podendo dessa maneira se defender. Fica “evidente a desobediência à moral que nos põe a consciência de hierarquia, muitas vezes entendida como ‘respeito aos mais velhos’”. (MIRANDA, 2009, p. 33).

- A senhora me perdoe [...] mas, cá para mim, isso de respeito nada tem a ver com idade. Eu respeito uma abelha de um mês de idade que me diga coisinhas sensatas – mas se Matusalém vier para cima de mim com bobagens, pensa que não boto fogo na barba dele? Ora, se boto!... (LOBATO, 1985, p. 21).

Já, após a seguinte história os ânimos se acalmam e a história é até aplaudida, claro que com reservas, nossa amiga Emília faz uma observação, a de que as histórias populares são muito parecidas, trazendo o mesmo conteúdo desfiado de maneiras distintas com outros personagens, contudo ainda a mesma tônica ou como explica dona Benta, pertencem ao mesmo ciclo. Esse ciclo torna as obras cheias de repetições não só na literatura, mas como Pedrinho observa, no cinema isso ocorre também, “sempre que aparece uma fita original, todas as companhias se aproveitam da ideia e dão fitas sobre o mesmo tema” (LOBATO, 1985, p.23), ao que dona Benta explica que após o lançamento de o Guarani apareceram inúmeras obras de índios sem fim, obras essas de muito pouco valor que por isso mesmo o tempo se encarregou de extirpar permanecendo apenas o Guarani. Aproveitando esse tema “Narizinho, um dos personagens do Sítio, confirma o pensamento de desvalor que arremete os personagens negros nas histórias do Sítio, como vemos no trecho a seguir:” (Miranda, 2009), “— Pobres índios! — exclamou Narizinho. — Se as histórias deles são todas como essa, só mostram muita ingenuidade. Acho que os negros valem mais que os índios em matéria de histórias. Vá, Nastácia, conte uma história inventada pelos negros.” (LOBATO, 1985, p. 47).

A próxima história continua, segundo Emília, sem sequência lógica, não mantendo a mesma qualidade da narrativa do começo ao fim. Dessa vez dona benta concorda com a ex-boneca.

Essa sua teima de exigir na história pé e cabeça, Emília, tem sua razão de ser [...] As coisas sem pé nem cabeça dão-nos a impressão de monstruosidades, de coisas contra a natureza. Uma história pode ser a mais fantástica possível, mas há de ter pé e cabeça. Você tem razão nessa exigência. (LOBATO, 1985, p. 25).

O autor novamente não perde a oportunidade de trazer à tona a condição de subalternidade de Nastácia agora pela boca de Pedrinho.

- Outra coisa que não me agrada [...] é o tal canteiro de cebolas. Bem se vê que é história contada por negras velhas, cozinheiras. Só faltou transformarem a moça num saquinho de sal, a espingarda em uma cabeça de alho e os cavalos num frango assado. (LOBATO, 1985, p.25).

Visão essa claramente equivocada, uma vez que enfatiza apenas uma das transformações da personagem da história, a saber, a parte preconceituosa contra as cozinheiras negras, desvalorizando assim outros pontos importantes da narrativa.

É mistér enfatizar a história A Madrasta, que não trás como as demais, uma crítica aos negros, sendo bem aceita e elogiada por todos os ouvintes, mesmo Emília, dessa vez, se compadece do povo que é muito sofrido, e deve saber do que está falando ao criticar a madrasta, no entanto a ex-boneca ainda se mantém irredutível em sua postura, dessa vez defendendo unilateralmente a maldade das madrastas como se todas fossem assim sem exceções.

[...] o povo assentou que as madrastas não prestam e não prestam mesmo – concluiu Emília. O coitado do povo sofre tanto que há de saber alguma coisa. Esse ponto da madrasta má o povo sabe. São más como caninanas – embora haja alguma degenerada que seja boa. Madrasta boa não é madrasta. Para ser madrasta tem de ser uma bisca das completas. (LOBATO, 1985, p.28).

Passada esta história, porém, as críticas voltam a acontecer, desta vez o povo se caracteriza pela falta de fineza, delicadeza e suas histórias da mesma forma são toscas e grosseiras ao que Emília se lamenta de ter que contentar-se com os contos populares do Brasil e fica ávida por histórias produzidas pelos grandes artistas que conseguem mexer com as emoções e realmente possuem beleza e fineza suficientes para encantar.

[...] o povo, coitado, não tem delicadeza, não tem finuras, não tem arte. É grosseiro, tosco em tudo o que faz. Este livro vai ser só das histórias populares do Brasil, mas depois havemos de fazer um só de histórias compostas por artistas, das lindas, cheias de poesia e mimos – como aquela do Príncipe Feliz, do tal Oscar Wilde, que dona Benta nos leu. Aquilo sim. Até deixa a gente leve, leve, de tanta finura de beleza! (LOBATO, 1985, p. 30).

Na história seguinte Monteiro Lobato, leitor de obras clássicas, utiliza-se de algumas narrativas, bem eruditas tais como, João e Maria, Hércules, Édipo rei, para montar mais uma das famosas histórias de tia Nastácia, com elementos totalmente misturados, embaralhados, na qual mais uma vez a figura do negro aparece com conceitos de valores negativos, como um espertalhão, mentiroso que usa do trabalho dos outros para poder levar vantagem, na história tenta se dar bem à custa do herói, que leva a melhor no final e o pobre negro mentiroso é castigado. Contudo, mais uma vez Lobato é condescendente com o povo, quando Emília diz que a história de João e Maria foi inventada por Andersen, dona Benta explica que não é bem assim.

Andersen nada mais fez do que colhê-la da boca do povo e arranjá-la a seu modo, com as modificações que quis. Essas histórias são todas velhíssimas, e correm todos os países, em cada terra contada de um jeito. Os escritores o que fazem é fixar as suas versões, isto é, o modo como eles entendem que as histórias devem ser contadas. (LOBATO, 1985, p.32).

Terminada a história de número 24, intitulada de – O macaco, a onça e o veado – na qual o veado é apresentado como uma criatura ignorante e acaba morrendo pelas artimanhas da onça, dá-se uma discussão sobre qual a serventia dos animais e qual o seu propósito? A discussão coloca como exemplo o veado e a ovelha que nas histórias em geral aparecem como bobos e ingênuos. Emília e Pedrinho com sua erudição costumeira apresentam seu parecer, porém, após a opinião de Tia Nastácia de que carneiro só serve para ser comido e completar que cada animal tem uma sina pré-fixada por Deus e que a sina do carneiro é de apenas servir de comida, a personagem Emília explode com a arrogância de sempre.

- Bem se vê que é preta e beiçuda! Não tem a menor filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe? Todos os viventes Têm o mesmo direito a vida, e para mim matar um carneirinho é crime ainda maior do que matar um homem. Facínora!...(LOBATO, 1985, p.52,53).

“Claramente, a personagem Emília emite uma crítica não particular à Tia Nastácia, na obra, mas ao negro em geral, atribuindo-lhes adjetivos deturpadores.” (MIRANDA, 2009, p. 35).  Essa mesma narrativa segue na p.59 quando encerrada a história do doutor Botelho, que seria uma cópia malfeita da história O gato de botas, com elementos agregados pelo povo simples do Brasil, que segundo Narizinho, ao ser contada por tia Nastácia se torna muito ingênua, e é veementemente criticada pela personagem Emília, que  diz que  a  releitura  feita  pela  cultura  popular é uma

tradução bem malfeitinha[...] tudo na história é daqui do Brasil, até o macaco e as bananas[...] mas esse rei, que aparece sem mais nem menos, está idiota. Não há reis por aqui. Em todo caso serve. Que se há de esperar da nossa pobre gente roceira? (LOBATO, 1985, p.59).

Quando os garotos perguntam sobre como é o caipora, bicho da imaginação popular e protagonista de uma das histórias, Dona Benta lhes aconselha que procurem tio Barnabé[11]·, pois, segundo ela, “só negro velho entende bem disso.” (LOBATO, 1985, p.64).

Após a página 68, Tia Nastácia se retira e quem inicia a relatar as histórias é Dona Benta, que muda a temática, não mais se atém a cultura popular brasileira, mas, parte para histórias de outros povos, e na terceira história, a “história dos macacos”, proveniente do folclore do congo, Narizinho faz uma intervenção afirmando que essa história é boba, ingênua como a dos negros brasileiros, frente a essa observação, Dona Benta concorda com a menina,

- Sim, mas que havemos de esperar dos pobres negros do Congo?[...] O pobre Congo foi uma das zonas que forneceram mais escravos para a América, de modo que muitas histórias dos nossos negros hão de ter as raízes lá. (LOBATO, 1985, P.71).

E quanto a Tia Nastácia, nem mesmo é digna de terminar o livro com suas histórias, é sumariamente substituída pela sua senhora branca, de hábitos eruditos e com sua cultura refinada, que tem a honra da finalização do livro. Suas histórias folclóricas remetem as diversas outras regiões do globo, são de certa maneira mais bem trabalhadas, com um acabamento diferenciado e uma lógica inexistente nas histórias da pobre Nastácia, com exceção da história oriunda do congo, todas têm uma estrutura mais bem acabada culminando com lições de moralidade e boa conduta como na história dos “dois ladrões” na p.75.

O livro termina com o mesmo preconceito implícito nas histórias da velha Nastácia com o menosprezo costumeiro contra as histórias da tradição oral do povo simples, expressa nas palavras de narizinho. “Também eu estou farta - disse Narizinho. Histórias do povo não quero mais. De hoje em diante, só histórias assinadas pelos grandes escritores. Essas é que são as artísticas. “(LOBATO, 1985, p. 77).

“Nas histórias populares contadas pela personagem Tia Nastácia, ou através das palavras de Emília, os personagens negros carregam o fardo da ignorância. Todos os personagens negros presentes nas histórias representam figuras caricaturadas ou inferiorizadas, descritas na imagem de pessoas mentirosas, espertalhonas ou tolas, e ocupando sempre papéis secundários, como cozinheira, tratador de animais, criados, entre outros.” (MIRANDA, 2009, p.37).

2.1.1 Mudanças demasiadamente tímidas

 

Em livros de história, por exemplo, há uma massiva cobrança feita pelo movimento negro e pesquisadores, começaram a aparecer as figuras de Zumbi e o Quilombo de Palmares, mas a história da resistência dos negros na África e no Brasil continuam na obscuridade, tratadas com superficialidade, “enfatizando manifestações individuais, em lugar de coletivas”.[12]

O negro ainda é apresentado predominantemente no papel de escravo, como se esse fosse seu principal atributo.

É sabido que, dentro da Literatura Infantil, a presença insuficiente ou estereotipada de personagens negros em seus enredos é comum. Os próprios contos infantis vêem marcados por tais características que excluem a participação não inferiorizada ou caricaturada de personagens negros, quando mencionam princesas e príncipes, marcados culturalmente e estereotipicamente por padrões europeus. (MIRANDA, 2009, P.33).

Um exemplo de personagem negro e sua visão estereotipada encontramos em poemas de Cecília Meireles: “O tempo passou. O bem-te-vi talvez tenha viajado [...]Talvez tenha sido atacado por um desses criolos fortes que atiram sem nenhuma razão contra o primeiro vivente que encontram.” [13] Notamos claramente a ligação da figura do negro a criminalidade e violência gratuita, o que nos mostra que ninguém está imune dos estereótipos e processo sócio cultural de que fazemos parte, mesmo uma importante escritora como Cecília Meireles.

Uma vez que os livros didáticos são compilados principalmente da literatura infanto-juvenil, da literatura e mídia escrita, torna-se vital o desenvolvimento da capacidade de análise crítica e mediação cultural, que deve ser exercida pelos professores e alunos, em relação aos discursos encontrados em livros contendo mensagens racistas de desvalorização de culturas e raças, especialmente as obras utilizadas para educar. Faz-se necessário também o envolvimento de outros seguimentos da sociedade, afim de, promover uma pluralidade de pensamentos fortalecendo a multiplicidade de visões sobre o tema.

Não façamos observações com o intuito de responsabilizar os autores das [...] produções, mas, sim, por ansiar mudanças no plano da literatura, sobretudo infantil, reconhecendo a necessidade de adaptá-las aos contextos nos quais se farão presentes. A literatura Infantil tem relevante papel para a educação de crianças. Nessa fase da vida as crianças constroem suas bases identitárias a partir de referências, como pais, professores, pessoas influentes na família. A literatura encarrega-se de despertar alguns sentimentos imprescindíveis na formação da personalidade, (MIRANDA, 2009. p.33,34).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta:

Que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda.

                                                                               (Cecília Meireles)[14]

 

Este trabalho buscou demonstrar que ideias, e visões não são construídas num (insight) piscar de olhos, nascidas do nada, mas que se constroem durante muito tempo a partir de experiências, as mais diversas, fruto de um tempo e espaço que trazem consigo paradigmas diferenciados que se sobrepõem e se somam uns aos outros produzindo assim a realidade de inúmeras pessoas.

A ideia em questão exaustivamente procurada nessa empreitada é a de porque existem estereótipos negativos perante culturas diferentes da dos povos brancos que dominaram a maioria da história da humanidade, ao menos na visão do Ocidente, buscando a motivação de políticos e cientistas, clérigos e escritores que desenvolveram há seu tempo a dita discriminação contra povos tidos como inferiores.

Um dos focos do estudo foi a ausência de personagens negros na literatura infantil e a forma estereotipada com que, quando presentes, em sua grande maioria, são representados. A obra escolhida foi As histórias de Tia Nastácia do autor Monteiro Lobato, clássico infantil presente nos ambientes educacionais, com destaque, na década de 80, com as figuras negras calcadas em seus estereótipos, a exemplo, O Saci e Tia Nastácia. A escolha do autor se justifica pelo motivo de que pelo menos metade de suas obras, ao que hoje se sabe, são destinadas a este público, carregadas por uma linguagem clara, simples e enredos cheios de fantasias. A maior parte dos seus contos acontece no Sítio do Pica-pau.

Não foram feitas observações com o intuito de responsabilizar o autor da citada produção, mas, sim, por ansiar mudanças no plano da literatura, sobretudo infantil, reconhecendo a necessidade de adaptá-las aos contextos nos quais se farão presentes. A literatura Infantil tem relevante papel para a educação de crianças. Nessa fase da vida as crianças constroem suas bases identitárias a partir de referências, como pais, professores, pessoas influentes na família. A literatura encarrega-se de despertar alguns sentimentos imprescindíveis na formação da personalidade, para tanto, o uso do lirismo e da fantasia produz sentimentos como alegria, tristeza, piedade, solidariedade, fazendo com que elas aprendam a lidar com eles. São, também, através dos personagens, que os pequenos leitores se sentem representados. Quem nunca se imaginou rei ou rainha?

E é por esse caminho que trilha o final do texto que apresenta a figura de Kiriku, menino minúsculo nascido na África Ocidental, cujo tamanho não alcança nem o joelho de um adulto, que tem um destino: enfrentar a poderosa e malvada feiticeira Karabá, que secou a fonte d'água da aldeia de Kiriku, engoliu todos os homens que foram enfrentá-la e ainda pegou todo o ouro que tinham. Para isso, Kiriku enfrenta muitos perigos e se aventura por lugares onde somente pessoas pequeninas poderiam entrar.

Em um dos trechos do filme o menino mostra sua inquietação sobre a maldade da feiticeira. Tentando argumentar com o filho, sua mãe afirma que a maldade está presente em vários homens e que ela - a maldade - é parte da vida.

Durante a pesquisa ficou evidente que existem várias obras, literárias e animadas que fazem resistência a cultura de valoração do pensamento ocidental que tem como imagem de identificação o homem branco europeu e que constrói uma representação ideal de nação e cultura, e em decorrência, constrói uma noção de outras culturas com ideias que se traduzem na falta e no exotismo. As consequências desse pensamento hegemônico provocam a marginalização e inferiorização das culturas e costumes de outros grupos sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARISTÓTELES. Vida e Obra in os pensadores. Editora Nova Cultural, São Paulo, 1996.

CARLYLE, Thomas, Discurso Ocasional sobre a questão do Negro. 1840.

CLEMENTS, Ron e MUSKER, John. A Princesa e o Sapo, animação Disney, Estados Unidos 2010, 97 min.

COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. 2ª ed. rev., ampl., atual. e il. sob a coordenação de Graça Coutinho e Rita Moutinho. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/DNL; Academia Bralisileira de letras, 2001.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Séc. XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª Ed., Editora Nova América. Rio de Janeiro, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à Prática Educativa Editora Paz e Terra. Coleção Saberes. 36ª Edição, São Paulo. 1996.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão; Tradução de Raquel

Ramalhete. 31ª edição. Vozes, Petrópolis 1987.

GORENDER, Jacob. Brasil em Preto e Branco.  Série Livre Pensar Vol. 4. Editora SENAC, São Paulo 2001.

JOFFÉ, Roland. A Missão. Filme, 121 min. Inglaterra, 1986.

LOBATO, Monteiro, Histórias de Tia Nastácia. São Paulo Brasiliense, Brasília: INI, 1985, 24ª edição.

MENEZES, S.. Escravidão e educação nos escritos de Antônio Vieira e Jorge Benci - doi: 10.4025/dialogos.v10i3.84. Diálogos, América do Norte, 10, mai. 2010. Disponível em: http://www.uem.br/dialogos/index.php?Journal=ojs&page=article& op=view&path%5B%5D=84. Acesso em: 15 Ago. 2011.

MIRANDA, Jaqueline Silva. A Representação do Negro em Obras Infantis de Monteiro Lobato. Monografia do curso de Pedagogia, Salvador. 2009.

Nota 10 – A Cor da Cultura. África no currículo escolar. Ministério da Educação, Secretaria de Educação a Distância, DVDescola vol. II.

OCELOT, Michel. Kiriku e a Feiticeira. Animação. França. 1998.

PASSOS, Luiz Augusto. Fundamentos de Filosofia. Os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação. Programa de Formação da CNTE/APP-Sindicato/UFPR. Curitiba, 2009.

PENA, Sergio Danilo. Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/o-dna-do-racismo  acesso em 10/08/2011.

ROMERO, Silvio. Disponível em http://www.vidaempoesia.com.br/silvioromero.htm

SANTOS, Eduardo. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/12129/1/ Film -A-Missao/pagina1.html#ixzz1Bh1kORM8 acesso em 10 Ago. 2011.

SILVA, Paulo Vinicius Baptista da. Carta na Escola, Edição nº 25, Abril de 2008.

STEVE, Jones. Disponível em http://www.humanism.org.uk/about/people/distingui shed-supporters/Professor-Steve-Jones acesso em 10 Ago. 2011.

TICKELL, Paul. Racismo: uma História. Documentário BBC FOUR, duração 58 min, 2007.



[1] A Missão. Direção: Roland Joffé. Produção: Fernando Ghia e David Puttnam, com Robert de Niro e Jeramy Irons.  Conflito entre colonos e Jesuítas, a experiência missionária dos jesuítas, que passa a compor o cotidiano indígena institucionalizando sua crença cristã e a cultura européia. Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12129/1/Filme-A-Missao/pagina1.html#ixzz1Bh1kORM8   Acesso em 10/08/2011.

[2] Óbvio recado à cultura americana do norte!

[3] SCHOPENHAUER Apud PASSOS, 2009. p.77.

[4]Steve Jones, professor de genética britânico, diretor do departamento de biologia da University College London. Seus estudos são conduzidos no laboratório Galton. Também é apresentador de televisão e premiado autor na área biológica, especialmente sobre a evolução, sendo um dos mais populares escritores sobre este tema, que aborda de modo simples e humorado. Disponível em  http://www.humanism.org.uk/about/people/distinguished-supporters/Professor-Steve-Jones   acesso em 10/08/2011.

[5] Thomas Henry Huxley (1825-1895): defensor de Spencer e Darwin, criador do termo agnosticismo. Daniel Piza disponível em  http://blogs.estadao.com.br/daniel-piza/a-liberdade-da-descrenca/ acesso em 10/08/2011.

[6] George B. Shaw: Dramaturgo, romancista, contista, ensaísta e jornalista irlandês, prêmio Nobel de literatura de 1925, o qual recusou. Em the Soviet Story, do documentarista Edvins Snore, Shaw aparece defendendo os nazistas e o extermínio de todos os "parasitas sociais" em vídeo, pessoas não adaptadas e inúteis para a sociedade, segundo seus conceitos. No mesmo documentário ele é acusado de apelar no jornal Londrino Listener em 1933, para que os químicos da época desenvolvessem um gás letal com a finalidade de matar seres humanos "inadequados".

H. G. Wells: Escritor, professor, jornalista e historiador, entusiasta dos avanços científicos: Escreveu A Máquina do tempo, a Ilha do Dr. Moreau entre outros.

Sir Winston Leonard Spencer-Churchill: Político, estadista, escritor, jornalista, orador e historiador britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro ministro do Reino Unido durante a segunda guerra mundial. Recebeu o prêmio de Pessoa do ano em 1940 e 1949.

[7] Título original, The Princess and the Frog, Disney 2010, realização: John Musker, Ron Clement, apresenta a primeira princesa da Disney de origem não caucasiana, ou seja, conta a história de Tiana a primeira princesa negra do famoso estúdio.

 

 

[8]“Lembrando que Emilia seria um auter-ego do escritor, ou seja, que através de Emília Monteiro Lobato diz tudo o que pensa.” (CATINARI apud MIRANDA, 2009, p.31)

[9] Hans Christian Andersen, autor dinamarquês de literatura infantil, escreveu entre outros, O Patinho Feio, uma paródia de sua própria vida.

[10] Silvio Romero (Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero), crítico literário brasileiro e historiador da literatura. Nasceu em Lagarto, Sergipe, e faleceu no Rio de Janeiro. Bacharel em direito pela faculdade do Recife (1873), foi juiz em Parati, Rio de Janeiro, dedicando-se também ao magistério. Foi professor de filosofia no Colégio Pedro II (1880) e de Filosofia do Direito na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Por um breve período participou do parlamento, tendo sido deputado por Sergipe (1899). Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, também ocupou uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Participou ativamente da vida intelectual e política brasileira. Fonte http://www.vidaempoesia.com.br/silvioromero.htm, acesso em 10/08/2011 às 20h 36min.

[11]" Criação de O Sítio do Pica-Pau Amarelo (1920). Ele é o correspondente de tia Nastácia no universo masculino, mas que trata Nastácia de maneira prepotente e desdenhosa, certamente pela condição de macho.” (Nei Lopes, Carta na Escola, 2008 p.40)

[12]Paulo Vinicius, carta na escola 2008 p.44.

[13] Cecília Meireles apud Paulo Vinícius, carta na escola 2008, p.44.

[14] Escrito na obra Romanceiro da Inconfidência.