277 - RELAÇÕES PÚBLICAS

 

Estava outro dia numa fila de candidatos a um emprego.

Fiz tantas filas, que não me lembro  qual era a firma,  mas não faz diferença.

Só sei que, depois de uma rápida conversa, o gerente dava a cada um uma senha.

Senha verde à direita, vermelha à esquerda.

Encontrei-me na fila da direita, e só fui descobrir o porquê, bem depois.

 Acontece que, como todas as grandes firmas, esta também  tem duas caras.

 

A primeira é a cara do “ANTES”:

moldada especialmente  para atrair os clientes, é convincente e suave; assim:

a) veja que qualidade, que variedade de modelos, que acabamentos...

b) observe as cores e os reflexos; demore o tempo que quiser, fique à vontade...

c) agora veja  os preços, os descontos, as condições, os prazos de financiamento

d) saiba que damos uma garantia de montagem rápida e eficiente em sua casa

e) tem também a cobertura de seguro contra qualquer acidente ou problema.

f) compare  quantas vantagens , contra o pouco que os concorrentes oferecem

g) você estará sob a proteção do nosso nome!

h) e ainda a garantia do fabricante – um dos melhores do mundo!

i) Você não se arrependerá; está fechando o melhor negócio de sua vida!

 

 

A segunda é a cara do “DEPOIS”:

criada para lidar com clientes insatisfeitos e reclamações difíceis de lidar;

ela vai mudando de tom aos poucos, assim:

j)   “vamos providenciar rapidamente...”

k)  “tenha um pouco de paciência!”

l)   “nunca prometemos uma coisa destas!...”

m)   “só o fabricante é que sabe; nós apenas vendemos!”

n)   “ah, não vai dar em menos de uma semana!”  

o)   “já fizemos tudo o que podíamos! ”   

o)  “outra vez o senhor?”   

q)  “não me aborreça!”

      e por fim, a cara extrema:

r) “ah, é? Então quer saber de uma coisa? vá reclamar onde quiser,

      com o procon, com o bispo, com o raio que o parta... não aceitamos desaforos!

      Vou chamar o segurança!”

 

Voltando à senha, o entrevistador achou que eu tinha cara de bonzinho, solícito, prestativo; e que seria capaz de convencer meus clientes a levarem o que eu vendia; por isso, fui para o grupo da senha verde....

 

Dei graças a Deus, pois não sou de briga, não gosto de polêmica e quero sossego.

Fui me firmando no serviço, já gostando de vender, usando todos os pontos da primeira lista.

O cliente escutada enlevado,  feliz...  e mais uma venda ia a meu crédito.

 

Mas duas semanas depois, me aparece um casal, furioso; tinham comprado uma cama e ela quebrou, de repente, no meio da noite.

Eram pessoas irredutíveis, teimosas, insuportáveis.

Queriam uma cama nova, invocavam a garantia.

Achei que não me cabia formular perguntas indiscretas, indagando sobre detalhes ou circunstâncias constrangedoras, que podiam ter provocado o acidente. .

Além disso, minha função é vender. Sou senha verde, meu Deus!

Eles interpretaram minha atitude como um desafio, uma falta de respeito.

Quase apanhei. Levei uns empurrões, por conta da minha passividade.

Logo o segurança apareceu e eles foram encaminhados ao setor “vermelho”

Em sucessivas e inúteis investidas, receberam todas as considerações do segundo bloco, mas continuaram numa atitude beligerante.

Resultado: estão acampados há três dias no setor de móveis, no terceiro andar  e não querem arredar pé.

Quando um sai, o outro fica sentado numa cama qualquer.

Os filhos já levaram pijamas, remédios, kits  de sobrevivência.

Agora, então, não querem nem mesmo negociar a devolução da entrada, ou um tipo de cama de melhor qualidade, pelo mesmo preço. Enfim, uma tragédia.

Mas  a culpa é minha.

O manual, que só li depois, diz que o limite para aquela cama, é de 150 quilos, de “carga estática” .

Quer dizer que, se a carga se mexer, vai tudo para o chão. Fazer o quê?

Tinha que avisá-los antes.  Agora é tarde.

 

E para dizer a verdade, não vejo a hora de acordar.....que pesadelo!