Historicamente, o Brasil não manteve profundas relações na América do Sul, apesar do fato de ocupar praticamente metade do continente tanto em território quanto em população. Porém, esse cenário tem se modificado desde o fim das ditaduras que se instalaram na região. Acordos têm sido firmados, possibilitando a integração regional.

Geralmente, as relações externas dos países sul-americanos não se firmam tanto nas posições ideológicas. Costumam ser objetivas e, mesmo quando há regimes que podem ser considerados autoritários, os governos se dizem defensores da democracia. Como afirmam Boris Fausto e Fernando Devoto, os generais Castello Branco e Ernesto Geisel diziam ter por objetivo “restaurar a ordem social e a democracia, purificando-a previamente, por meio da eliminação dos corruptos, dos ‘pelegos’ sindicais, dos populistas que tinham infelicitado o país” (FAUSTO;DEVOTO, 2004).

No quadro atual, o governo Jair Bolsonaro busca alinhar-se aos Estados Unidos, na imagem de Donald Trump. Isso influencia as relações na América do Sul, uma vez que são refletidos os posicionamentos estadunidenses de apoio ou oposição aos regimes locais. Em relação à Argentina, o atual governo busca um afastamento após a volta do Peronismo-Kirchnerismo com a eleição de Alberto Fernández e sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner. Quando se trata da Venezuela, há uma oposição severa ao regime de Nicolás Maduro, vista também no anterior governo de Michel Temer. As posições proferidas por Bolsonaro, no entanto, não são de todo postas em prática nas relações exteriores.

Não é possível discutir as relações internacionais do Brasil e dos vizinhos sul-americanos ignorando a influência de outros países. Por muito tempo, a região foi afligida pelos imperialismos europeus e estadunidense. No século XX, houve a ação interventora dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, quando foram implantadas duras ditaduras na região. Somente depois desse período é que os países da América do Sul fortaleceram de fato suas relações, sejam bilaterais ou regionais. Observa-se, após a chamada “redemocratização”, a formação de acordos econômicos que beneficiam o comércio na região. A essência dos acordos de integração e cooperação é a diminuição dos custos de intercâmbio, que a longo prazo favorecem o consumidor.

O acordo mais relevante que diz respeito à integração sul-americana foi o que deu origem ao Mercado Comum do Sul, em 1991. Os principais compromissos do Mercosul são a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, a adoção de políticas comerciais comuns, a coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização da legislação para o fortalecimento da integração. O Brasil, membro pleno ao lado de Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela, faz parte da organização desde seu início.

É importante ressaltar o papel fundamental do Brasil como membro pleno do Mercosul, fazendo-se valer de dois exemplos atuais. Após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o governo Michel Temer, ao lado de Mauricio Macri, então presidente da Argentina, passou a pressionar o bloco pela suspensão da Venezuela como membro pleno, alegando “ruptura da ordem democrática”. A suspensão realmente ocorreu em 2017, por decisão unânime. Já em 2020, o Estado Plurinacional da Bolívia aguarda aprovação para fazer parte dos membros plenos. O Brasil é o único que ainda não aprovou a entrada, e enquanto isso não acontecer, a Bolívia continuará somente como membro associado.

Outra importante união de países da América do Sul é a ALADI, a Associação Latino-Americana de Integração. Criada em 1980, é composta pelos países sul-americanos, com exceção de Guiana, Suriname e Guiana Francesa, e com inclusão de Panamá, Cuba e México, com o objetivo de promover a integração regional com desenvolvimento econômico e social. A boa relação do Brasil com os vizinhos é uma grande vantagem, uma vez que, estando conectada, a América do Sul se fortalece, entre outros fatores, pela condição geográfica, pois o acesso aos oceanos Pacífico e Atlântico confere ao continente condições de conexão aos principais centros de produção e de consumo a nível mundial.

Uma das formas de se dimensionar o relacionamento diplomático entre os países é pelos índices de corrente de comércio. No caso do Brasil, a corrente de comércio com os sul-americanos é significativa, com destaque para Argentina e Chile, que estão entre os 15 principais parceiros comerciais do Brasil no primeiro trimestre de 2020, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia, extraída para artigo de Rui Tavares Maluf[1]. No entanto, se for levado em consideração o total das exportações e importações brasileiras, a China e os Estados Unidos, com ampla superioridade da primeira, apresentam participação muito maior se comparados aos sul-americanos. Por outro lado, e mbora o valor das importações realizadas pelo Brasil no primeiro trimestre de 2020 seja menor em relação ao mesmo período de 2019, houve um aumento daquelas provenientes de cinco países da América do Sul, a saber, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Equador e Guiana.

A relação do Brasil com outros países da América do Sul nem sempre foi harmoniosa. O principal exemplo disso é o período da Guerra do Paraguai, quando a Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai, pegou em armas em conflitos extremamente sangrentos contra o Paraguai. Antes disso, houve também os atritos entre brasileiros e argentinos pelo território da Cisplatina, que declarou sua independência em 1825 como República Oriental do Uruguai, reconhecida pelo Brasil somente em 1828.

No início do século XX, a diplomacia brasileira foi marcada pela forte atuação do barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, nas disputas de fronteiras com a Guiana Francesa (França), no caso do Amapá, com a Argentina, no caso de Santa Catarina e do Paraná, e com a Bolívia, no caso do Acre, além da negociação com o Uruguai, que terminou com a concessão de condomínio ao país vizinho sobre o Rio Jaguarão e a Lagoa Mirim. Por seu lado, na década de 1930, Getúlio Vargas buscou uma atuação mais independente, com mais autonomia nas relações internacionais em relação à América Latina.

A importância das relações do Brasil na América do Sul não se limita aos campos econômico e político. Gildo Marçal Brandão chama a atenção para o campo intelectual, historicamente dominado por países centrais, alertando para a emergência do fortalecimento de pensadores sul-americanos na academia:

 

Nesse sentido, se não quisermos nos condenar a comparecer ao mercado internacional de ideias apenas como produtores de matéria-prima tropical para consumo e industrialização pelos intelectuais dos países centrais, a produção de teoria de primeira qualidade e a realização de leituras inovadoras dos grandes pensadores políticos parecem ser um desafio institucional inelutável. (BRANDÃO, 2007:188)

 

De fato, existiram e ainda existem muitos desafios nas relações internacionais do Brasil no continente sul-americano, mas também há muitos avanços. Na evolução, desde os conflitos no século XIX até as aproximações pós-redemocratização, essas relações têm sido fundamentais em variados campos, como o político, o econômico, o científico e o cultural.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do Pensamento Político Brasileiro. HUCITEC: São Paulo, 2007.

 

FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando. Brasil e Argentina. Um ensaio de história comparada (1850-2002). Editora 34:    São Paulo, 2004.

 

MALUF, Rui Tavares. Artigo em versão preliminar Relações Internacionais do Brasil no contexto sul americano. FESPSP. Maio, 2020.

 

[1] MALUF, Rui Tavares. Artigo em versão preliminar Relações Internacionais do Brasil no contexto sul americano. FESPSP. Maio, 2020. p. 4-5, 8.